Pulp Fiction: roteiro agarrado aos diálogos
Pulp Fiction: filme dirigido por Quentin Tarantino
O MUNDO DO CRIME APRESENTADO COM O REALISMO QUE SÓ EXISTE NO CINEMA
O ano de
1995 foi pródigo para o cinema. Basta lembrar que entre os concorrentes ao
Óscar de melhor filme estavam ForrestGump, Um Sonho de Liberdade e Pulp Fiction. Até hoje os torcedores colecionam
motivos de sobra para enaltecer suas preferências e não tenho intenção de atravessar
esse fogo triplamente cruzado. Tudo o que pretendo é chamar a atenção para o texto
que recebeu a estatueta de melhor roteiro original, assinado por Quentin
Tarantino e Roger Avary.
No começo
dos anos 90 a dupla trabalhava numa locadora de vídeos em Los Angeles. Tarantino
parecia estar no lugar certo: cercado de filmes por todos os lados, os quais
devorava com gana. Pouco tempo depois o diretor estava à frente de um marco no
cinema americano. Pulp Fiction se tornou
o filme independente com maior bilheteria na época e influenciou várias
produções e cineastas mundo afora. Mostrou-se terreno fértil para o crescimento
de uma extensa mitologia, que brotou praticamente ao mesmo tempo que a
internet. Quem digitar “Pulp Fiction” no Google terá que lidar com uma enxurrada
de informações.
Tarantino
conta que para escrever o roteiro desse filme partiu de uma ideia simples:
reciclar as histórias manjadas do boxeador que vence a luta pela qual foi pago para
perder, do mafioso encarregado de levar a esposa do chefe para uma noitada e dos
pistoleiros destacados para matar todos eles. Três clichês consagrados na literatura
publicada nas revistas “pulp” das décadas de 20 e 30, que tinham esse nome
porque eram impressas sobre papel de baixa qualidade, fabricado a partir da
polpa da celulose.
Roger Avary
se encarregou de escrever a história do boxeador e Tarantino ficou com as
outras duas, pois não conseguiu fechar com um terceiro escritor. No meio da
empreitada, o diretor encontrou a ideia para outro filme e acabou escrevendo o roteiro
de Cães de Aluguel, que se tornou
seu primeiro longa. Mas isso já é outra história.
Voltando a Pulp Fiction, seu roteiro é uma peça concisa
e econômica, que não faz mais do que nos dar uma imagem mental da trama e seus personagens.
Ele impõe um ritmo preciso e está estruturado fortemente em diálogos, que conduzem
os personagens por meio de longas conversas enquanto suas histórias são contatas
por capítulos em fragmentos não lineares. O roteiro, finalizado em Amsterdã
enquanto Tarantino estava na turnê de lançamento de Cães de Aluguel, foi bastante inovador para a época. Mostrava uma
Los Angeles pouco conhecida do público, usava um linguajar pesado e lidava com uma
temática adulta.
No roteiro
de Pulp Fiction, cada uma das suas
histórias pode ser considerada como uma sequência. Há pontos de ligação entre
elas, o que mantém um sentido de unidade para o espectador e ajuda a segurar o
suspense até o final. A abordagem não linear de Tarantino, jogando para o
espaço a ordem cronológica dos acontecimentos, deu ao filme um certo estofo de
inteligência – mais exigido, o público se sentiu valorizado. Além disso, o
truque serviu para dar a sensação de que a história é contada com mais
agilidade.
Um efeito
interessante dessa narrativa não linear acontece na cena final, quando o
espectador se vê novamente assistindo ao começo do filme. Parece que tudo se
encaixa. Que há, afinal, um sentido de planejamento e
organização no roteiro. Com isso, Tarantino evitou que o público deixasse a
sala de cinema carregando a sensação de que a história ficou sem final. Ao
mesmo tempo, criou espaço para que as partes não resolvidas – ou pouco
explicadas – fossem preenchidas pelo imaginário da audiência. E é justamente
dessa matéria, a especulação, que são feitos os filmes cult. Fora da sala de
cinema, Pulp Fiction continua vivo, causando
dúvidas e discórdias, gerando polêmicas e dando margem a interpretações.
Ao mesmo
tempo em que concentra toda a energia do roteiro na usinagem de peças com sólidas
referências ao cinema e à cultura pop, Tarantino consegue ser econômico nas
explicações e, por isso mesmo, enigmático. Não dá ao espectador nada além
daquilo que ele já sabe sobre o submundo do crime ou da natureza dos criminosos
– apenas o que conhece por meio do cinema e da televisão. E vejam só, esse
punhado de referências estilizadas, sacramentadas pela cultura cinematográfica,
termina por se parecer muito com a realidade. A isso nós damos o nome de...
fazer cinema!
Os diálogos
longos e banais, que escondem as reais intenções do personagem e fazem a festa
dos atores com habilidade para aproveitar as oportunidades de dramatização,
tornaram-se a marca registrada de Tarantino. É por meio deles que consegue construir
atmosferas de suspense, enquanto usa o humor para criar empatia entre o
espectador e seus protagonistas. Mas não se iluda. O cineasta não é apenas um
nerd – um rato de locadora criado a base de doses diárias de cultura pop. Ele traz
marcas claras de influências da Nouvelle Vague francesa e até mesmo do expressionismo
alemão. Tornou-se um dos principais nomes do cinema mundial.
Basta
lembrar que Pulp Fiction fez muito
mais do que ganhar o Oscar de melhor roteiro original em 1995. Ganhou a Palma
de Ouro do Festival de Cannes em 1994!
Resenha crítica do filme Pulp Fiction
Ano de produção: 1994
Direção: Quentin Tarantino
Roteiro: Quentin Tarantino e Roger Avary
Elenco: John Travolta, Samuel L. Jackson, Uma Thurman, Harvey Keitel, Tim Roth, Amanda Plummer, Maria de Medeiros Ving Rhames, Eric Stoltz, Rosanna Arquette, Christopher Walken e Bruce Willis
Excelente crônica. Quanta informação de valor sobre o Tarantino! Obrigada.
ResponderExcluirMuito obrigado, Katia Medici. Um forte abraço!
ExcluirParabéns Fábio. Tua crônica é um convite para estourar pipocas no final de semana e assistir novamente... Abraço.
ResponderExcluirEntão, bom filme! E viva o cinema!!!!!
ExcluirExcelente, Fabio Belik. Um texto bem escrito, inteligente e instigante, bem à altura do filme. Parabéns!
ResponderExcluirPuxa, obrigado!!!! Um feedback desses é um grande estímulo. Valeu!
ExcluirBelíssima cronica Fabio, parabéns !!! No dia que lhe encontrei no Face e solicitei ficarmos amigos, tinha certeza que só iria ter a ganhar com sua inteligência, cultura e mais ainda, enriquecer-me das suas analises, criticas e cronicas sobre o maravilhoso mundo mundo da 7ª arte.
ResponderExcluirMuitíssimo obrigado, Bido Monteiro. Escrever sobre cinema tem sido uma experiência ótima e um grande aprendizado. Estou aproveitando muito bem essa oportunidade que as redes sociais nos dão para trocar ideias com aqueles que, como eu, apreciam da sétima arte. Um grande abraço!
ExcluirParabéns Fábio!! Obrigado por nos presentear.Despertou uma vontade de assisti-lo mais uma vezinha!!
ResponderExcluirValeu!!!! Muito obrigado e um ótimo filme!
ResponderExcluirSensacional Fabio Belik, pessoas como você me fizeram amar e ser nfluenciado positivimente pelo cinema. Obrigado.
ResponderExcluirAh, muito obrigado!!!! Gosto de cinema e adoro escrever sobre as experiências emocionais que me chegam por meio dos filmes!!!! Um abração!
ExcluirExcelente! Um dia vou aprender a escrever como você. Só não concordo que os diálogos dele sejam banais. na verdade eles são geniais!
ResponderExcluirAh, muito obrigado! Quando falo em banalidade, quero dizer que os diálogos são construídos a partir de falas do cotidiano, simples e despretensiosas - e é claro que são genialmente usadas para criar tensão!
ExcluirCônicas espetaculares sempre espetaculares.
ResponderExcluirAh, muitíssimo obrigado! Viva o cinema!!!!!
ExcluirO filme que o projetou no cinema iniciando seu estilo de narrativa usando nesse em particular ações que vão e voltam ao início da história na eficácia sem uso flashback. Um encanto como produto típico de artesanato cinematográfico colocando muitos outros sem novidades no chão nesse ponto. Talvez seja o seu melhor filme, nada exagerado como ficará sempre em seus pós-pilp fiction, os diálogos longos que considero dispensáveis, pois cansam e revelam ao meu ver um truque do próprio cineasta pra alongar a película. Cinema e adaptação para cinema é antes de mais nada a arte de sintetizar sem perder a essência do conteúdo da história contada em imagens.
ResponderExcluirDE resto, ótimas performances, cenas icônicas. Ressuscitou um astro em ostracismo dando uma virada em sua carreira marcada por uma pecha de um tipo sex-symbol que o limitou, dando dessa vez sua oportunidade de explorar suas capacidades cênicas : John Travolta.
Tarantino não ganhou Oscar. Talvez seja por esse defeitos que vejo como também mudar um pouco sua visão como narrador, afinal, o ser humano é evolução e a sua arte o acompanha.
Minha opinião
Ah... Uma trilha sonora Magnífica, usada com perfeição.
Tarantino levou o Óscar pelo roteiro de Pulp Fiction e seu filme ficou com a Palma de Ouro. Grandes proezas! Seus longos diálogos jogam com o que os personagens dizem, com o que eles estão tentando realmente dizer e com o que não podem dizer! É um recurso dramático que não agrada a todos.
ExcluirA primeira vez que assisti, disse: vou ter que assistir esse filme novamente. Aí, me dei conta que o final do filme, está no meio dele. Excelente sua crônica. Parabéns !
ResponderExcluirAh, Flavio, muito obrigado. Fiquei empolgado com essa técnica narrativa. Isso sem falar que, nos anos 90, o filme trouxe uma estética que exalava modernidade.
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