Coringa: a trilha sonora reforça a mensagem do filme

Cena do filme Coringa
Coringa: filme dirigido por Todd Phillips

AQUI, A TRILHA SONORA VIROU O GRANDE DESTAQUE

Quando foi lançado em 2019, o filme Coringa, dirigido por Todd Phillips, veio na esteira de um considerável esforço promocional. Tal badalação capturou minha atenção. Há tempos não me entregava às infantilidades das histórias de super-heróis, mas a indicação para onze Óscares e a conquista das duas estatuetas  melhor ator para Joaquin Phoenix e trilha sonora para Hildur Gudnadottir  vieram como uma intimação para conferir a produção.
        Batman era meu super-herói favorito desde a tenra infância e o Coringa, um vilão insano e assustador, já era meu velho conhecido. A promessa de ser apresentado a novas camadas da sua personalidade confusa, ainda não exploradas no cinema, trouxe uma empolgação adicional. Paguei para ver e saí satisfeito. O filme contém cinema de verdade!
        Nesse Coringa, o que salta aos olhos logo nos primeiros instantes é a fotografia áspera, em tons saturados e muito contrastada. Imita o jogo de luzes e sombras das histórias em quadrinhos – muito embora os enquadramentos bem comportados se aproximem mais do cinema do que das graphic novels.
        – Palmas para a direção de arte – pensei, enquanto me deliciava com a plasticidade das sequências bem articuladas, que se desenrolavam num ritmo tenso e envolvente.
        Foi quando me dei conta: o incômodo que sentia não vinha só da avassaladora presença em cena do protagonista, nem da perturbadora promessa de caos e demência que estava por vir. Era resultado de uma outra força, subliminar, que me alcançava enquanto entregava os sentidos de bandeja para um diretor que se mostrava um hábil contador de histórias – é disso que trata o cinema!
        Demorei um pouco para entender o que acontecia, pois só conseguia enxergar um Coringa com as entranhas expostas, perdendo a humanidade cena após cena. Por sorte, recobrei a consciência em algum momento e percebi o que me perturbava: era a trilha sonora primorosa, que assumia a responsabilidade pelo meu estado de torpor! Pude ouvir o protagonista se agigantando a cada nota, a cada acorde, a cada ataque do violoncelo.
        Se Joaquin Phoenix é a personificação do vilão, Hildur Gudnadottir – que também compôs a trilha de Sicario: Terra de Ninguém – é a voz do seu inconsciente. Mais do que pontuar a narrativa e impor o ritmo crescente de tensão permanente, a música islandesa consegue se transformar em co-autora do filme! Ok, agora exagerei! Mas é difícil imaginar um resultado tão marcante se ela não estivesse nos créditos finais. O Óscar que a moça recebeu foi merecidíssimo!
        Os méritos do diretor Todd Phillips também são evidentes Ele acertou em cheio ao dispensar cuidado tão minucioso à trilha sonora. Trata-se de um ativo valioso, que não faz parte do universo narrativo dos quadrinhos, mas ganha preponderância nas telas. E mesmo no cinema, a música quase sempre se mostra transparente para o grande público. Ganha em eficiência quando passa despercebida. E como esse recurso funcionou no filme Coringa! Poucos se dão conta de que os seus próprios sentimentos são conduzidos e passam a ressonar na mesma frequência das cordas friccionadas pelo arco daquela talentosa compositora.
        Para quem está mais focado no universo dos super-heróis, quem fica na berlinda é mesmo Joaquin Phoenix, um ator de recursos imensos, que merece todos os aplausos entusiasmados. A profundidade do personagem e a transformação pela qual ele passa são os pontos mais memoráveis deste seu Coringa.
        As cenas violentas são de estarrecer, mas o espectador percebe que parte da culpa recai sobre a própria Gothan City. A cidade abriga uma população leniente e anestesiada pela mídia oportunista. Os cidadãos de bem, que jamais dizem bom dia, por favor ou muito obrigado, pecam por omissão. O estado, que detém o monopólio da violência – mas só faz disseminá-la graças à sua natureza cínica – é o principal agravante. A coletividade forma uma massa medíocre e disforme, que preenche as ruas. Sufoca aqueles indivíduos que poderiam fazer alguma diferença.
        O filme Coringa entrou em perfeita sintonia com a saga do Batman, mas não forneceu fôlego para as novas investidas da Detective Comics. O estúdio desconsiderou a estética proposta por Todd Phillips na sequência de aventuras do cavaleiro das trevas e perdeu a oportunidade de atrair novos segmentos de espectadores. Então, eis que o diretor lança em 2024 o filme Coringa: Delírio a Dois. Nadou de braçada em um novo mar de polêmicas. Essa nova onda de badalações, no entanto, não me fisgou. Ainda não me animei a conferir. Talvez os cinéfilos mais entusiasmados – ou os detratores – possam me ajudar a formar opinião e decidir se vale a pena escrever uma nova crônica. Deixem aqui os seus comentários!

Resenha crítica do filme Coringa

Ano de produção: 2019
Direção: Todd Phillips
Roteiro: Todd Phillips e Scott Silver
Elenco: Joaquin Phoenix, Robert De Niro, Zazie Beetz, Frances Conroy, Hannah Gross, Brett Cullen, Carrie Louise, Douglas Hodge, Dante Pereira-Olson, Glenn Fleshler, Leigh Gill, Bill Camp, Shea WhighamMarc Maron, Sharon Washington, Josh Pais, Brian Tyree Henry, Frank Wood, Ben Warheit, Michael Benz, Carl Lundstedt, Gary Gulman, Sam Morril e Bryan Callen

Comentários

  1. Sem tempo nestes últimos dias pra degustar de suas impressões sobre os inúmeros temas aqui postados, me cobrei por ainda não ter assistido a Coringa, apesar das ótimas críticas que o filme vem recebendo. Vou assistir e volto a comentar...aí sim ,com propriedade. Até Fábio!!!!

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  2. Também quero ouvir as suas impressões! Me conte, quando tiver um tempo!

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  3. Vibrei em cada frase desse texto! Acabei de realizar todo o efeito que essa trilha sonora me causou. Não sabia que era a mesma compositora de Sicario! Boa D+!!!

    Poucas pessoas conseguiram detectar com clareza de onde vem toda essa violência do argumento do filme. Confesso que meus olhos se encheram de água quando me dei conta de que Gotham City nada mais é do que uma alegoria da vida real.

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  4. Cinema, História em Quadrinhos, música, textos, fotografias, arte... A gente vibra com tudo isso, mas se arrepia mesmo é com a vida real! É emocionante!

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  5. Excelente comentário, Fábio! A música realmente tem um grande papel. Mantém a gente atenta à história. Parabéns!

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    1. Valeu! Agradeço seu comentário! Gostei muito do filme, mas fiquei mesmo impressionado com a música. É que esse elemento não existe nas histórias em quadrinho, de onde o personagem foi extraído. Foi o que o trouxe para o universo do cinema!

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  6. Excelente crítica. Você notou também que o filme é todo simétrico? A assistente social no início e no fim, ele olhando pela janela do ônibus (triste no começo) e pela janela do carro de polícia (esfuziante) no fim?

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    1. Não havia notado isso!!! Ótima observação! Essa é um técnica que traz a sensação de costura para o roteiro e captura os espectadores atentos, como você. Obrigado por observar!!!!!

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  7. Obrigada por suas palavras ,sempre bem estruturadas de alguém que tem conhecimento e sabe expressá-lo.
    Eu amei este filme, Joaquim Phoenix está impecável na interpretação de Arthur Fleck " de tirar o chapéu".
    A trilha sonora muito impactante, perfeitamente adequada . Achei uma pegada incrível para qualquer um que gosta de psicanálise ..poderia ser tema para aulas e grandes discussôes ao redor da deteorização do personagen a medida em que o filme avança.Deveria ter levado o Oscar não só de melhor ator e pela música ,mas de melhor filme...torci muito mas não levou .De novo agradeço por comparthar suas excelentes crônicas👏👏!!

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    1. Muito obrigado, Priscilla. É ótimo poder compartilhar essa paixão pela sétima arte e abrir espaço para comentários pertinentes, como sempre são os seus. Abraços!

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  8. Parabéns por suas palavras!! Ameei os dois filmes, Todd Philips ousou, dismistificou e acertou!! Vale a pena conferir, sim, sair do comum , ver algo novo e surpreendente!!!

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  9. Este comentário foi removido pelo autor.

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