Cabrini: cinebiografia da padroeira dos imigrantes

Cabrini: dirigido por Alejandro Monteverde
HISTÓRIA INSPIRADORA, CINEMA CONSISTENTE
Ao se deparar nos serviços de streaming com o filme Cabrini, dirigido em 2024 por Alejandro Monteverde, alguns cinéfilos talvez se ponham de sobreaviso. Primeiro, porque aparenta se tratar apenas de uma obra religiosa. Segundo, porque o diretor e o roteirista são os mesmos que assinaram Som da Liberdade, filme que dividiu opiniões por toda a mídia. Terceiro, porque é uma realização da Angel Studios, a produtora especializada em temas cristãos, responsável pelas bem-sucedidas campanhas de crowdfunding que viabilizaram sucessos estrondosos, como a série The Chosen.Se você é apegado aos valores conservadores, é claro que esses pontos que listei já são motivos sobrados para apertar o play. Minha crônica, entretanto, está voltada para os cinéfilos interessados em cinema de qualidade. Cabrini é uma obra consistente, com sólidos atributos cinematográficos, narrativa envolvente e um tratamento audiovisual de encher os olhos. É o tipo de longa que costumava habitar nossas salas de cinema há algumas décadas e era classificado pelo grande púbico como “cinemão”. Ludy e eu assistimos dia desses e nos empolgamos. Minha mulher ficou especialmente emocionada com a história dessa mulher incrível, competente e determinada a cumprir uma missão gigantesca que ela mesma se impôs.
Sim, mais do que um filme religioso, Cabrini é sobre uma vencedora, para quem nada é impossível, para quem tudo é uma questão de fazer acontecer. Madre Francisca Cabrini, uma mulher se saúde frágil num mundo comandado por homens, criou uma ordem missionária cujo propósito era ambicioso: erguer instituições de caridade por todo o mundo. A religiosa católica deixou a Itália em 1889, foi para os Estados unidos, venceu obstáculos intransponíveis e construiu do zero uma enormidade: mais de 70 instituições espalhadas por vários países – orfanatos, hospitais e escolas para atender aos pobres e desvalidos. Foi canonizada em 1946 pelo Papa Pio XII e virou a santa padroeiros dos imigrantes – a primeira cidadã americana a alcançar a santidade!
Assim resumida, a história de Madre Cabrini pode soar... grandiloquente, mas é no cinema, burilada pelos recursos narrativos e pela abordagem dramática, que ela ganha contornos verdadeiramente humanos e emocionantes. Antes de entrar nos detalhes, vamos examinar a sinopse de Cabrini:
Madre Cabrini (Cristiana Dell'Anna) deseja fundar sua própria ordem missionária para erguer instituições de caridade na Ásia. A muito custo, consegue uma audiência com o Papa Leão XIII (Giancarlo Giannini), que lhe impõe um desafio: começar por Nova Iorque, num bairro chamado Five Points – uma área nas barbas da próspera Manhattan, que mais se parece com o próprio purgatório, onde vegetam segregados os imigrantes italianos. Junto com outras missionárias, ela desembarca sem dinheiro, para enfrentar o machismo e o preconceito de uma cidade inteira, além da soberba do arcebispo Corrigan (David Morse), dos desmandos do prefeito Gould (John Lithgow) e até da politicagem do senado italiano. Mas fará aliados, como o médico altruísta Dr. Murphy (Patch Darragh), a prostituta Vittoria (Romana Maggiora Vergano) e o famoso cantor Enrico DiSalvo (Rolando Villazón). Madre Cabrini abre um pequeno orfanato, depois um maior, depois um hospital, depois outro... Seguimos atentos, para ver como essa empreendedora irá longe!
O roteirista Rod Barr ficou encarregado de desenvolver a cinebiografia de Madre Francisca Cabrini e passou seis anos em pesquisas. Revirou livros, artigos na imprensa e colheu depoimentos. Viajou para os locais onde aconteceram os fatos históricos e formou uma noção precisa da importância assumida pela protagonista. Escreveu seu roteiro não para estruturar um documentário, mas para construir uma obra dramatizada, capaz de expressar sua verdadeira dimensão humana. Para tanto, precisou lançar mão de alguns truques narrativos. Criou alguns personagens, condensou vários outros, construiu cenas emblemáticas e lidou com a simbologia religiosa de forma sutil.
É curioso como em Cabrini os diálogos não são eivados por citações bíblicas ou pregações religiosas. Os personagens falam de fé, esperança, amor ao próximo, transcendências... Mas não precisam se agarrar aos clichês. A conversa com o espectador se dá em nível bem mais intimista. Numa cena especialmente marcante para mim, Madre Cabrini está num embate com o arcebispo Corrigan e ouve dele que, diante dos altos riscos que assumirá, não poderá contar com a sua ajuda e nem mesmo com a ajuda do Papa. Madre Cabrini não retruca. Apenas com o olhar ela nos deixa claro que já encontrou toda a ajuda necessária em Deus.
Longe de ser um filme aborrecido, Cabrini é envolvente e inspirador. Obriga-nos a estar em um nível mais elevado, em termos emocionais e espirituais. A fotografia do espanhol Gorka Gómez Andreu é deslumbrante. As locações e os cenários são escolhidos com cuidado, para ressaltar o contexto dramático de todos os acontecimentos – o bairro de Five Points, que já visitamos antes no filme Gangue de Nova York dirigido por Martin Scorsese, é retratado aqui com realismo perturbador! A direção de Alejandro Monteverde é eficiente e criativa. E a atuação de Cristiana Dell'Anna é de um vigor radiante! A atriz italiana usa seu olhar como um poderoso recurso e ressalta a fragilidade e a força de Madre Cabrini, sua coragem e seus medos, sua teimosia e sua piedade, sua humanidade e sua santidade.
Cabrini é uma cinebiografia realizada como uma homenagem. Enaltece um vulto da Igreja Católica, responsável pela criação de um verdadeiro império mundial de caridade, justo numa época em que o mundo mais precisava. Mas como disse lá no começo, oferece um cinema consistente, capaz de emocionar e trazer regozijo estético. E melhor ainda: capaz de nos inspirar e nos encorajar a lutar nossas próprias batalhas pessoais, pois nos lembra onde poderemos encontrar toda a ajuda que precisamos.
Resenha crítica do filme Cabrini
Ano de prosução: 2024Direção: Alejandro Monteverde
Roteiro: Rod Barr
Elenco: Cristiana Dell'Anna, David Morse, Romana Maggiora Vergano, Federico Ielapi, Virginia Bocelli, Rolando Villazón, Giancarlo Giannini, John Lithgow, Federico Castelluccio, Patch Darragh, Jeremy Bobb e Eugenia Forteza
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ResponderExcluirEstá disponível na Netflix.
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