Os Rejeitados: drama, comédia e personagens verossímeis

Cena do filme Os Rejeitados
Os Rejeitados: direção de Alexander Payne

UM BELO EXEMPLAR DE COMÉDIA DRAMÁTICA

O símbolo criado pelos antigos gregos para representar o teatro pode causar confusão entre os mais distraídos. Comédia e drama – a máscara sorridente ao lado daquela em prantos – não são conceitos excludentes, que se repelem mutuamente. Ao contrário, são complementares. É claro que quando falamos em comédia, o que vem à mente são as obras leves e engraçadas, recheadas de sátiras que arrancam risos. O drama, por sua vez, remete a obras densas e melancólicas, que levam às lágrimas. Conhecemos bem as duas faces dessa moeda, que se alternam a todo instante no jogo da vida – por vezes, num mesmo dia, vivemos situações que nos levam de um pólo emocional a outro.
        Na arte, deveria acontecer o mesmo! Então, para além da comédia e do drama, a indústria do cinema criou o gênero comédia dramática, onde encaixa as obras que combinam elementos de ambos, para oferecer uma experiência emocional mais completa. Tais híbridos, no entanto, não são meras criações bipolares. São filmes mais complexos e sofisticados, que exigem domínio das técnicas narrativas e demandam personagens melhor desenvolvidos. O diretor, o roteirista e o elenco são mais desafiados e o resultado final da obra acaba dependendo de sutilezas.
Uma comédia dramática deve pender mais para o drama, enquanto focaliza os personagens e as suas diferentes camadas. Salpicar o texto com tiradas hilariantes, alternando leveza e densidade num ritmo apropriado, é o que dá o tempero final e envolve o espectador. Mas o humor deve ser sutil! Nada de palhaçadas, nem de besteirol. Diálogos afiados, subtextos inteligentes e verdade emocional acima de tudo... Numa comédia dramática, o mais importante é aquilo que os anglo-saxões chamam de “timming”. Num estalar de dedos, o molho pode desandar!
        No filme Os Rejeitados, dirigido em 2023 por Alexander Payne, o molho é saboroso e saciou o meu apetite por cinema de qualidade. Trata-se de uma comédia dramática sensível e envolvente, nos moldes do que o diretor já nos ofereceu em outros filmes, como Pequena Grande Vida, Sideways - Entre Umas e Outras e As Confissões de Schmidt. Indicado para o Óscar, saiu da festa com a estatueta de melhor atriz coadjuvante, para Da'Vine Joy Randolph. Nos serviços de streaming, é um prato cheio para quem busca uma história fictícia, mas baseada em personagens verossímeis e bem construídos. Vamos examinar a sinopse:


        Ambientado em 1970, o filme conta a história de Paul Hunham (Paul Giamatti) um rabugento e intragável professor de literatura clássica, que vive enfurnado na fictícia Barton Academy – um internato masculino na Nova Inglaterra. No final do ano letivo ele é destacado para uma missão indigesta: permanecer nas dependências da escola, tomando conta de alguns estudantes que não poderão voltar para casa durante as férias. O professor juntará suas amarguras com as de Mary Lamb (Da'Vine Joy Randolph), uma cozinheira enlutada pela perda recente do filho, para atazanar a vida dos alunos entediados, em especial a do infeliz Angus Tully (Dominic Sessa), cuja mãe preferiu abandoná-lo e sair de férias com o novo marido. Obrigados a conviver, os três vão criar vínculos improváveis, numa trajetória de ensinamentos e aprendizados.
        Quem se lembra do protagonista de Sideways - Entre Umas e Outras, talvez sinta um certo déjà vu diante do intragável professor aqui interpretado pelo mesmo Paul Giamatti. Inteligente, solitário e bastante inseguro, ele parece ter um gosto especial por colecionar problemas de relacionamento. O ator já estava nos planos de Alexander Payne quando iniciou o projeto de realizar Os Rejeitados. O diretor concebeu uma “storyline” ressaltando a dinâmica entre três personagens sem qualquer afinidade, que estabelecem conexões emocionais entre si e acabam passando por experiências transformadoras. Para desenvolver a história, ele chamou um roteirista com quem ainda não havia trabalhado – aliás, um que nunca havia escrito um roteiro para cinema!


        David Hemingson era roteirista experiente, mas escrevia programas e séries para a TV. Ele havia concebido uma história baseada em suas experiências pessoais e ambientada numa escola da nova Inglaterra, que seria o piloto para uma eventual série de TV. Por obra do seu empresário, o despretensioso roteiro caiu nas mãos de Alexander Payne, que percebeu seu potencial e convidou o roteirista a abraçar o projeto. Hemingson propôs várias histórias diferentes e a escolhida pelo diretor foi essa que agora podemos conferir em Os Rejeitados.
        Escrever para a TV, desenvolvendo personagens a partir das linhas de diálogo, certamente trouxe grande experiência a David Hemingson. Quando o diretor pediu que a história fosse ambientada em 1970, ele foi buscar inspiração em um velho tio, cujas tiradas de humor serviram de mote em diversas cenas. Escreveu o roteiro e terminou como o único creditado, ainda que interferências de Alexander Payne e do excelente elenco tenham acontecido de improviso nos sets de filmagem.
        Para além do texto bem escrito, Os Rejeitados traz uma direção segura de Payne. Fotografia impecável, cenários caprichados, figurinos de bom gosto... Visualmente, o filme encanta. Quanto à trilha sonora, trabalha sempre a favor da dramatização e da ambientação. É um ótimo espetáculo audiovisual, que vale a pena se conferido.


Resenha crítica do filme Os Rejeitados

Título original: The Holdovers
Título em Portugal: Os Excluídos
Ano de produção: 2023
Direção: Alexander Payne
Roteiro: David Hemingson
Elenco: Paul Giamatti, Dominic Sessa, Da'Vine Joy Randolph, Carrie Preston, Brady Hepner, Ian Dolley, Jim Kaplan, Michael Provost, Andrew Garman, Naheem Garcia, Stephen Thorne, Gillian Vigman, Tate Donovan e Darby Lily Lee-Stack

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