Amarcord: as lembranças de Fellini e seus significados

Cena do filme Amarcord
Amarcord: filme dirigido por Federico Fellini

HUMOR, LIRISMO, NOSTALGIA E UMA ATMOSFERA ONÍRICA

Só consegui assistir ao filme Amarcord, realizado em 1973 por Federico Fellini, no começo dos anos 1980. Foi pela televisão. Na época, apesar de já ser apresentado como um grande clássico, com relevância na história da sétima arte, o título ainda evocava um certo clima de safadeza, dada a sua temática sexual – eram tempos bem mais puritanos!
        Amarcord é uma comédia dramática costurada a partir de um amontado de cenas e esquetes, que não estão presos a uma linha de tempo ou a uma trama estruturada. Não há uma história a ser seguida. Tudo o que temos são situações que lampejam como recordações da infância e da adolescência de Fellini, vividas em Rimini, sua cidade natal. Amor, sexualidade, vida familiar, religião, política, educação, cinema, causos... Tudo é contado com doses generosas de humor, lirismo, nostalgia e emoções verdadeiras.
        O significado do título desperta curiosidade. Amarcord, que virou neologismo no idioma italiano, é um termo do dialeto romano que significa “lembro-me”. É conjugando o verbo lembrar que o filme nos leva para os anos 1930. Por meio dos olhos do jovem Titta, enxergamos um mundo de sonhos e imaginação, repleto de personagens extravagantes. Somos apresentados à mulher da tabacaria, à cabeleira, ao padre, ao músico de rua, à ninfomaníaca... A vida passa com certa lentidão despreocupada, embora a sombra do fascismo paire sobre a vila de Borgo San Giuliano, como prenúncio do trágico futuro que espreita a Itália e o mundo.
        O cinema de Fellini é, antes de tudo, um espetáculo visual. Em Amarcord, a beleza plástica se impõe, imersa numa atmosfera onírica e influenciada pela tradição circense. A fotografia elaborada ao nível dos detalhes por Giuseppe Rotunno, a direção de arte inspirada de Giorgio Giovannini e Danilo Donati e a trilha sonora irretocável de Nino Rota são partes que não podem ser vendidas separadamente. Fellini as uniu em uma obra sólida e consistente, impondo sua personalidade criativa e sua alma de cineasta provocador e inovador. Não foi por menos que o filme lhe rendeu o quarto Óscar, dessa vez o de melhor filme estrangeiro em 1975.
        Mas nos créditos de Amarcord, há um nome que precisa ser especialmente lembrado: o do roteirista Tonino Guerra. Festejado como um dos maiores roteiristas da história do cinema, escreveu ou colaborou em mais de cem filmes ao longo da carreira. Trabalhou para os maiores nomes do cinema, mas foi nesse filme que fez sua primeira parceria com Fellini, reprisada mais tarde em E la Nave Va e Ginger e Fred. O romance Amarcord, assinado por Federico Fellini e Tonino Guerra, traz no texto as digitais de Guerra e mostra sua importante contribuição, não só no refinamento da linguagem, mas no senso de humor contagiante.
        Como qualquer obra de Fellini, Amarcord é um filme sensível, mas provocante, que revela novos detalhes e sutilizas a cada vez que é revisitado. Agora que temos a oportunidade de acessá-lo por diferentes mídias – já não somos mais reféns do monopólio da televisão – podemos fazer isso com mais frequência. Viva o cinema!

Resenha crítica do filme Amarcord

Ano de produção: 1973
Direção: Federico Fellini
Roteiro: Federico Fellini e Tonino Guerra
Elenco: Pupella Maggio, Armando Brancia, Magali Noël, Ciccio Ingrassia, Nando Orfei, Luigi Rossi, Gianfilippo Carcano, Josiane Tanzilli e Bruno Zanin

Leia também as crônicas sobre outros filmes dirigidos por Federico Fellini:

Comentários

  1. O melhor filme de todos os tempos e viva Fellini.

    ResponderExcluir
  2. Viva Felinni! Ótima crônica!🥰🙏

    ResponderExcluir
  3. Obra-prima absoluta do grande mestre.

    ResponderExcluir
  4. Sou fã do Felinni, mais tenho que tentar assistir de novo, na primeira me deu muito sono.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. É preciso se deixar envolver e permitir que as próprias lembranças se misturem com as do diretor.

      Excluir

Postar um comentário

Confira também:

Menina de Ouro: a história de Maggie Fitzgerald é real?

Tempestade Infinita: drama real de resiliência e superação

Siga a Crônica de Cinema