Gran Torino: um filme sobre a disposição de aprender

Cena do filme Gran Torino
Gran Torino: filme dirigido por Clint Eastwood

PARA QUE SERVE UM FILME SOBRE A INTOLERÂNCIA? PARA MOSTRAR O VALOR DA TOLERÂNCIA, ORA!

Gran Torino é um filme violento? – perguntou Ludy, insinuando que não estava disposta a assistir a tiros e pancadarias. 
        – Ainda não sei – respondi. – É dirigido e estrelado pelo Clint Eastwood e na foto da capa ele parece um Dirty Harry envelhecido. Acho que vai ter tiros e pancadaria!
        Minha mulher hesitou, mas acabou convencida quando lembrei que o diretor era o mesmo que realizou o excelente Os Imperdoáveis. Ela concordou em assistir e não se arrependeu!
        A primeira coisa a ser dita sobre o filme Gran Torino é que estava redondamente enganado: Walt Kowalski, personagem que Clint Eastwood interpreta nesse filme de 2008, não tem nada a ver com Dirty Harry. Trata-se de um ex-combatente da Guerra da Coréia que se aposentou como trabalhador da Ford. Acaba de enviuvar e está mais interessado em viver sozinho os anos que lhe restam, de preferência sem ser perturbado pelos filhos e netos – que o consideram um velho ranzinza. Na garagem, guarda seu Ford Gran Torino 1972, que passou por suas mãos já na linha de montagem. Na varanda, monta guarda protegendo seu gramado dos vizinhos estrangeiros, que tomaram conta do bairro.
        A Detroit retratada no filme Gran Torino é a desolada e decadente, que faliu com a crise financeira de 2008, onde as gangues de asiáticos disputam espaço com as demais gangues de negros e latinos. Intolerante e xenófobo, Walt assiste indignado à ocupação da casa ao lado da sua por uma família de imigrantes hmong oriundos do Laos. É com essa família, mais precisamente com a jovem Sue e seu irmão Thao, que o velho Walt terminará envolvido, criando improváveis laços afetivos.
        O filme Grand Torino é sobre a disposição e a capacidade de aprender. Não importa a idade, a vida sempre aparece com lições valiosas. Walt descobre nos jovens orientais o sentido de família que ele há muito desprezava. Thao aprende com o velho ranzinza o valor do trabalho e de ter uma profissão digna. Sue encontra a segurança que precisa para integrar-se à cultura do seu novo país. Todos os personagens terminam transformados e o fio condutor dessa história está no reluzente Ford Gran Torino 1972 que Walt conserva com capricho em sua garagem.
        O roteiro assinado por Nick Schenk é escrito com precisão. Segue uma narrativa linear, intercalando as inevitáveis cenas de violência que retratam as tensões sociais e raciais numa América em crise econômica. O experiente Clint Eastwood realizou o filme Gran Torino com objetividade, em cores desbotadas e realistas, mantendo as lentes focadas principalmente no seu personagem, para registrar seu arco de transformações.
        E eis que nos deparamos aqui com um diretor ousado e disposto a experimentalismos. Para retratar a família de orientais e captar o exotismo da cultura hmong, Clint Eastwood optou por um elenco de autênticos laosianos, todos atores amadores e sem experiência diante das câmeras. Essa escolha trouxe ao filme Gran Torino uma atmosfera quase... documental – guardando-se todas as proporções, próxima àquela que respiramos em Cidade de Deus, filme realizado em 2002, onde Fernando Meirelles dirigiu atores recrutados nas localidades onde filmou*.
        Mas a verdadeira força do filme Gran Torino está na história envolvente e edificante que nos conta. O velho conservador e intolerante aprende a lição e se torna... tolerante! Os jovens amedrontados e vulneráveis encontram nos valores familiares as forças para seguir... destemidos. Há pitadas de humor, aqui e ali, mas o filme está longe de poder ser exibido na seção da tarde. Há pitadas de violência aqui e ali, mas nada que tenha abalado a sensibilidade da minha mulher. Ludy gostou do filme tanto quanto eu e se rendeu à máxima: filmes de Clinte Eastwood merecem ser conferidos, obrigatoriamente. 
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Ah, tenho certeza que toquei em um vespeiro, ousando comparar Gran Torino com Cidade de Deus! Fiz isso apenas para ressaltar o estranhamento causado em algumas cenas – em ambos os filmes – quando nos deparamos com problemas de dicção em diálogos, ou gestuais demasiado espontâneos. Atores profissionais fariam diferente!

Resenha crítica do filme Gran Torino

Ano de produção: 2008
Direção: Clint Eastwood
Roteiro: Nick Schenk 
Elenco principal: Clint Eastwood, Bee Vang, Ahney Her e Christopher Carley 

Comentários

  1. O confronto de valores e de culturas na vida do veterano empregado da Ford e soldado condecorado que não mais se adapta a sua nova situação de vida : família distante de si como longe e seus novos vizinhos assim como a proliferação de gangues periféricos de várias etnias cujo motem é as drogas. Seu único precioso símbolo de uma época está no veículo irretocado que guarda na sua garagem : gran torino, um Ford por ele mesmo montado em tempo áureo.
    Vejo como um conto em os personagens se encontram para se completarem nos mostrando o que a vida tem de maior importância, um "pai" passa para o "filho" sua experiência e seus conceitos assim como os conceitos orientais vai influenciar o primeiro abrindo seus olhos para todos encontrando a si mesmo e consequentemente tomar uma decisão de vida e morte. Pois como dizem, os filósofos "a morte liberta, não aprisiona"
    Belo filme. Mas sempre tenho impressão que após o final contundente, o fechamento ficou piegas. Mas que fazer? Nada é perfeito.
    Condução firme do astro-cowboy com roteiro simpático e realístico. Mais palmas pro velho Clint.

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