O Troco: thriller catártico e divertido

O Troco: direção de Brian Helgeland
SÓ NOS RESTA TORCER PELO ANTI-HERÓI
Jamais assisti a O Troco numa sala de cinema. Dirigido em 1999 por Brian Helgeland, o filme não despertou meu interesse na época. Imaginei que contasse uma daquelas histórias rasas de vingança. Tempos depois, tropecei com o título na grade de programação da TV por assinatura e constatei que é isso mesmo. Mas o longa irradia tanto charme que se torna divertido e envolvente. Adorei! Claro que o vingativo protagonista não tem a profundidade de um Hamlet, que vê seu mundo corroído por causa do seu desejo de vingança, o qual cultiva com afinco. Porém, tem o carisma de um Mel Gibson implacável, determinado a recuperar o que lhe roubaram.Se citei Hamlet, foi apenas para lembrar que histórias de vingança não são necessariamente rasas. Para além da explosão emocional, os autores sempre encontram densidade para alicerçar o desejo de desforra: a necessidade de obter reparação pelos danos, de punição aos culpados, de defender-se contra futuros ataques, de simplesmente fazer justiça... Vingança é o motor de muitos personagens bem construídos, que às vezes rendem boas histórias.
Esta que acompanhamos em O Troco foi adaptada do romance The Hunter, escrito em 1963 por Richard Stark – um dos pseudônimos do prolífico escritor americano Donald E. Westlake. Ele escreveu mais de cem livros e roteiros, a maioria de ficção policial, que também renderam várias histórias em quadrinhos. Entre os personagens que criou, um dos mais conhecidos é o do malfeitor chamado Parker, um anti-herói impiedoso, que faz justiça com as próprias mãos ao longo de vários livros.
Em 1967, The Hanter ganhou sua primeira adaptação para as telas. Dirigido por John Boorman e estrelado por Lee Marvin e Angie Dickinson, À Queima-Roupa é uma celebração ao cinema noir e mostra um sujeito furioso chamado Walker – que todos acreditam estar morto – a trovejar pelas ruas de Nova Iorque, na caça da mulher que o traiu e do comparsa que tomou seu dinheiro. Sucesso de crítica e de bilheteria, a obra se tornou um clássico e figura entre os bons thrillers gestados em Hollywood.
Mel Gibson percebeu a oportunidade de recontar essa história do seu jeito e se engajou na produção de O Troco. Convocou o diretor Brian Helgeland, que também escreveu o roteiro do filme. Alguns detalhes foram alterados: o protagonista trocou de nome mais uma vez e passou a se chamar Porter. Nova Iorque deixou de ser o cenário da trama e foi substituída por um aglomerado urbano genérico, que lembra também Chicago e Los Angeles. A atmosfera que respiramos é mais sombria, com notas de um certo espírito underground que marcou aquela virada de século. Antes de seguir adiante, vejamos a sinopse:
O Troco conta a história de Porter (Mel Gibson), que leva dois tiros nas costas, mas escapa da morte com a ajuda de um médico que dá plantão no submundo do crime. Após cinco meses de recuperação e alguns furtos, ele está de volta, para surpresa de todos os que o julgavam morto. Tem em mente uma única obsessão: reaver os 70 mil dólares que lhe foram roubados por seu ex-parceiro Val Resnick (Gregg Henry). Ele inicia sua jornada de vingança pela esposa traidora, Lynn (Deborah Kara Unger), mas depois tropeça em criminosos abjetos e policiais corruptos. Com a ajuda de Rosie (Maria Bello), ele elimina sistematicamente todos os bandidos, até alcançar o alto escalão da organização criminosa. Tudo por seus reles 70 mil dólares!
O Troco é um filme bem mais sombrio e violento que seu antecessor, porém, a versão que o público conheceu em 1999 chegou mais suavizada. Mel Gibson entendeu que seu personagem não era suficientemente palatável e pediu modificações. Chamou o roteirista Terry Hayes que reescreveu todo o terceiro ato do filme. Foram feitas refilmagens, sob a batuta de John Myhre, o design de produção. É claro que o diretor Brian Helgeland não concordou com nada disso. Ao invés de ceder em suas concepções artísticas, preferiu sair do projeto. Em 2007 foi lançada uma edição com o corte do diretor, por meio da qual os cinéfilos curiosos podem comparar a versão original criada por Helgeland. Encontrarão um protagonista mais violento e moralmente questionável, que caminha direto para um final ambíguo.
Os realizadores de O Troco agiram rápido para salvar a bilheteria. Mais interessados em manter a aura de À Queima-Roupa, criaram uma nova cena de abertura, eliminaram uma violenta cena entre o protagonista e a sua esposa traidora e incluíram toda uma subtrama em torno do personagem vilão vivido por Kris Kristofferson. O visual do filme seguiu escuro e inundado de sombras, numa tonalidade azul-esverdeada que ressalta a sujeira moral do submundo do crime.
Apesar de habitado por todos os tipos de criminosos, O Troco é um filme divertido – chega a ser catártico! Porter é um protagonista safado, violento e mau-caráter, mas se guia por um código de conduta. Segue na trilha de valores caros para todos nós, como honra, dignidade, lealdade... Carrega todos os elementos clássicos de um herói mítico, ancorado em um forte senso de justiça. É claro que seu desprezo pelo demais personagens nos faz vê-lo com ressalvas, mas como são todos abjetos e moralmente questionáveis, ficamos sem alternativas: só nos resta torcer para o implacável Porter, um homem que não dá a mínima para a polícia, para o estado, para os donos do aparato de justiça...
Anos depois, em 2012, Mel Gibson revisitou o tema no filme Plano de Fuga. Lá ele vive um personagem que lembra muito o tal Porter. Mete-se em confusões com criminosos, policiais e todo tipo de corruptos, tudo por causa de um dinheiro que lhe roubaram. Trata-se de uma boa história, com elementos originais, que também vale a pena ser conferida. Mas isso é objeto de uma outra crônica!
Resenha crítica do filme O Troco
Título original: PaybackTítulo em Portugal: Payback - A Vingança
Ano de produção: 1999
Direção: Brian Helgeland
Roteiro: Brian Helgeland e Terry Hayes
Elenco: Mel Gibson, Gregg Henry, Maria Bello, Lucy Liu, Deborah Kara Unger, David Paymer, Bill Duke, Jack Conley, John Glover, William Devane, James Coburn, Kris Kristofferson, Trevor St. John, Freddy Rodriguez, Manu Tupou, Len Bajenski e Breckin Meyer
Muito interessante. Fiquei curiosa. Vou assistir.
ResponderExcluirÉ um thriller para quem gosta do gênero. Espero que aprecie!
ExcluirAh , eu sou fã numero um de Mel Gibson, talentoso , maravilhoso. Gosto muto de suas crônicas, que me servem como excelentes dicas , vou vendo quantos bons filmes eu perdi.
ResponderExcluirObrigada e mais sucesso sempre prá vc!!!
Ah, Priscilla, valeu! É muito bom ter você acompanhando a Crônica de Cinema. Um abraço!
ExcluirGostei do filme, principalmente por ser o Mel Gibson. Sua crônica é excelente e acho que vou assistir de novo.
ResponderExcluirMuito obrigado!!! Revi outro dia e foi uma ótima experiência!
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