Perdido em Marte: um filme que leva a ciência a sério

Cena do filme Perdido em Marte
Perdido em Marte: filme dirigido por Ridley Scott
CIÊNCIA DE VERDADE, MISTURADA COM AÇÃO, EMOÇÃO E AVENTURA
Por intermédio do cinema, conseguimos viajar para lugares onde provavelmente jamais pisaremos. Mas alguns filmes conseguem nos levar mais longe: criam uma experiência tão verossímil, que tal viagem termina incorporada ao nosso repertório de vida. Trazemos dela memórias afetivas tão vívidas quanto aquelas que guardamos do último ponto turístico que visitamos nas férias. Quer um exemplo? As areias de Marte! Depois que assisti ao filme Perdido em Marte, realizado em 2015 por Ridley Scott, saí com a sensação de que verdadeiramente caminhei pelas paisagens avermelhadas daquele planeta. Senti os efeitos da baixa gravidade e da atmosfera rarefeita. Cheguei a pensar que, afinal de contas, Marte não é assim tão... inóspito!
        Se estou empolgado, caro cinéfilo, não é por causa de alguma experiência sensorial imersiva durante a projeção – não assisti ao filme olhando para uma tela I-MAX, usando óculos 3D e sentado numa poltrona cinética. Nada disso! Fiquei mais fascinado com os resultados narrativos alcançados pelos realizadores. Se o filme Perdido em Marte é uma proeza técnica, alcançada com a ajuda dos incríveis recursos da computação gráfica, é também um exercício de ciência aplicada, que faz a alegria dos apaixonados pelo tema. Tudo nessa produção foi pensado para comunicar verossimilhança, trazendo para o público informações científicas precisas e confiáveis. Todas as peripécias mostradas na tela são perfeitamente possíveis e se um dia acontecerem, provavelmente acontecerão daquela exata maneira!
        Perdido em Marte, que se passa num futuro não muito distante, conta a história de Mark Watney (Matt Damon), um dos astronautas da missão Ares 3, que é dado como morto e deixado para trás, quando o restante da tripulação precisou evacuar o planeta às pressas, por causa de uma assustadora tempestade de areia. A NASA informa o público sobre a morte de Mark, mas depois faz uma descoberta surpreendente: ele está vivo! Só não sabe como poderá sobreviver sozinho com os poucos recursos que lhe restam. No planeta vermelho, Mark se vale dos seus conhecimentos de ciência para descobrir maneiras de vencer as adversidades e sobreviver até que chegue o resgate. Na Terra, todo o aparato da NASA é mobilizado para trazê-lo de volta. Tanto lá como cá, a cada grande ideia posta em prática surge um revés, capaz de pôr tudo a perder. Então surgem novas ideias, seguidas de novos reveses e assim por diante, numa corrida contra o relógio que é de tirar o fôlego!
        A mente por trás de Perdido em Marte é a de Andy Weir, que publicou seu romance com o mesmo título em 2001. Ele trabalha como engenheiro de software, mas é um escritor com grande bagagem científica. Sabe do que está falando! Para esse seu primeiro romance, partiu de uma ideia simples: primeiro, pensou em tudo o que poderia dar errado numa missão tripulada a Marte, usando a tecnologia de que dispomos atualmente. Depois, criou um protagonista azarado e o submeteu a todos os percalços que imaginou. Andy Weir começou publicando sua história em capítulos no seu site pessoal. Empolgados, os leitores logo exigiram uma versão em e-book. Daí para o sucesso editorial, foi um... foguete!
        O rigor científico deu sustentação geral ao seu romance e também funcionou como apelo comercial, para que Hollywood se interessasse em adaptá-lo para as telas. Na maioria dos filmes do gênero, a precisão científica é a primeira a ser sacrificada, quando o que está em jogo é garantir o divertimento do espectador, mas em Perdido em Marte, a proposta seria priorizar o “espírito nerd”. Mas acontece que o próprio Andy Weir começou fazendo concessões no seu livro: a cena em que, logo no começo, a tripulação deixa o planeta por causa da tal tempestade de areia é... fake! Como o próprio autor explicou depois, quando foi questionado pelos fãs, sob a atmosfera rarefeita do Planeta Vermelho, nenhuma tempestade de areia teria inércia suficiente para causar estragos. No máximo, seria sentida como uma leve brisa. Mas em nome do entretenimento, decidiu seguir em frente com a ideia. Ao criar uma situação de pressão, conseguiu caracterizar os personagens, mostrando suas escolhas e seus valores. Ou seja: rendeu-se à arte de contar boas histórias!
        A adaptação para o cinema não foi tarefa simples. Grande parte do conteúdo do livro é exposto no formato de diário, em longos textos onde o protagonista detalha as soluções que vai encontrando para sair dos problemas em série. Essa técnica narrativa não funciona no cinema. O encarregado de verter Perdido em Marte para as telas foi Drew Goddard, que já trabalhou com J. J. Abrams e escreveu os roteiros de Cloverfield e Guerra Mundial Z. Ele conseguiu manter o preciosismo técnico do autor e soube combinar especulação tecnológica com as pressões inerentes a um drama de sobrevivência. Imprimiu uma narrativa ágil, onde não falta espaço para a aventura, a emoção e o divertimento.
 Para tanto, o roteirista precisou fazer acréscimos à narrativa – é dele, por exemplo, a ideia de apresentar no final do filme, enquanto rolam os créditos finais, algumas cenas mostrando o destino dos vários personagens. Isso selou a empatia com o espectador e reforçou a noção de verossimilhança à qual que me referi no começo desse texto.
        O diretor Ridley Scott, cujo nome está profundamente ligado à ficção científica por meio de títulos como Blade Runner – O Caçador de Androides e Alien – O Oitavo Passageiro, conseguiu fazer sua mágica mais uma vez. Perdido em Marte é um filme empolgante e envolvente, que se esbalda na amplitude das vistas panorâmicas do planeta vermelho, enquanto nos mostra o lado humano da ciência, sempre praticada por personagens carismáticos. É um ótimo entretenimento, para ser visto e revisto de tempos em tempos.

Resenha crítica do filme Perdido em Marte

Ano de produção: 2015
Direção: Ridley Scott
Roteiro: Drew Goddard
Elenco: Matt Damon, Jessica Chastain, Kristen Wiig, Jeff Daniels, Michael Peña, Kate Mara, Sean Bean, Sebastian Stan, Aksel Hennie e Chiwetel Ejiofor

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