Um Estranho no Ninho: um criminoso afrontando o sistema

Cena do filme Um Estranho no Ninho
Um Estranho no Ninho: filme dirigido por Milos Forman

MAIS DO QUE ENVOLVENTE, HIPNOTIZA!

Cinéfilo confesso, adoro escrever sobre filmes. Para alimentar a Crônica de Cinema com textos semanais, revejo aqueles aos quais assisti há tempos. Reavivo a memória. Fiz isso recentemente com Um Estranho no Ninho, dirigido em 1975 por Miloš Formam. Vibrei quando encontrei o título na grade de programação da TV por assinatura! Entretanto, o que vivi foi uma experiência inusitada: fiquei preso na trama, sem conseguir prestar atenção nas técnicas cinematográficas usadas pelo diretor.
        Quando assisto a um filme, sempre deixo que as manipulações e as artimanhas narrativas venham roubar minha atenção. Analiso os movimentos de câmera, a escolha dos planos, a pertinência da trilha sonora, a construção das linhas de diálogo, a mise-en-scène... Dessa vez, porém, fui hipnotizado! Mergulhei tão fundo na história que não me importei com nada. Feito refém, tive que revisitar o filme no dia seguinte, para só então enxergar o cinema vibrante de Miloš Forman – um diretor que assina outras obras de peso, como Amadeus, Hair e O Povo Contra Larry Flint.
        O que mais me impressionou foi perceber que o tempo não passou para Um Estranho no Ninho. Lançado há quase cinco décadas, esperava vê-lo com sinais de bolor aqui e ali. Nada disso! Na frente desses televisores enormes, com tecnologia de alta definição, é possível pensar que ele acabou de ser filmado. Um diretor com sensibilidade e competência, que decidisse filmar o mesmo roteiro, chegaria ao mesmo resultado. Repetiria cada plano, cada sequência, cada linha de diálogo...
        Certo, você pode achar que exagero. Jack Nicholson era jovem, as trilhas sonoras dos anos 70 ficaram datadas, a fotografia era antiquada... Só que nada disso afetou a obra. Há uma assombrosa atmosfera de contemporaneidade que respiramos naturalmente, do começo ao fim. Até mesmo a luz captada pelas lentes de Haskell Wexler e Bill Butler – os diretores de fotografia – parece ter a mesma temperatura daquela que nos chega pelas câmeras digitais de hoje em dia.
        É claro que ao escrever sobre Um Estranho no Ninho, há o risco de cair em redundância. Esse sucesso consagrado, filmado num hospital de verdade, com pacientes reais como figurantes, foi vencedor de cinco Óscares e conquistou um lugar de destaque entre os melhores produtos da sétima arte. Mas antes de jogar mais confetes, vamos examinar sua sinopse!
        O filme conta a história de Randall McMurphy (Jack Nicholson), um criminoso abjeto e irrecuperável, estuprador de uma garota de 15 anos, que encontra um jeito destrambelhado de deixar a prisão e se livrar do trabalho forçado: fingir-se de louco! Vai parar num hospital psiquiátrico e passa a conviver com uma fauna diversificada de pacientes perturbados, mantidos sob controle pela chefe da instituição, a gélida e cruel Dra. Mildred Ratched (Louise Fletcher). A presença transgressora de McMurphy e seu espírito de liderança causa uma reviravolta na rotina do hospício. Ele desponta como uma ameaça à autoridade da Dra. Mildred e ambos passam a travar uma guerra de inconsequências, que afetará a todos, pacientes e tripulantes desse ninho em constante ebulição emocional. Os momentos de humor dão lugar a explosões de drama e tensão, até que a corda termine por arrebentar no lado mais fraco.
        Um Estranho no Ninho foi adaptado do romance com o mesmo título escrito em 1962 pelo americano Ken Kesey, uma personalidade da contracultura que se posicionou no meio do caminho entre a geração beat e os hippies. Quem adquiriu os direitos da obra foi o ator Kirk Douglas, que a transformou numa peça da Broadway, onde interpretou o papel principal. Por anos tentou produzir uma adaptação para o cinema, mas ela só saiu quando seu filho, Michael Douglas, arregaçou as mangas como produtor. Contratou Lawrence Hauben como roteirista, que por sua vez acabou atraindo Miloš Forman para o projeto.
        Depois de assumir o controle criativo do filme, o diretor contratou o roteirista Bo Goldman para redigir o tratamento final – experiente, ele também assinaria mais tarde os roteiros de sucessos como Perfume de Mulher e Encontro Marcado. A adaptação seguiu as linhas gerais do livro de Ken Kesey, mas com uma alteração significativa: eliminou a narração em primeira pessoa feita pelo Chefe Bromden (Will Sampson), o índio com perturbações mentais que conduz o livro e se perde em alucinações esquizofrênicas. Isso trouxe mais foco para o filme e poupou os realizadores dos dispendiosos efeitos especiais que seriam necessários para recriar as alucinações do índio na tela – vamos lembrar que em 1975 o diretor não tinha acesso às facilidades da computação gráfica!
        Com um roteiro preciso nas mãos, Miloš Forman cuidou de encontrar a melhor expressão visual para o filme. E de acordo com a sua concepção de cinema, ela depende principalmente da caracterização do elenco. Queria ter os rostos certos em cada cena, por isso entrevistou mais de 900 candidatos, para preencher os cerca de 35 papéis disponíveis. Além disso, durante as 11 semanas de filmagem no Oregon State Hospital, na cidade de Salem, vários pacientes também entraram em cena como figurantes. 
        Por fim, é preciso lembrar que o astro Jack Nicholson brilha fulgurante e sua atuação é arrebatadora. Embora traga para o personagem Randall McMurphy uma estampa bem diferente daquela descrita nas páginas do livro de Ken Kesey, ele acrescenta uma valiosa aura de carisma. Consegue fazer de Um Estranho no Ninho um filme inesquecível. Daqueles que você assiste e depois quer falar sobre ele. Quer expressar o que sentiu, expor o quanto se emocionou, relembrar as partes engraçadas, elaborar melhor as passagens tristes... Quando o filme termina, estamos tão próximos e afetivamente ligados a cada personagem que lamentamos quando os créditos finais são exibidos.

Resenha crítica do filme Um Estranho no Ninho

Data de produção: 1975
Direção: Milos Forman
Roteiro: Bo Goldman e Lawrence Hauben
Elenco: Jack Nicholson, Louise Fletcher, Will Sampson, William Redfield, Brad Dourif, Sydney Lassick, Christopher Lloyd, Danny DeVito, Dean Brooks, William Duell, Vincent Schiavelli, Michael Berryman, Nathan George, Marya Small, Scatman Crothers, Louisa Moritz e Peter Brocco

Comentários

  1. Show! Agora tenho que assistir! kkkkk

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    1. Ah, Reinaldo, ė cinema de primeira linha. Não se arrependerá!

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  2. Excelente. Adoro também as histórias em torno do filme, como ninguém queria se arriscar a produzir, Kirk Douglas desistiu do papel principal que conhecia bem pois o interpretara nos palcos, etc... Acho que sem Nicholson, esse seria um outro filme. Como também cinéfilo, acho que foi sorte nossa! Abs.

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    1. Sim, ator e diretor numa dobradinha infalível. Tivemos muita sorte!!

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  3. Adorei a crítica! Deu muita vontade de reassistir o filme! Parabéns!

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    1. Obrigado! Rever Um Estranho no Ninho é sempre... a coisa certa a se fazer!

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  4. Que beleza de análise, de um belo filme, épico!

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  5. Nunca esqueci este filme e a atuação esplendorosa de Jack Nicholson, desde sua ponta no filme Sem Destino.

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    1. De fato, Jack Nicholson soube se impor como um dos atores mais carismáticos de Hollywood.

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