Jurado Nº 2: os dilemas de se fazer justiça
Jurado No 2: direção de Clint Eastwood
UM PROFUNDO RESPEITO AO DEBATE
Aos 93 anos, Clint Eastwood resolve rodar um novo filme. Os cinéfilos que acompanham sua carreira esfregam as mãos, ansiosos. Conferir a proeza, que o diretor realiza com invejável lucidez, é uma reverência obrigatória. Entretanto, Jurado Nº 2, lançado em 2024, é mais do que uma curiosidade ou um produto do oportunismo comercial. É cinema pulsante, envolvente e repleto de conteúdo para ser degustado com prazer e, sim, reverência.Vamos direto ao ponto: Jurado Nº 2 é um drama de tribunal, confinado no espaço mental em torno de um julgamento, onde o aparato do sistema judiciário é posto à prova em sua capacidade de fazer justiça. O cinéfilo atento já deve ter remontado ao clássico 12 Homens e Uma Sentença, dirigido em 1957 por Sidney Lumet. Lá, os jurados tentam decidir o destino de um jovem acusado de assassinar o próprio pai. Onze deles o consideram culpado, mas um tem dúvidas e tenta convencer os demais a mudar o voto. Aqui, as circunstâncias se repetem, mas a história que aflora tem outra natureza. O espectador é exposto aos fatos desde o começo e instado a confrontar os vários dilemas morais que surgem, na medida em que os personagens se revelam em suas dimensões emocionais. Vamos examinar a sinopse:
Jurado Nº 2 conta a história de Justin Kemp (Nicholas Hoult), um jornalista da Geórgia que há quatro anos se recupera do alcoolismo e acompanha os últimos dias de gravidez de sua mulher, Allison (Zoey Deutch). Ele é convocado para atuar como jurado no julgamento de James Sythe (Gabriel Basso), acusado de matar a namorada com requintes de violência e jogar seu corpo de uma ponte numa estrada deserta. Na medida em que conhece os fatos, expostos pela promotora Faith Killebrew (Toni Collette) e pelo defensor público Eric Resnick (Chris Messina), Justin se dá conta de algo estarrecedor: ele mesmo pode ter sido o culpado pela morte da garota, já que na noite do crime dirigia pelo local e teria atropelado “alguma coisa”, talvez um servo. Chovia forte e estava escuro demais para saber ao certo. Agora, a única certeza que Justin tem é a de que o desprezível James Sythe é inocente e terá que convencer os demais jurados, sem expor sua própria culpa.
Mais uma vez Clint Eastwood vem cutucar as instituições criadas para fazer justiça e expor suas fraquezas, não para desacreditá-las, mas para desencorajar os que as enxergam como infalíveis. Jurado Nº 2 é ficção construída com verossimilhança, para provocar reflexões. Está mais interessado nas pessoas, suas ações, valores e convicções, do que nos meandros jurídicos que lhes servem de escora. Ao evitar o espetáculo, nos oferece um cinema convencional no campo audiovisual, mas articulado com uma fluência narrativa invejável – marca registrada de um diretor que soube tirar proveito de uma carreira longeva e produtiva.
As habilidades de Clint Eastwood podem – e devem – ser festejadas, mas há muito o que ser dito sobre o trabalho do jovem roteirista Jonathan A. Abrams. Seu roteiro se mantém concentrado no ponto de vista do protagonista, ainda que ele revele as perspectivas dos incontáveis personagens que conhecemos ao longo do filme – testemunhas, advogados, promotores, oficiais, parentes, amigos... Além disso, cada um dos onze jurados mostra sua personalidade, enquanto ajuda a compor as necessárias cenas expositivas. O roteirista consegue dar profundidade a todos eles, sem confundir o espectador. É claro que a mão segura de Eastwood, sempre no controle criativo, garantiu a clareza, mas a experiência que Abrams acumulou nos tribunais ajudou a aperfeiçoar sua escrita.
O roteirista conta que começou a atuar como consultor do sistema jurídico da Califórnia ao receber uma encomenda inusitada de um amigo promotor. Precisava escrever um argumento de encerramento para um caso, mas desejava apelar para algo mais teatral. Citou como exemplo o discurso feito pelo personagem de Matthew McConaughey no filme Tempo de Matar. Abrams escreveu o texto e o amigo ganhou o caso. Depois disso, o roteirista seguiu como consultor e teve a oportunidade de acompanhar diversos julgamentos. Nesse meio tempo, percebeu que a teatralidade está impregnada no sistema de justiça, em todas as suas fases. Veio daí a inspiração para criar o roteiro de Jurado Nº 2.
Para moldar o filme de acordo com sua visão criativa, Clint Eastwood exigiu vários ajustes no roteiro. Começou por simplificar a sequência de abertura, para estabelecer de imediato a identificação com o protagonista. Depois, deu especial atenção aos vários flashbacks, que desde o primeiro ato ajudam o espectador a compreender a culpa do jurado e, na medida em que a trama se desenrola, estabelecer a inocência do acusado em julgamento. O final em aberto, para insinuar que os dilemas expostos estão longe de ganhar resolução, também foi uma exigência do diretor.
Jurado Nº 2 trata com maturidade de um tema delicado. O que mais me chamou a atenção, desde o início, foi o profundo respeito ao debate. Nas linhas de diálogo, percebemos que as pessoas se expõem para defender seus pontos de vista, mas sem jamais desrespeitar opiniões conflitantes. Os personagens ouvem uns aos outros. Acusadores, defensores, vítimas e jurados, todos emocionalmente envolvidos, empreendem um esforço notável na busca pela justiça. O interesse de cada um é que ela prevaleça, ainda que alguma concessão precise ser feita, aqui e ali. No final, a conclusão é óbvia: o sistema não é perfeito, mas é o que o temos para hoje! É como mais conseguimos nos aproximar do conceito de justiça, ao longo do nosso árduo processo civilizatório.
Resenha crítica do filme Jurado Nº 2
Título original Juror #2Ano de produção: 2024
Direção: Clint Eastwood
Roteiro: Jonathan A. Abrams Elenco: Nicholas Hoult, Toni Collette, J. K. Simmons, Chris Messina, Gabriel Basso, Zoey Deutch, Cedric Yarbrough, Leslie Bibb, Kiefer Sutherland, Amy Aquino, Adrienne C. Moore, Zele Avradopoulos, Phil Biedron, Bria Brimmer, Jason Coviello, Francesca Eastwood, Chikako Fukuyama, Rebecca Koon, Hedy Nasser, Drew Scheid, Onix Serrano e Andrew Nizwantowski
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