A Caça: vítima da mentira ele vira animal perseguido

Cena do filme A Caça
A Caça: filme dirigido por Thomas Vinterberg

NINGUÉM, ALÉM DO ESPECTADOR, SABE O TAMANHO DESSA INJUSTIÇA

Logo no começo de A Caça, filme de 2012 dirigido por Thomas Vinterberg, o espectador vira testemunha ocular dos fatos e entende a verdade incontestável: o professor Lucas é inocente da acusação de abusar sexualmente de uma garotinha. Mas os únicos que sabem disso são Lucas e... o espectador. Ninguém mais! A partir daí, só nos resta assistir atônitos à escalada de ódio que assola o mundo ao redor, enquanto o professor tenta inutilmente se defender. Esta produção dinamarquesa/sueca é de deixar com os nervos à flor da pele!
        O protagonista Lucas (Mads Mikkelsen) é professor do jardim de infância em uma pequena cidade. Recém-divorciado, tenta fortalecer seu relacionamento com o filho adolescente, mas vive integrado à pequena comunidade e às tradições locais em torno dos grupos de caça. Todos o admiram e o respeitam, até o dia em que Klara (Annika Wedderkopp) uma garotinha de cinco anos – justamente a filha do seu melhor amigo, Theo (Thomas Bo Larsen) – surge com vagas insinuações de que ele abusou dela... sexualmente. O assombro da comunidade, que se torna indignação e depois medo – depois ódio e depois fúria – cai sobre a vida do professor com peso desproporcional. Lucas perde o emprego e a amizade de Theo. É rotulado pela comunidade como um pedófilo execrável. Como é possível se defender de uma acusação tão incisiva e ao mesmo tempo tão... vaga? Como confrontar as palavras de uma acusadora tão pequena e... inocente?
        A Caça é um filme contundente e muitos ficarão desconfortáveis na poltrona, assistindo ao angustiante pesadelo vivido pelo professor Lucas. Sabemos que ele é inocente e compreendemos seu desespero. Sentimos sua raiva e torcemos para que ele encontre uma saída, mas ela não vem fácil. O diretor esbanja segurança e talento, e nos obriga ao incômodo de estar o tempo todo na pele do protagonista.
        Thomas Vinterberg filma um roteiro preciso, assinado por ele em parceria com Tobias Lindholm. Ele conta que desenvolveu a história depois que recebeu relatos de um psiquiatra, assombrado com o grande número de casos sobre acusações vagas de pedofilia afetando a vida de adultos comuns. Pesquisou sobre o tema e colecionou outros casos ao redor do mundo. Em muitos deles, não havia como constatar a inocência do acusado, mas em alguns, o veredito da inocência era perfeitamente aplicável.
        O personagem criado para o filme A Caça é um homem de fortes convicções morais – provavelmente o mais íntegro da sua comunidade. Ironicamente, ao ser acusado de um crime terrível, vê-se numa situação injusta e percebe que, se fosse outro em seu lugar, talvez fizesse coro com os que se apressam a jogar pedras. Sua luta por justiça então passa a ser contra o sistema de crenças coletivas que se impõe sobre a vida dos indivíduos.
        Com uma interpretação contida e minimalista, o ator Mads Mikkelsen caracteriza um professor Lucas forte e áspero, mas vulnerável como um animal perseguido. O elenco todo, aliás, entrega excelentes atuações. Mas a pequena atriz Annika Wedderkopp, que vive Klara, chama a atenção por estar em uma posição de extrema fragilidade. O diretor, com assistência dos pais da garotinha, tomou todos os cuidados para protegê-la nos sets de filmagem, controlando a exposição de conteúdos que ela não tinha alcance para compreender totalmente.
        Há uma cena em especial que captura nossa atenção e causa indignação: é quando a pequena Klara é interrogada por “especialistas”, que praticamente colocam palavras na sua boca. Vinterberg conta que no roteiro decidiram atenuar as linhas de diálogo, pois os depoimentos reais nos quais se baseou, tais absurdos eram muito piores.
        Se em A Caça vemos a fantasia de uma garota de cinco anos ganhar contornos desastrosos, vemos também um cinema sóbrio, elegante e matematicamente equilibrado, que evita os clichês e explora em profundidade as camadas psicológicas do personagem. Se fosse uma produção de Hollywood, provavelmente respiraríamos aliviados no final. Mas em se tratando de uma produção dinamarquesa... tudo pode acontecer.

Resenha crítica do filme A Caça

Titulo original: Jagten
Título em inglês: The Hunt
Data de produção: 2012
Direção: Thomas Vinterberg
Roteiro: Thomas Vinterberg e Tobias Lindholm
Elenco: Mads Mikkelsen, Thomas Bo Larsen, Lasse Fogelstrøm e Annika Wedderkopp

Comentários

  1. Concordo! sempre imagino as mudanças bruscas que alguns filmes teriam se fossem feitos em Hollywood!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Ah, Larissa, Hollywood impõe sua estética graças ao tamanho do mercado que abraça. Mas até mesmo ela precisa se renovar, porque há cinema criativo e de qualidade sempre produzido por todos os cantos. É um prazer ficar na caça das preciosidades!

      Excluir
  2. Hollywood produz filmes com fórmulas já padronizadas que garantem bilheterias. Não se renovam, a não ser que um cineasta faça sucesso com algo inovador e então, se produz similares copiando de certa forma.

    ResponderExcluir
  3. Hollywood produz filmes com fórmulas já padronizadas que garantem bilheterias. Não se renovam, a não ser que um cineasta faça sucesso com algo inovador e então, se produz similares copiando de certa forma.

    ResponderExcluir
  4. Análise maravilhosa ,vi esse filme e fiquei boquiaberto com tal situação ,é inusitado a forma da construção do roteiro,onde nós o público vê claramente o equívoco ao que esse professor é submetido, belo filme, em relação à Hollywood ,é de fato teria um outro final.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Ah, muito obrigado pelo seu feedback! Nos sentimos incomodados com a situação do protagonista, mas empolgado com o ótimo cinema que os realizadores nos apresentam.

      Excluir

Postar um comentário

Confira também:

Menina de Ouro: a história de Maggie Fitzgerald é real?

Tempestade Infinita: drama real de resiliência e superação

Siga a Crônica de Cinema