Lee: era modelo, virou correspondente de guerra

Lee: dirigido por Ellen Kuras
TESTEMUNHA OCULAR DOS HORRORES DA GUERRA
Para muitos cinéfilos, a grife Kate Winslet virou selo de qualidade. A face da atriz estampada nos cartazes promocionais de qualquer produção, tornou-se um estímulo para apertar o play. Foi o que fiz ao me deparar no serviço de streaming com o filme Lee, dirigido em 2023 por Ellen Kuras. Nos primeiros minutos, porém, um calafrio percorreu minha espinha: percebi que poderia ser submetido a uma desgastante ladainha feminista! Mas, não! Cheguei aos créditos finais satisfeito com o cinema bem realizado.Minha preocupação se justifica, porque se trata de uma cinebiografia da modelo e fotógrafa Lee Miller, que durante a Segunda Guerra Mundial atuou como correspondente da edição britânica da revista Vogue; foi uma das primeiras a entrar nos campos de concentração e fotografar os horrores do Holocausto. Encarou situações difíceis no front e passou por tragédias pessoais, enquanto carregava o peso extra do machismo a dificultar-lhe a vida. Num mundo dominado por homens, suas ousadias eram facilmente reprovadas, o que jamais a demoveu – tinha estofo profissional!
Tal personagem bem poderia ser um pretexto para que as feministas de hoje desfiassem seu discurso militante em favor de políticas públicas que combatam as desigualdades entre homens e mulheres – como se elas fossem apenas sociais e econômicas. Sei que cutuco um vespeiro, mas antes que me aferroem, deixe-me avisar que não brado contra a luta legítima das mulheres para defender seus direitos individuais; para preservar seu valor no mercado de trabalho; para garantir sua representatividade política; para promover a evolução comportamental na direção da aceitação social e da liberdade sexual.
O que me incomoda são as distorções deste feminismo radical, pautado pelo progressismo globalista, que combate os valores cultivados pelo cristianismo – defendem o fim do casamento e da família, querem o aborto e flertam com a ideologia de gênero. Querem que suas pendengas sejam decididas por um estado cada mais centralizado, intermediada por políticos, não por lideranças espirituais, sociais e culturais. Na direção oposta desse feminismo radical, o que vem trafegando não é menos danoso: um machismo arraigado, obsoleto e contraproducente, que prejudica, atrasa e gera injustiças. Também precisa ser combatido!
Neste filme, o primeiro muro ao qual Lee Miller vai de encontro é o do machismo – e ela absorve o impacto com brilhantismo; não levanta bandeiras feministas nem lança mão de espalhafatos panfletários. O segundo muro é o da insanidade coletiva, que faz guerras, tolera absurdos e destroça os indivíduos. Esse ela ajudou a derrubar com seu talento de fotógrafa sensível; largou a segurança em Londres para trabalhar no continente deflagrado. E quantas imagens registrou! Quando a revista Vogue decidiu não as publicar, por causa de pressões do governo – não queriam ferir a sensibilidade das leitoras –, Lee Miller invadiu a sala da editora e destruiu vários negativos. Por sorte, a edição americana da revista já havia recebido cópias e as publicou no final da guerra.
Lee começa em 1977, quando a protagonista (Kate Winslet) concede uma entrevista para um jovem escritor (Josh O'Connor). É por meio dessa conversa que passamos a conhecer a vida e a personalidade de Lee Miller. A vemos no final dos anos 1930, quando chegou de Nova-Iorque para tentar a carreira de fotógrafa. Na França, ela se embriaga de cultura e boemia, mas se apaixona pelo inglês Roland Penrose (Alexander Skarsgård); muda-se com ele para Londres, mas a guerra os separa. Lee Miller segue sua vocação e consegue ser designada pelo exército americano para atuar como correspondente de guerra, ao lado do fotojornalista David Scherman (Andy Samberg). Através dos olhos de Lee, veremos como a fúria dos nazifascistas triturou a Europa; por meio das suas fotografias, conheceremos as diversas camadas de uma artista sensível, cuja vida pessoal ela insistia em deixar num segundo plano.
Baseado na bibliografia escrita em 1985 pelo filho de Lee Miller, Antony Penrose, intitulada The Lives of Lee Miller, o filme nasceu como um projeto pessoal de Kate Winslet. A atriz conheceu o livro por meio da diretora Ellen Kuras e depois buscou o apoio do autor; conseguiu seu total envolvimento e também o acesso a um acervo de mais de 60 mil fotografias, além dos kits de câmera, roupas, cartas pessoais e diários de Lee Miller. Porém, o fato é o próprio Antony Penrose mal conheceu a mãe em vida. Desvendou seu passado a partir das fotografias e cartas que encontrou no sótão da casa dos pais.
O roteiro original de Lee foi escrito pela ex-editora da Vogue, a jornalista Marion Hume, em colaboração com o roteirista John Collee – que já havia escrito Mestre dos Mares: O Lado Mais Distante do Mundo. Mais tarde, quando Ellen Kuras foi escalada por Kate Winslet para dirigir o filme, convocaram a roteirista Liz Hannah – que trazia no currículo o roteiro de The Post: A Guerra Secreta – para escrever um novo tratamento e estabelecer uma estrutura em três atos.
Lee é o filme de estreia de Ellen Kuras na direção de longas-metragens. Faz aqui um trabalho seguro, mas não se permite atrevimentos; nos deixa entrever sua predileção pelo mundo das imagens – ela já havia assinado a fotografia de Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças e Distante Nós Vamos. A diretora estava familiarizada com o trabalho de Lee Miller desde os tempos de universidade e espertamente cravou as lentes na incrível performance de Kate Winslet. Sim, é a atriz que faz todo o trabalho pesado, para manter o padrão dramático do filme. Mas é preciso ressaltar também o trabalho de todo o elenco de apoio, em especial o de Andy Samberg, mais conhecido por seus papéis cômicos, que aqui entrega uma atuação sólida.
Por meio dessa cinebiografia bem realizada, o grande público agora pode conhecer um pouco da história e do trabalho de Lee Miller. A protagonista, aliás, também ganhou visibilidade no filme Guerra Civil, dirigido em 2024 por Alex Garland; ela inspira o nome da personagem lá interpretada por Kirsten Dunst e chega a ser citada na trama. Mas isso é assunto para uma próxima crônica!
Resenha crítica do filme Lee
Ano de produção: 2023Direção: Ellen Kuras
Roteiro: Liz Hannah, John Collee e Marion Hume
Elenco: Kate Winslet, Andy Samberg, Alexander Skarsgård, Marion Cotillard, Andrea Riseborough, Noémie Merlant, Josh O'Connor, Arinzé Kene, Vincent Colombe, Patrick Mille, Samuel Barnett, Zita Hanrot e James Murray
A Kate Winslet é excelente atriz. Em todos os seus filmes ela se destaca com sobra e nos leva a cada vez mais admirá-la seja em "Titanic"; "O Leitor"; etc... falta-lhe apenas o Oscar (apesar das seis indicações) para alcançar o patamar mais alto das estrelas.
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