Taxi Driver: cinema visceral, realizado com garra e estilo


Cena do filme Taxi Driver
Taxi Driver: filme de Martin Scorsese

UM PERSONAGEM ATORMENTADO, UMA CIDADE CÚMPLICE E UM TEMA PARA SAXOFONE

Ao volante, o jovem e perturbado Travis Bickle está com os olhos arregalados, revelando desconfiança e apreensão. Pelo retrovisor observa o passageiro no banco de trás, um sujeito tão sinistro que consegue parecer o mais perturbado dos dois. Pede a Travis que pare em frente a um prédio e observe numa janela a silhueta de uma mulher. A sua mulher! A mulher infiel, flagrada em pleno ato de traição. A mulher a quem pretende matar com requintes de perversidade! Seu tom de voz irradia dor de cotovelo e desejo de vingança e assim consegue incutir em Travis a noção de que, sim, é possível matar alguém, como forma de corrigir o que julga estar errado.
        Dentro do taxi, em mais uma jornada pela madrugada nova-iorquina, um episódio banal e em aparente desconexão com a trama do filme pode parecer apenas uma tentativa de causar estranhamento ou de criar uma atmosfera soturna. Não é nada disso! Ao volante temos Robert De Niro, trabalhando para criar o personagem intenso e complexo que marcaria sua carreira. No banco de trás, temos Martin Scorsese, fazendo uma ponta como passageiro no seu próprio filme, mas que parece estar ali apenas para soprar ideias demoníacas na mente do personagem intenso e complexo que também marcaria sua carreira.
        Esta cena dá uma ideia da energia criativa envolvida na realização de Taxi Driver, um filme visceral, que chegou aos cinemas em 1976 como um soco no estômago. Há muito o que ser dito sobre essa produção, que até hoje causa arrepios, mas gostaria de começar pela incrível abordagem estética imposta por Martin Scorsese. Sua perspicácia em captar a vibração da cidade de Nova Iorque e fazer dela um personagem – uma eminência parda, coautora das insanidades que Travis cometerá – é em grande medida responsável pelo caráter atemporal do filme.
        É claro que nessa tarefa o diretor contou com a cumplicidade da música poderosa e inesquecível de Bernard Herrmann, autor da trilha sonora. Herrmann foi o compositor que moldou a linguagem musical do cinema, destacou sua função narrativa e a colocou como condutora da trajetória emocional da trama e dos seus personagens. Mais lembrado por ter assinado a trilha sonora de Psicose, escreveu para Taxi Driver sua última partitura.
        Antes de continuar, cabe uma sinopse: aos vinte e seis anos, Travis Bickle (Robert DeNiro) vai trabalhar como motorista de taxi, fazendo corridas noturnas numa Nova Iorque habitada por prostitutas, drogados e todo tipo de aventureiro solitário. Ele mesmo é um sujeito só e com dificuldades de preencher seu vazio existencial. Os traços de sua mente perturbada começam a ficar nítidos na medida em que se envolve com personagens que cruzam seu caminho: a bela Betsy (Cybill Shepherd), cabo eleitoral do senador Charles Palantine (Leonard Harris), a prostituta pré-adolescente Easy (Jodie Foster em seus tenros 13 anos) e seu cafetão Sport (Harvey Keitel)... Os reveses que sofre ao tentar se relacionar, aos poucos o colocam em estado de fúria. Ele compra armas, treina, prepara-se fisicamente e esboça planos vagos e imprecisos que logo deixam muito claro: alguém vai acabar morto!
        O roteiro de Taxi Driver foi escrito por Paul Schrader, quando ele ainda não tinha 30 anos. Já havia escrito Yakuza em parceira com Robert Towne, filme dirigido por Sidney Pollack, mas nesse projeto de Martin Scorsese acabou se envolvendo de corpo e alma. Inspirou-se no caso de Arthur Herman Bremer, condenado a 63 anos de prisão pelo assassinato de George Wallace, candidato a presidente pelo partido Democrata em 1972. Bremer publicou, em parceira com Harding Lemay o livro intitulado Diário de Um Assassino, mas Paul Schrader afirma que escreveu seu roteiro antes que ele fosse publicado.
        O fato é que o protagonista de Taxi Driver é uma criação desenhada a seis mãos: Paul Schrader foi responsável por sua psique confusa e atormentada, Martin Scorsese pela atmosfera que o cerca e Robert DeNiro por sua caracterização assustadoramente esquizofrênica e convincente. O filme recebeu quatro indicações para o Oscar, incluindo a de melhor filme. Saiu sem estatuetas, mas ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes de 1976 e um lugar no panteão dos grandes filmes da década de 1970. Produto da determinação e da dedicação de jovens apaixonados por cinema, só foi feito porque todas as pessoas envolvidas investiram pesado, financeiramente, profissionalmente e emocionalmente.
        Há em Taxi Driver um efeito desconcertante: por mais que você já conheça a história do jovem motorista de taxi e saiba como ela vai terminar, não resiste em continuar observando, fuçando, xeretando... Você é capturado na armadilha e se entrega a um voyeurismo despudorado. Foi assim que me senti outro dia. Aproveitei que o filme estava passando pelo serviço de streaming e embarquei. Foi uma viagem!

Resenha crítica do filme Taxi Driver

Ano de produção: 1976
Direção: Martin Scorsese
Roteiro: Paul Schrader
Elenco: Robert De Niro, Cybill Shepherd, Peter Boyle, Jodie Foster, Harvey Keitel, Leonard Harris, Albert Brooks, Martin Scorsese, Victor Argo e Steven Prince

Leia também as crônicas sobre outros filmes dirigidos por Martin Scorsese:

Comentários

  1. Complexo como a sofisticada metrópole como pano de fundo de um enredo que toca em vários temas existenciais dos personagens.
    Keitel, Foster, De Niro e a gata da série compõe uma alegórica análise do tecido de uma época cinzenta.
    Scorsese faz um espetáculo de ritmo lento mas que explode findando com maestria, sem retoques. Obra prima noir.

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    1. Ah, Alexander, esse é um filme tão bem costurado que conquistou um lugar no topo, entre os melhores da história do cinema.

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