Estrada Sem Lei: a verdadeira história de Bonnie e Clyde
BOAS HISTÓRIAS MERECEM NOVAS CHANCES
Bonnie e Clyde eram bandidos, mas também celebridades. Admirados por multidões, a despeito de serem assassinos cruéis e sanguinários, tornaram-se pedras nos sapatos da polícia. Durante a depressão na década de trinta, o casal passou dois longos anos em pleno exercício da arte de matar, roubar e aumentar sua legião de fãs – hoje em dia, seriam imbatíveis nas redes sociais!
Talvez a população acossada pela crise econômica os visse como a encarnação de Robin Hood e seu bando: anti-heróis, que roubavam dos banqueiros, dos ricaços e do establishment, como vingança por terem levado as terras, as casas, os pequenos comércios e as fontes de renda do mais pobres. O casal de criminosos soube explorar tal conceito. Fizeram-se de produto midiático, comprado primeiro pelos jornais que enfrentavam queda na circulação. Ao invés de publicar apenas más notícias deprimentes, passaram a citar Bonnie e Clyde na mesma categoria dos heróis esportivos e das estrelas de cinema. O público comprou também!
Enquanto jogavam para a plateia de vários estados, Bonnie e Clyde debochavam do aparato policial. O FBI não conseguiu prendê-los, ainda que Edgar Hoover tenha destacado cerca de mil agentes para realizar bloqueios nas estradas – muitos foram mortos e a imagem da instituição derreteu. Não restou para os figurões outra alternativa além de recorrer aos velhos métodos empregados no passado, por agentes da lei que povoaram o imaginário dos americanos: os Texas Rangers!
Dois delegados do primeiro time, com pinta de caubóis implacáveis, foram recrutados: Paul Newman e Robert Redford. Bem... Sei que atropelei a narrativa e misturei os fatos com o cinema, mas é por uma boa causa. Quero mostrar que o filme Estrada Sem Lei, dirigido em 2019 por John Lee Hancock, também tem antecedentes que merecem ser examinados.
Tudo começou com o roteirista e produtor John Fusco. Ele alimentou por anos o desejo de contar a história real de como dois dos maiores policiais do século XX conseguiram pôr fim a um pesadelo que atormentou a América. Depois de muita pesquisa – que começou na infância – ele percebeu que o foco da história precisava ser retirado de Bonnie e Clyde e transferido para os delegados Frank Hammer e Maney Gault, esses sim, os verdadeiros protagonistas. E quem mais os retrataria no cinema com perfeição, além de Paul Newman e Robert Redford?
John Fusco achou que a dupla de astros de Hollywood era perfeita para interpretar os protagonistas e tratou de envolvê-los no projeto. Trabalhou por anos para concretizar financeiramente a ideia, mas jamais obteve sucesso. O tempo passou e quando a Netflix aceitou o desafio, a resposta à minha pergunta do parágrafo anterior acabou respondida com propriedade: Kevin Costner e Woody Harrelson!
Estrada Sem Lei é um filme fronteiriço: um policial com jeitão de western. Aliás, os Estados Unidos da década de 1930 viviam nessa fronteira, agarrados pelos tentáculos das instituições civilizatórias, enquanto se debatiam para reafirmar seus princípios de liberdades e garantias individuais. O longa conta como o casal de assassinos Bonnie e Clyde impôs o terror no Texas e foi responsável pelas mortes de vários policiais. A mídia é retratada enquanto dá destaque aos dois psicopatas e o público responde, desenvolvendo por eles uma admiração patológica. Olhando para o horizonte eleitoral, a governadora decide contratar Frank Hammer (Kevin Costner), um ex-agente aposentado, para localizar, perseguir e eliminar os malfeitores. Hammer recruta seu ex-parceiro, Benjamin Maney Gault (Woody Harrelson) e ambos iniciam uma caçada implacável, armados com paciência e determinação.
Não há glamour nem feitos heroicos na jornada dos dois policiais. Trata-se de uma missão triste e pesada. Ambos se reconhecem como carrascos, mas encontram forças na crença de que estão do lado certo do embate. Estrada Sem Lei é um filme preciso, com um roteiro bem costurado e atuações marcantes. Apresenta personagens fortes, que se expõe por meio de linhas de diálogo bem escritas.
O experiente diretor John Lee Hancock, que tem no currículo filmes como Um Sonho Possível e Fome de Poder, imprime um ritmo calculado e envolvente. Retirou o sentido de urgência da perseguição policial e impôs uma atmosfera intimista, que traz alguma profundidade para os personagens. Com seus planos abertos, o filme parece ter sido feito para as telas dos cinemas – e foi! Ao mesmo tempo, parece ter sido feito para o streaming – e foi! Tem fotografia com temperaturas digitais e flui numa linguagem ágil e moderna. Desenvoltura nos dois mundos!
Os que trazem na memória o casal Warren Beatty e Faye Dunaway, estrelas de Bonnie e Clyde - Uma Rajada de Balas, filme de 1967 dirigido por Arthur Penn, não reconhecerão os bandidos charmosos e carismáticos, que fizeram tanto sucesso na época. Em Estrada Sem Lei, os dois personagens são colocados em seu devido lugar: aparecem em poucas cenas e são tratados como os reles criminosos que de fato eram. O espectador demora para ver seus rostos, e quando consegue, percebe que não passam de gente sem importância. Dois quaisquer, nem magros nem gordos, nem feios nem bonitos...
Em Estrada Sem Lei não há espaço para apologia ao crime. Tudo o que vemos é uma história bem contada, sobre como foi difícil estar na pele dos homens encarregados de confrontar a dupla de assassinos. Vale a pena conferir!
Resenha crítica do filme Estrada Sem Lei
Direção John Lee Hancock
Roteiro: John Fusco
Elenco: Kevin Costner, Woody Harrelson, Kathy Bates, John Carroll Lynch, Kim Dickens, Thomas Mann e William Sadler
Assisti recentemente, é sem dúvida fiel ao ocorrido naquele período da recessão americana, e o elenco então é perfeito para os protagonistas do filme. E sua crítica é excelente.
ResponderExcluirMuito obrigado! Também gostei muito desse filme!
ExcluirAssisti e gostei de "Estrada sem lei". Gosto de adaptações boas e honestas de fatos marcantes da historia mesmo quando existe um grau de liberdade no roteiro que sacrifique um pouco a verdade em nome da dramatização. Eu sempre achei magnifica a atuação de Kevin Costner como o legendário Eliot Ness em "Os Intocaveis " de Brian De Palma. Até soube que esse diretor pensou em fazer uma continuação desse filme usando os mesmos atores. Eu torci para para que isso acontecesse - mas o projeto acabou sendo abandonado. E hoje - sem a presença de Sean Connery - seria mesmo impossível ! Mas chamou-me a atenção o fato de Costner ter sido novamente chamado para encarnar um outro policial lendário da época e que também derrotou bandidos que eram tratados como ídolos por alguns (assim como Al Capone no outro filme). Acho que ele mandou muito bem. Na época da lei seca muitos bandidos tornaram-se notórios e deram grande trabalho as autoridades americanas. Havia uma iminente subversão de valores. O desespero gerado pela crise econômica de 1929 resultou numa terrível tragédia para os Estados Unidos - cujas consequências desastrosas se alastraram para o mundo inteiro incluindo o Brasil. Muitos jovens sem perspectiva começaram a encarar os bandidos como modelos do que eles queriam ser quando crescessem. Não foi só com Bonnye e Clyde. Outros bandidos ficaram tão famosos que como esses também serviram de inspiração- ainda em vida - a muitos filmes hollywoodianos. Figuras como John Dillinger, Baby Face Nelson e o já citado Al Capone entre tantos outros. Mas houve uma reação . Capone foi preso, Dillinger e o casal Bonnie e Cllyde foram mortos em emboscadas. Se não fosse assim os EUA iriam ser hoje uma nação totalmente fraca e arruinada. Ainda bem que não foi assim !
ResponderExcluirConcordo com você! A sociedade americana soube impor seus valores para enfrentar a onda de "bandidolatria" que ameaça se tornar preponderante. O cinema refletiu essa onda, mas também refletiu o combate a ela. Viva o cinema!
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