Os Bons Companheiros: um dos melhores filmes de gangsters

Cena do filme Os Bons Companheiros
Os Bons Companheiros: filme dirigido por Martin Scorsese

LINGUAGEM INOVADORA E AUTENTICIDADE

Quando Martin Scorsese filmou Os Bons Companheiros, em 1990, o retrato da máfia já estava nítido no imaginário popular, pintado em detalhes por Francis Ford Coppola nos seus filmes O Poderoso Chefão, de 1972 e O Poderoso Chefão II, de 1974. No entanto, a linguagem crua e autêntica trazida pelo diretor nova-iorquino soou como um sopro de renovação no gênero. O público teve a sensação de, agora sim, estar bisbilhotando o verdadeiro mundo do crime organizado em sua intimidade.
        O mérito de tal proeza vai, em primeiro lugar, para Nicholas Pileggi, autor do livro Wiseguy, no qual o filme Os Bons Companheiros se baseou. O livro foi um verdadeiro achado para Scorsese, pois forneceu o material inédito e original que precisava para dar início à sua reputação de “cineasta especializado em filmes de gângsteres”. O outro grande achado do diretor foi o próprio Nicholas Pileggi, o tipo de escritor que nasceu para alimentar a indústria do cinema. Natural do Brooklyn, no seio de uma família de imigrantes italianos, ele cresceu observando a máfia.
        Pileggi foi repórter policial por 30 anos. Passava os dias em delegacias de polícia, convivendo com policiais e detetives, circulando pela cidade com eles, falando a língua deles e sendo apresentado a todos os personagens que ocupariam as páginas das suas reportagens e livros. Foi assim que desvendou essa história real de Henry Hill, um membro da máfia que terminou seus dias como informante, dedurando seus bons companheiros.
        O filme Os Bons Companheiros é narrado em primeira pessoa por Henry Hill, interpretado por Ray Liotta. O vemos ainda garoto, sonhando em ser um gangster e se esforçando para entrar na carreira. Acompanhamos seu envolvimento com Jimmy Conway (Robert De Niro) e Tommy DeVito (interpretado por Joe Pesci, que recebeu o Óscar de melhor ator coadjuvante pelo papel) ambos criminosos hábeis em conduzir o rapaz pelo mau caminho. Testemunhamos seu casamento com Karen (Lorraine Bracco) e o vemos se afundando nas drogas. Ao longo de três décadas, Henry Hill e seus companheiros roubam, matam, acumulam bens, gastam muito dinheiro e não se arrependem de nada.
        O livro Wiseguy, lançado em 1986, já apresentava uma estrutura praticamente cinematográfica. Scorsese percebeu que seria fácil adaptá-lo para o cinema, mas preferiu fazer isso em parceria com o próprio Pileggi – ainda que o escritor jamais tivesse escrito roteiros para filmes. Cada um escreveu um primeiro tratamento, excluindo as passagens que julgavam desnecessárias na adaptação. Quando compararam as duas versões, viram que ambos chegaram a uma mesma visão da narrativa para o enredo.
        Nos tratamentos seguintes, a visão de Scorsese acabou se impondo nos detalhes, seguindo abordagens que resultariam em cenas mais apropriadas para as telas. Planos-sequência, stills, passagens com narração, exposições rápidas, uso da trilha sonora para gerar reações emocionais... No filme Os Bons Companheiros o diretor desenvolveu uma linguagem que seria reproduzida nos anos seguintes por diferentes cineastas dedicados a filmar o mundo dos gângsteres.
        A própria abertura do filme, expondo o momento em que o personagem Billy Batts é brutalmente assassinado pelo trio de companheiros, foi uma invenção de Scorsese. Depois dela, ele volta à infância de Henry Hill e segue sua trajetória até retornar, na metade do filme, para a exata cena de abertura. Um truque que podemos apreciar em outros filmes posteriores – Pulp Fiction, realizado por Tarantino em 1994 é um exemplo.
        Citado pela crítica entre os melhores filmes sobre a máfia já realizados, Os Bons Companheiros é construído por uma série de episódios conectados, que expõem a trajetória do crime organizado na cidade de Nova Iorque. Martin Scorsese – o mesmo diretor do aclamado filme Taxi Driver – realizou um filme vigoroso, onde abriu espaço para as improvisações e privilegiou a autenticidade. É assim que consegue passar verdade em seus filmes, ainda que ela venha manchada de violência e mau-caratismo, beirando os limites da apologia ao crime.

Resenha crítica do filme Os Bons Companheiros

Ano de produção: 1990
Direção: Martin Scorsese
Roteiro: Nicholas Pileggi e Martin Scorsese
Elenco: Ray Liotta, Robert De Niro, Joe Pesci, Lorraine Bracco e Paul Sorvino

Leia também as crônicas sobre outros filmes dirigidos por Martin Scorsese:

Comentários

  1. Filme injustiçado na noite do Oscar
    Academia preferiu dança com lobos, pois mostrava algo bonito dentro de uma tragédia do conflito de culturas mais ao paladar do público que uma descrição sem molduras do submundo mafioso americano num ritmo frenético quanto agudo da trajetória de um membro cuja narrativa nos prende do começo ao fim.
    Scorsese, o cineasta maldito da Academia.
    Aula de cinema
    Esse mesmo estilo seria repetido em Cassino e o Irlandês.
    Mas voltando ao passado do Cineasta ele já havia experimentado numa produção barata nos anos 70 antes do reconhecimento internacional : caminhos perigosos, com um desconhecido Robert de Niro e Joe Pesci.
    Recomendo uma análise crítica deste último também.

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  2. Filme injustiçado na noite do Oscar
    Academia preferiu dança com lobos, pois mostrava algo bonito dentro de uma tragédia do conflito de culturas mais ao paladar do público que uma descrição sem molduras do submundo mafioso americano num ritmo frenético quanto agudo da trajetória de um membro cuja narrativa nos prende do começo ao fim.
    Scorsese, o cineasta maldito da Academia.
    Aula de cinema
    Esse mesmo estilo seria repetido em Cassino e o Irlandês.
    Mas voltando ao passado do Cineasta ele já havia experimentado numa produção barata nos anos 70 antes do reconhecimento internacional : caminhos perigosos, com um desconhecido Robert de Niro e Joe Pesci.
    Recomendo uma análise crítica deste último também.

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