O Substituto: os dramas pessoais de um professor

Cena do filme O Substituto
O Substituto: filme dirigido por Tony Kaye

DENSO E DELICADO, UM FILME QUE TEM MUITO A ENSINAR

Recentemente – antes da pandemia – assisti a uma palestra onde o palestrante, para desenvolver seu raciocínio sobre o aprendizado, estabeleceu a diferença entre ser um aluno e ser um estudante. Usou uma das palavras para se referir à postura acomodada de quem só consome o conhecimento posto à sua frente e a outra para ressaltar a atitude proativa de quem vai além, buscando mais conhecimento. – Que bobagem! – pensei. – São só sinônimos. Ponha 30 jovens numa sala de aula e terá 30 atitudes diferentes! O que realmente faz a diferença é o professor!
        Um aluno ou estudante, por definição, é alguém orientado por um mestre. Não tenho formação em pedagogia e minha única experiência em sala de aula é a dos que sentam nas carteiras. Mas sei que o aprendizado é muito mais rápido e efetivo quando vem sistematizado por alguém que se disponha a ensinar. A compartilhar experiências. Ao invés de prestar atenção no palestrante, passei a divagar sobre o filme O Substituto, de 2011, dirigido por Tony Kaye.
        Nesse filme, Henry Barthes é um professor de literatura do ensino médio em perfeita sintonia com os jovens aos quais ensina, mas faz questão de não estabelecer vínculos duradouros com eles. O título original, Detachment – um termo que pode ser traduzido como distanciamento, indiferença ou... desapego! – nos dá uma pista do estado de espírito do protagonista. É um professor substituto, que cobre por curtos períodos a ausência de professores titulares. De escola em escola, de turma em turma, transita por um sistema educacional cheio de falhas, convive com professores desmotivados, alunos desinteressados...
        Em O Substituto, acompanhamos o recorte de um mês na vida de Henry Barthes (Adrien Brody), quando o vemos se relacionar com vários professores, administradores e alunos do ensino médio. Eis que três mulheres distintas cruzam sua vida: Erica (Sami Gayle), uma prostituta adolescente que ele decide acolher em sua própria casa, Sarah (Christina Hendricks), uma professora com quem vale a pena se relacionar e Meredith (Betty Kaye), uma adolescente às voltas com problemas próprios da idade. As três o levam a confrontar seus próprios problemas e reviver seus demônios internos, que o assombram desde a infância.
        Não espere uma reviravolta ou um ponto de virada como acontece nos filmes edificantes, que festejam as grandes parcerias entre mestres e seus alunos. O Substituto é denso, introspectivo e delicado. Está focado num personagem complexo, ciente dos seus talentos para ensinar, que cai numa turma de alunos problemáticos. Divide sua vocação com a necessidade de dar conta dos seus dramas pessoais. O diretor Tony Kaye nos conduz por um meio ambiente de tristeza e introspecção, focalizando os personagens com sua câmera displicente. Mas também busca enquadramentos amplos e despojados, que ressaltam a solidão e colocam o espaço urbano, repleto de miséria e melancolia, como um incômodo pano de fundo.
        O roteiro que ele filmou é muito bem escrito, com diálogos afiadíssimos. O roteirista Carl Lund, ele mesmo um professor que vivenciou a realidade exposta em O Substituto, não se apega apenas aos elementos perturbadores da história. Consegue explorar o tema e retirar algo de instigante e inspirador para prender a atenção do espectador. Seu estilo narrativo prioriza o contar ao invés do dramatizar, o que tem o efeito de eliminar as pieguices melodramáticas. Ele prefere usar e abusar das referências literárias, preenchendo as linhas de diálogo com versos e citações. Recebemos do filme mais do que pacotes prontos de emoções, mas oportunidades para refletir sobre as dores e anseios dos personagens, suas perdas e ganhos, seus desejos crenças e valores. Tudo isso num tom poético, maduro e, de certa forma... edificante.
        Assistindo a O Substituto, concluí que todos nós, em algum momento, nos tornamos professores. Dos nossos filhos, nossos amigos, colegas... Não é tarefa fácil, mas há recompensas. Como Henry Barthes, só precisamos tentar dar conta das transformações que o ato de ensinar gera em todos. Tanto nos que ensinam como nos que aprendem.

Resenha crítica do filme O Substituto

Título original: Detachment 
Ano de produção: 2011
Direção: Tony Kaye
Roteiro: Carl Lund
Elenco: 
Adrien Brody, Marcia Gay Harden, Christina Hendricks, William Petersen, Bryan Cranston, Tim Blake Nelson, Betty Kaye, Sami Gayle, Lucy Liu, Blythe Danner, James Caan, Louis Zorich, Isiah Whitlock Jr., Brennan Brown, Renée Felice Smith, Doug E. Doug, Ronen Rubinstein e Stefan Avramoski

Comentários

  1. Pena! Não ví. Um elenco e tanto!!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. É um filme muito bem escrito e interpretado, com uma direção madura e afiada. Vale a pena conferir.

      Excluir
  2. Filme espetacular! Merece ser assistido. Recomendo.

    ResponderExcluir
  3. Deve ser muito interessante. Espero encontrar em alguma plataforma de streaming

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Ah, recentemente vi o filme na grade de programação da HBO.

      Excluir
  4. Vou ver se encontro em alguma plataforma.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Vale a pena buscar. Vou procurar também e se encontrar aviso aqui nos comentários.

      Excluir
    2. Está na Pluto TV de graça

      Excluir
    3. Ah, obrigado, Cleusa! É bom saber que o filme está facilmente disponível!

      Excluir
  5. https://click.justwatch.com/a?r=https://www.justwatch.com/br/filme/o-substituto?utm_source=share&utm_medium=android

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Confira também:

Menina de Ouro: a história de Maggie Fitzgerald é real?

Tempestade Infinita: drama real de resiliência e superação

Siga a Crônica de Cinema