O Céu da Meia-noite: no final, a inevitável catástrofe global

Cena do filme O Céu da Meia-noite
O Céu da Meia-noite: filme dirigido por George Clooney

UM FILME DOIS EM UM: METADE INTIMISTA, METADE AVENTURA ESPACIAL

O cinema é uma viagem! A ação que nos prende à tela também leva a divagações, traçando uma imprevisível trilha de livre associações. Foi o que aconteceu comigo a certa altura de O Céu da Meia-noite, filme de 2020 dirigido e estrelado por George Clooney. Apesar da sua longa barba grisalha imperando em cena, lembrei dele vivendo o psiquiatra Chris Kelvin, que investiga bizarrices numa estação espacial em Solaris, filme de 2002 escrito e dirigido por Steven Soderbergh. É bom lembrar que esse foi um remake do clássico Solaris, de 1972, dirigido por Andrei Tarkovski – um dos melhores filmes de ficção científica já realizados.
        O clima de confinamento e a esmagadora solidão que preenche a estação espacial que serve de cenário para o filme de Tarkovski são os mesmos que sufocam o Doutor Augustine na estação polar de O Céu da Meia-noite. George Clooney talvez tenha pretendido replicar a atmosfera que respirou sob a direção de Soderbergh, mas ao invés de realizar cinema autoral, esbarrou na necessidade de perseguir objetivos mais... comerciais. Seu filme abre espaço para as aventuras espaciais, narrando os percalços que são praxe no gênero – numa nave que certamente não foi construída por cientistas, mas por... diretores de arte!
        O roteiro assinado por Mark L. Smith é baseado no romance Good Morning, Midnight, da escritora americana Lily Brooks-Dalton. No entanto, o gancho narrativo que o roteirista usou para unir o cientista aos tripulantes da nave que retorna de Júpiter é frágil, pois está baseado numa premissa que o espectador só descobre na cena derradeira. Com o planeta Terra destruído por uma esquisita catástrofe climática, o moribundo Doutor Augustine está concentrado em impedir o retorno dos astronautas, enquanto tenta dar conta de cuidar da menina que foi deixada com ele na estação polar.
        Ah, essa imperiosa necessidade que Hollywood tem de inventar um final feliz, mesmo que o filme acabe em catástrofe global! O castelo de cartas que George Clooney construiu, com cenas bem realizadas e um ótimo senso de ritmo, termina por desmoronar, tudo por causa de um desnecessário ponto de virada. O espectador fica com a sensação de que foi enganado pelo roteiro manipulador. Bem... Talvez os produtores acreditem que é disso que gosta o grande público.
        Pelo menos para um propósito O Céu da Meia-noite serviu: para atiçar a vontade de revistar Solaris, tanto no original de Tarkovski como no remake de Soderbergh. Um ótimo exercício de “cinefilia”, que  rendeu mais um texto aqui na Crônica de Cinema!

Resenha crítica do filme O Céu da Meia-Noite

Ano de produção: 2020
Direção: George Clooney
Roteiro: Mark L. Smith
Elenco: George Clooney, Felicity Jones, David Oyelowo, Tiffany Boone, Demián Bichir, Kyle Chandler, Caoilinn Springall e Sophie Rundle

Comentários

  1. Agora fiquei curioso. Me chama de início atenção ao título homônimo de outra produção de 1985 dirigida por Taylor Jack core, 'O Sol da Meia-noite', com Mikhail Barishnykov, Gregory Hynes, Isabella Rosselini, Helen Mirren e Jerzy Skolimowsky no elenco. Claro, não é a mesma estória. Chamou-me a atenção a narrativa intimista que você citou nessa obra de George Clooney. Gosto muito desse estilo. Vou ver este filme na primeira oportunidade.

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    1. Legal! Esse está disponível na Netflix!

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    2. Corrigindo: o nome do diretor do outro 'O Sol da Meia-noite' (1985) é Taylor Hackford. Esse maldito corretor me derruba sempre que me distraio. Hackford foi casado com Helen Mirren.

      PS: Não sei pq fui identificado aqui nos comentários como UNKNOWN. Meu nome é Antonio Salles.

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    3. Ah, Antônio! É um prazer falar contigo! O Blogger é uma plataforma que tem dessas coisas... Vou investigar para saber se posso interferir nisso. Quanto ao outro Sol da Meia-Noite, lembro de ter assistido há tempos, mas preciso rever! Um abraço!

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  2. Assisti o filme na época de lançamento, lembro que a crítica caiu negativamente em cima do Clooney. Tenho uma simpatia pelo ator e desde Caçadores de Obras Primas tenho a impressão que ele começa com menos três pontos nas avaliações de suas direções. Posso ser suspeito em falar, mas não considero The Monuments Men um filme ruim, pelo contrário, o filme tem seus méritos. O primeiro filme que assisti em formato de DVD foi o Ocean's Eleven e foi uma experiência impactante. Pelo dinamismo e sutileza na direção de Soderbergh, algumas tomadas em zoom enquanto o diálogo persiste, a trilha sonora do David Holmes (o resgate de A Little Less Conversation - Elvis), foi nesse filme também que conheci Clair de Lune - Debussy, a inferência de uma honra entre ladrões (leia-se estrelas de cinema), a sinergia do elenco e vários outros fatores contribuem para que seja um dos meus filmes preferidos. É um filme cool (sendo esse um termo sem tradução literal na minha concepção). Tenho uma lembrança vaga do trailer de Solaris (2002) mas aposto na parceria Clooney-Soderbergh. Parabéns pelo texto, venho resenhar quando conferir o filme indicado :)

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  3. Olá, Fagundes... Escrevi um resposta ao seu comentário, mas acidentalmente acabei deletando. Então vamos lá: em primeiro lugar, obrigado! Também gostei muito de Caçadores de Obras Primas, inclusive escrevi uma crônica sobre o filme. Quanto a Onze Homens e Um Segredo, merece todos os elogios que você menciona e está na lista para ser comentado aqui na Crônica de Cinema. Ah... e quanto a Debussy, é um capítulo especial para deleite de todos os que curtem música! Um abração!

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