Transformers - O Filme: o primeiro da franquia

Cena do filme Transformers - O Filme
Transformers: filme dirigido por Michael Bay

FILMES DE AÇÃO NOS DEIXAM DISTRAÍDOS

Alice tem quatro anos. É o xodó da família e foi o centro das atenções em nosso último encontro festivo. Filha de nossa afilhada, desperta em Ludy, minha mulher, o ímpeto de tia-avó coruja. Quanto a mim, me divirto com suas tiradas engraçadas, que misturam ingenuidade com a lógica peculiar das crianças muito pequenas e adoráveis. A mais recente travessura que Alice aprontou foi na praia, enquanto fazia um castelo de areia com um amiguinho. Proibidos de se aproximar do mar, em dado momento decidiram inundar o fosso do castelo, mas precisavam de água. Como obtê-la? Ela traçou um plano:
        – Vou distrair meu pai. Enquanto isso, você vai no mar e enche o balde de água. – Alice só se esqueceu de sussurrar no ouvido do amiguinho. Ingenuamente, tramou a conspiração em voz alta, bem ao lado do pai, que estava de vigia. Depois de tudo combinado, Alice virou-se para o pai, arregalou os olhos e apontou na direção da rua:
        – Nossa! Olha só! Tá pegando fogo naquela escada!
        É claro que a tramoia de Alice foi... por água abaixo, mas rendeu uma história engraçada, que seu pai fez questão de nos contar. Demos boas gargalhadas e nos encantamos com a esperteza da menina. Particularmente, fiquei mais admirado com suas evidentes habilidades narrativas.
        Observe como as ideias pipocaram na cabeça da menina, encadeadas numa sequência cinematográfica. Ela decupou as cenas com cuidado e planejou as ações para que acontecessem de forma narrativa: Alice se vira para o pai. Corte. Ele está sentado na cadeira de praia. Corte. Alice faz cara de espanto, aponta para o lado e avisa sobre o fogo na escada. Corte. O pai vira o rosto na direção sugerida. Corte. O amiguinho aguarda o momento de distração. Corte. Alice dá o sinal para o amiguinho. Corte. O amiguinho sai correndo na direção do mar com o balde vazio…
        Tenho a impressão de que esta nova geração já vem alfabetizada nos códigos audiovisuais desde a gestação. Manipulam smartphones com meses de idade, assistem aos desenhos e programas de TV em diferentes plataformas, jogam, interagem… Não é à toa que o ritmo dos filmes fica cada vez mais acelerado, com sequências mais ágeis e sintéticas. É como se os nossos códigos de programação estivessem cada vez mais curtos e fáceis de serem aplicados.
        Veja, por exemplo, qualquer uma das sequências de ação em Transformers - O Filme, dirigido em 2007 por Michael Bay. Essa foi a produção que escolhi como pretexto para divagar, porque sua edição parece unir fragmentos com milissegundos de duração. Sons e imagens disputam a condução do ritmo e as cenas são pouco descritivas. Apenas insinuam as reações de causa e efeito. Em filmes assim, o protagonista já nem precisa esmurrar o vilão: basta armar o soco e pronto. O som de ossos se quebrando e a ida do vilão ao chão já deixam claro o que o diretor pretendia comunicar.
       Transformers - O Filme foi realizado em bases industriais e representa um passo narrativo na direção dos videogames. A concepção dos personagens e o enredo principal surgiu dos próprios executivos da Hasbro, fabricante americana de brinquedos. Primeiro, eles materializaram os produtos que pretendiam colocar no mercado e só depois envolveram os profissionais da publicidade e da mídia, para gerar os comercias, programas de TV, histórias em quadrinhos, games, filmes... Foi um belo caso de merchandising ao contrário! Normalmente os personagens são concebidos por algum contador de histórias visionário, que os licencia para a indústria de brinquedos depois que viram sucesso. Em todas as peças promocionais geradas pela Hasbro, o que sempre ficou evidente foi o sentido de rapidez e pressa, característico das novas gerações.
        Não vejo méritos nem deméritos em tanta velocidade. O que ressalto é o preparo e o aculturamento da audiência, que acompanha a ação com desenvoltura e naturalidade. Aliás, ouso aqui lançar uma provocação: duvido que todos os espectadores assistam atentos às sequências de ação mais frenéticas. Ver um filme enquanto digita no celular é uma prática comum entre os jovens, que não julgam necessário pôr a atenção em tempo integral num filme. Para esses, assistir a Por um Punhado de Dólares, realizado em 1964 por Sergio Leone e estrelado por Clint Eastwood, deve ser um exercício de puro tédio, dada a quantidade de cenas descritivas montadas num ritmo lento e compenetrado.
        O que percebo é que, na linguagem cinematográfica, o áudio ganhou mais importância do que o visual. A imagem, manipulada à perfeição a ponto de materializar com realismo conceitos até há pouco impossíveis, já não surpreende e não exige tanta atenção para ser entendida. Enquanto isso, os diálogos e a trilha sonora ficam com as responsabilidades narrativas. Deixam o espectador à vontade para interagir com outras plataformas. É como se voltássemos à era do rádio. Hoje, é muito comum colocar os fones de ouvido para “assistir” a um vídeo de entrevistas no YouTube, ou se envolver com um podcast, enquanto trabalhamos no computador.
        Se o mundo ficou mais rápido, não foi só graças ao desenvolvimento das tecnologias digitais, que aumentaram a nossa produtividade. Foi também graças ao aprimoramento das nossas capacidades narrativas. Nos comunicamos mais do que nunca, com audiências cada vez maiores. E fazemos isso com naturalidade e esperteza. Contamos, explicamos, perguntamos, ensinamos, persuadimos… Exatamente como Alice, que aos 4 anos já se vale das habilidades narrativas para alcançar seus objetivos. Ainda que o faça com graciosa ingenuidade e uma lógica muito peculiar!

Resenha crítica do filme Transformers - O Filme

Ano de produção: 2007
Direção: Michael Bay
Roteiro: Roberto Orci, Alex Kurtzman e John Rogers
Elenco principal: Shia LaBeouf, Megan Fox, Josh Duhamel, Tyrese Gibson, Rachael Taylor, John Turturro, Anthony Anderson, Jon Voight, Kevin Dunn, Julie White e Rodrigo Friesen

Comentários

  1. O problema é que esses filmes de ação e filmes que dispensam diálogos estão aí não para quem ama cinema e sim são filmes voltados para as massas.Ou seja pessoas que não tem vontade de ver um filme a sério.Claro que é bom ver filmes para divertir e muitos divertidos tem algo interessante.
    O outro problema é que os cinemas estão mais passando filmes dublados e em 3D.
    Eu mesmo já não frequento mais o cinema.

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  2. Concordo, John's. Por isso, há muito a industria do cinema se tornou segmentada ao extremo. Há gêneros e subgêneros para todos os gostos. Os filmes para as massas são mais lucrativos. Porém, os filmes mais densos e elaborados alcançam públicos mais qualificados, o que também se torna muito interessante para os realizadores. Sempre gostei dos filmes de ação - dos mais divertidos e originais - mas mantenho distância das produções estereotipadas.

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  3. Fico pensando se essa geração de Alices, é realmente extraordinariamente esperta ou se tomam 100% de nossa atenção e aí tudo se percebe. É certo que crianças mais estimuladas se desenvolvem mais rapidamente. Antigamente as crianças tinham que ficar quase que escondidas, não podiam se manifestar sem a prévia autorização dos pais. Os tempos mudaram e assim odemos flagrar momentos hilariantes com este de Alice. Quanto aos filmes de ação já gostei, mas ficaram muito barulhentos, chega a ser irritante tanto barulho. Tô fora !!!!

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  4. Acho que os filmes de ação, por serem voltados para o entretenimento, são os primeiros a incorporar essa linguagem acelerada das novas gerações. Elas vão impondo suas preferências. É natural que seja assim!

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  5. A turma mais nova realmente suporta bem esses filmes ruidosos com cenas muito rápidas. Eu não gosto, mas admito que tenha a ver com minha idade . Sou de uma época de filmes mais lentos. Admito no entanto que as pessoas agora já nascem em ambiente com muitos estímulos visuais e sonoros. E não acham desagradável. Curtem filmes de ação. As crianças de agora muito espertas. Dão nó em pingo d'água. Expliquei à minha neta sobre o presépio. Falei sobre Jesus que veio ao mundo para nós salvar. Horas depois ela falou para a mãe dela que Jesus não tinha salvado uma determinada figura das histórias que ela vê na TV. Diante disso percebi que estamos diante de um mundo que não podemos sequer imaginar como será daqui a alguns anos. Dizem que o cinema é a forma de arte que mais antecipa o futuro. Será que no futuro não haverá lugar para filmes intimistas? Fico meio triste com essa possibilidade.
    Parabéns pelo seu texto. Uma ótima análise

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    Respostas
    1. Obrigado! Agradeço suas observações. A linguagem das histórias em quadrinho sempre influenciou o cinema. Agora é a vez dos vídeo games. E já tem cineasta falando em produzir filmes especialmente para serem vistos no celular - é o império da tela pequena e individual. Mas a história da comunicação e das artes narrativas é repleta mudanças impostas pela tecnologia. A invenção do papel, da prensa, dos tipos móveis... Sempre haverá diferentes nichos de mercado e os filmes intimistas não perderão terreno. Só mudarão de formato. Bem... é no que acredito.

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