Os Três Patetas: divertida homenagem aos reis da comédia pastelão

Cena do filme Os Três Patetas
Os Três Patetas: direção de Peter e Bobby Farrelly

INCRÍVEL COMO O TRIO SE ENQUADROU BEM NA TV

Tinha 9 anos e isso foi lá em 1969. Naquela tarde, estava na frente da televisão, aquela caixa valvulada que ficava na sala de estar e tinha uma tela em preto-e-branco. Distraía-me com as imagens chuviscadas de baixa resolução, quando o aparelho deixou de funcionar. Minha mãe chamou o técnico, que prometeu uma visita para aquela mesma tarde. Ela, porém, precisou sair. Quando o técnico deu as caras, estava sozinho em casa. Mostrei-lhe o aparelho e em poucos minutos apresentou o diagnóstico: havia uma válvula queimada que precisava ser substituída. Que droga! O sujeito chegou a me dar o preço em cruzeiros novos.
        Aterrorizado com a possibilidade de ver meu pai chegando do trabalho à noite, só para esbravejar furioso diante da televisão quebrada, não pensei duas vezes. Fui até a gaveta da cômoda, onde minha mãe escondera o dinheiro dado por minha avó para comprar os presentes de Natal – meu e dos meus irmãos mais novos. Coloquei tudo na mão do técnico, nota por nota. O sujeito hesitou, como se estivesse enfrentando um dilema moral, mas embolsou a grana. Tirou uma válvula da maleta e pronto! Fez a televisão ressuscitar dos mortos.
        Quem ficou furiosa foi minha mãe. Meus irmãos, então... Foi uma choradeira! Meu pai nem ficou sabendo. Enquanto minha mãe preparava o jantar, ele se sentou no sofá para acompanhar “mais uma sessão de bom-humor e gargalhadas com Os Três Patetas, o trio mais biruta da tela”. Vendo meu pai relaxando em risadas, enquanto soltava fumaça do cachimbo, percebi o quanto aqueles três idiotas destrambelhados já não tinham a menor graça. Não valiam nossos presentes de Natal. Seus episódios repetidos à exaustão eram uma sucessão de mesmices. Velhas e emboloradas.
        Os Três Patetas eram uma constante na programação da TV. No final dos anos 1950, seus curtas produzidos para as salas de cinema foram empacotados para as telinhas, onde moraram por décadas. Com um estilo cômico desleixado e raso, miravam as gargalhadas ligeiras, sem entregar sutilezas nem tiradas espirituais. Havia o humor refinado e inteligente de Charlie Chaplin, Buster Keaton e Harold Lloyd, e havia a bagunça de Moe, Larry e Curly. O trio fazia uma comédia pastelão, repleta de gírias e tiradas absurdas que conversavam fluentes com o público mais... popular. Um cinéfilo exigente empurraria o humor do trio lá para o final da lista, mas jamais cometeria o sacrilégio de ignorá-los. Os três conquistaram um espaço na sétima arte.
        Os irmãos Farrelly, Peter e Bobby, certamente reconheceram a relevância do trio. Mais conhecidos por suas comédias escrachadas, como Debi & Loide e Quem Vai Ficar com Mary?, realizaram a proeza de trazer Moe, Larry e Curly de volta aos cinemas em 2012, dirigindo Os Três Patelas. O longa recria – com assombrosa acuidade visual – as loucuras que ficaram na memória de seguidas gerações de telespectadores. É um filme divertido, bem realizado e original, já que conta uma história “biográfica” dos personagens, trazendo os “fatos” para os dias atuais.
        Apresentado em três “episódios”, para fazer referência ao clássico formato adotado na série de curtas originais, Os Três Patetas conta como Moe (Chris Diamantopoulos), Larry (Sean Hayes) e Curly (Will Sasso), juntos desde a infância no orfanato, tiveram que se desdobrar em criatividade – e maluquices – para conseguir o dinheiro necessário para salvar a instituição à beira da falência. No primeiro episódio, intitulado More Orphan Than Not, o três são ainda crianças, mas verdadeiras miniaturas dos patetas. No segundo episódio, intitulado The Bananas Split, eles já são adultos, mas se metem em confusões infantilizadas. No último episódio, No Moe Mister Nice Guy, eles se metem num reality show ao estilo Big Brother e se tornam mais populares do que nunca.
        O roteiro de Os Três Patetas foi escrito por Mike Cerrone, mas o tratamento final veio com intervenções dos irmãos Farrelly. Realizado com respeito e reverência, o filme promove uma verdadeira volta no tempo, para quando a ingenuidade se juntava ao desleixo e produzia um humor compromissado unicamente com a palhaçada. O ritmo, a mise-en-scène, o universo sonoro, a cenografia.... Tudo foi preparado com cuidado para emular à perfeição a atuação do trio formado pelos irmãos Moe e Curly Howard, junto com o violinista Larry Fine.
        O trio começou a atuar nos palcos em 1934, mas logo foram contratados para estrelar uma série de comédias curtas para o cinema. Nas décadas de 1950 e 60, com o sucesso na TV, acabaram estrelando vários longas e entraram no negócio de licenciamento, assinando uma variedade de produtos, como brinquedos, jogos, figurinhas, histórias em quadrinhos e até desenhos animados. Por trás das câmeras, a história da trupe nunca foi sossegada. Moe Howard e Larry Fine sempre foram os patetas fixos, mas com a morte de Curly, em 1952, sua vaga foi preenchida por Shemp Howard, o outro irmão de Moe. Shemp morreu três anos depois e foi substituído por Joe Besser, que se desligou do grupo em 1958 e cedeu a vaga para Joe DeRita. Os Três Patetas, no entanto, sempre mantiveram a mesma imagem sólida e coesa que continua reconhecida até hoje.
        Os Três Patetas originais beberam na fonte do Vaudeville, um estilo de teatro francês que se tornou popular nos Estados Unidos, no final do século XIX e começo do século XX. Era um tipo de teatro de variedade barato, que reunia artistas de diferentes gêneros numa única apresentação, dividida em esquetes sem conexões entre si. Musicais, comédias, dança, mágica, peças clássicas... As trupes itinerantes eram a principal fonte de entretenimento para o grande público. Com o advento do rádio e do cinema, o modelo de negócios deixou de ser rentável, mas serviu de escola para a produção de conteúdo nas novas mídias.
        Desde os seus primórdios, a TV fez uso das técnicas de encenação desenvolvidas pelos profissionais do Vaudeville, para prender a atenção da audiência. Ao invés dos palcos, os artistas agora exercitavam seus talentos diretamente na sala de estar dos espectadores. Os três Patetas foram esse elo de ligação entre duas eras do entretenimento e terminaram se dissolvendo do caldo variado da cultura de massa. Desde que desenvolvi minha implicância com o humor do trio, por causa das risadas relaxadas do meu pai, deixei de assistir aos seus filmes. Esqueci que eles existiram.
        Até que os irmãos Farrelly trouxeram Moe, Larry e Curly de volta à fama. Vivi momentos de nostalgia e desfiz todas as minhas implicâncias!

Resenha crítica do filme Os Três Patetas

Título original: The Three Stooges
Título em Portugal: Os Três Estarolas
Ano de produção: 2012
Direção: Peter Farrelly e Bobby Farrelly
Roteiro: Mike Cerrone, Peter Farrelly e Bobby Farrelly
Elenco: Chris Diamantopoulos, Sean Hayes, Will Sasso, Kirby Heyborne, Jane Lynch, Sofía Vergara, Jennifer Hudson, Stephen Collins, Craig Bierko, Larry David, Kate Upton, Marianne Leone, Emy Coligado, Avalon Robbins, Max Charles, Reid Meadows, Brian Doyle-Murray, Isaiah Mustafa, Nicole Polizzi, Mike Sorrentino, Jennifer Farley, Ronnie Ortiz-Magro, Samantha Giancola e Dwight Howard

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