Fomos Heróis: assim começou a guerra do Vietnã

Cena do filme Fomos Heróis
Fomos Heróis: direção de Randall Wallace

COBRINDO TODO O TEATRO DE OPERAÇÕES

Nem todos os cinéfilos apreciam filmes de guerra. Alguns evitam exposições à violência, como quem evita tomar vento pelas costas, para se proteger das gripes e resfriados. Não abrem mão de suas suscetibilidades. O fato é que todos ficamos resfriados, em algum momento! Para quem gosta da sétima arte, certos filmes de guerra são inevitáveis, especialmente os que ampliaram os cânones do gênero e modelaram o jeito de fazer cinema. Apocalypse Now, O Resgate do Soldado Ryan, Nascido Para Matar, Platoon, Nada de Novo no Front... São alguns dos títulos que me ocorrem quando quero falar de qualidade, para chamar a atenção dos cinéfilos mais... pacifistas.
        Fomos Heróis, filme de 2002 dirigido por Randall Wallace, talvez não seja uma dessas obras inovadoras, que merecem estar no topo da lista, mas possui qualidades inegáveis. Trata-se da adaptação para as telas do livro We Were Soldiers Once... And Young, assinado pelo tenente-general Harold Moore em parceria com o jornalista Joseph Galloway. Conta a história da primeira batalha travada entre americanos e norte-vietnamitas, durante o conflito que moldou a segunda metade do século XX – um pesadelo que assombraria os Estados Unidos pelos dez anos seguintes.
        Em 1965, Moore foi o comandante das forças americanas na batalha de Ia Drang e Galloway, o único jornalista presente – viveu o calor dos combates, pegando em armas e empunhando a máquina fotográfica. Para narrar os acontecimentos, ambos colheram os depoimentos de centenas de combatentes, inclusive norte-vietnamitas. Construíram um painel vívido de toda a movimentação e revolveram em profundidade os episódios de pura selvageria que testemunharam.
        Para os militares americanos, esta primeira batalha no Vietnã foi a oportunidade para testar novas táticas de mobilidade aérea por meio de helicópteros. Transportaram 450 soldados até o vale do rio Ia Drang, onde enfrentaram 2 mil vietcongues. Foram duas operações distintas: a X-Ray, em 14 de novembro, ceifou a vida de 96 americanos e feriu outros 121. A Albany, em 17 de novembro, resultou em 155 mortos e 124 feridos. Cerca de 1.200 vietcongues morreram.
        Além dos dramáticos eventos físicos que ensejou, essa história ganhou significados profundos na cultura americana. Os soldados que primeiro pisaram no Vietnã para lutar contra o comunismo, mal sabiam que terminariam tratados como vilões pela mídia mainstream. Chegaram como heróis, mas não conquistaram o coração da opinião pública. O diretor Randall Wallace entendeu tal alcance emocional e procurou ir além das cenas realistas e sanguinárias da batalha. Procurou dar ao espectador uma visão tática e estratégica e todo o teatro de operações, mantendo o foco no drama dos homens que estavam ali por puro... profissionalismo.
        Em Fomos Heróis, curiosamente, os inimigos dos americanos também ganharam espaço dramático. Os norte-vietnamitas são retratados com respeito, como combatentes legítimos, que lidam com estratégias e soluções táticas de forma inteligente, lutando com inegável coragem. O filme também abre espaço para revelar um outro drama paralelo: os infindáveis dias de aflição vividos pelas mulheres dos militares americanos, confinadas em uma base nos Estados Unidos, onde nada podem fazer além de receber os telegramas fúnebres que notificam as mortes de seus maridos.
        Acertadamente, o filme abandona o formato narrativo do livro em favor de uma linguagem visual que beira o documental. Randall Wallace – que já havia escrito os roteiros de Coração Valente e Pear Harbor – recebeu carta branca dos autores para gerar um script mais conciso e objetivo, capaz de transmitir a essência da batalha. Ele então decidiu se ater aos eventos da operação X-Ray, omitindo os trágicos eventos da operação Albany. Incluiu o drama das esposas dos militares e acrescentou toda a sequência final do filme, onde recria a ofensiva heroica dos americanos para vencer as forças norte-vietnamitas nessa primeira batalha – um episódio que não está retratado nas páginas do livro.
        As implicações políticas ficaram de fora! Os esforços do diretor foram para evitar contaminações ideológicas que pudessem desviar o foco das cenas de batalha. Confusão, desespero, medo, coragem, rompantes insanos... Até mesmo quem jamais esteve num front de guerra é capaz de formar uma ideia abrangente de como os fatos se deram. Ao evitar as facilidades da computação gráfica, Randall Wallace conseguiu realizar um filme realista, com forte apelo emocional e próximo de uma experiência física autêntica.
        A face mais vistosa de Fomos Heróis é certamente a do ator Mel Gibson, que interpreta o tenente-general Harold Moore. Por trás das câmeras, porém, é Randall Wallace quem personifica a força bélica do filme. Sem precisar dar satisfações a nenhum estúdio – financiou toda a produção em parceria com a produtora de Mel Gibson – ele assumiu o controle criativo e contou a história do seu jeito. Flertou com o documental, deu de ombros para as tagarelices políticas, retratou o lado profissional da guerra e conseguiu colocar os cinéfilos bem no centro de uma batalha feroz e violenta. Ao menos aqueles cinéfilos que não abrem mão da oportunidade de assistir a um ótimo filme de guerra!

Resenha crítica do filme Fomos Heróis

Título original: We Were Soldiers
Título em Portugal: Fomos Soldados
Ano de produção: 2002
Direção: Randall Wallace
Roteiro: Randall Wallace
Elenco: Mel Gibson, Madeleine Stowe, Luke Benward, Greg Kinnear, Sam Elliott, Chris Klein, Keri Russell, Desmond Harrington, Barry Pepper, Don Duong, Ryan Hurst, Robert Bagnell, Marc Blucas, Josh Daugherty, Jsu Garcia, Jon Hamm, Blake Heron, Clark Gregg, Erik MacArthur, Dylan Walsh, Mark McCracken, Edwin Morrow, Brian Tee, Sloane Momsen, Bellamy Young, Simbi Khali, Vincent Angell, Brian Carpenter, Doug C. Cook, Alan Dale e Devon Werkheiser

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