A Cor Púrpura: onde foram parar as cartas de Miss Celie?

Cena do filme A Cor Púrpura
A Cor Púrpura: filme de Steven Spielberg

ADAPTAÇÃO DESFOCADA DE UM ROMANCE CONTUNDENTE

Eis que, em 1985, Steven Spielberg se vê às voltas com seu primeiro drama, depois vencer como diretor de grandes sucessos de bilheteria. Certamente foi colocado à frente do projeto para transformar A Cor Púrpura em um arrasa-quarteirão. E conseguiu, mas conseguiu também mergulhar em um mar infestado de polêmicas e críticas desfavoráveis. Revisitei o filme recentemente e continuo achando que o diretor errou a mão, embora tenha nos entregado uma produção caprichada, com uma narrativa ágil e envolvente.
        Mas antes de cutucar nos problemas, vamos falar um pouco do livro que originou o filme. Trata-se do romance A Cor Púrpura, escrito em 1983 por Alice Walker. Esse estrondoso sucesso, que rendeu a ela o Prêmio Pulitzer, traz uma característica importante: é construído por meio das cartas escritas pela protagonista – endereçadas ao Querido Deus e à sua irmã Nettie. Segue um formato literário popular nos Séculos XVIII e XIX, conhecido como romance epistolar. A história se passa no início do Século XX e nos conta o drama de Celie, uma menina pobre, negra e semianalfabeta de 14 anos, que é abusada pelo pai e dá à luz dois filhos dele. Além de ter os bebês tirados de sua guarda, é obrigada a se casar com um homem mais velho, o tal Sinhô, que se torna seu algoz e vai lhe impor uma vida de crueldades e maldades inomináveis.
        No livro A Cor Púrpura, o racismo, o machismo e a misoginia são chagas presentes o tempo todo, mas tratadas como pano de fundo. Os personagens e suas múltiplas camadas estão sempre em primeiro plano, recheando as páginas com uma narrativa simplória, distante da norma culta e repleta de erros gramaticais, mas tocante e sempre emocionada. É certamente uma história triste, mas traz à tona questões atuais e pertinentes.
        Quincy Jones, famoso músico, produtor musical e amigo de Alice Walker, convenceu a autora a escolher Steven Spielberg para realizar a adaptação do seu romance para o cinema. Então começaram as polêmicas! Apesar das inevitáveis questões raciais envolvidas – onde já se viu um branco dirigindo um filme sobre e para negros? – o projeto seguiu mantendo o pragmatismo comercial que caracteriza as produções hollywoodianas. Menno Meyjes, destacado para escrever o roteiro, transformou a narrativa leve e divertida da autora num script mais pesado e sentimental. No filme A Cor Púrpura, Celie é interpretada na juventude por Desreta Jackson e depois por Whoopi Goldeberg. O Sinhô Albert é encarnado por Danny Glover, enquanto sua amante Shug é vivida por Margaret Avery.
        No roteiro de Menno Meyjes, o personagem do Sinhô ganhou traços mais simples. Muitas das suas camadas psicológicas foram eliminadas para destacar apenas a sua brutalidade. Shug, a mulher forte e emancipada que liberta Celie da sua vida escravizada, ganha contornos mais frágeis e femininos. Esses ajustes suavizaram o enredo e tornaram a história mais palatável para o grande público. Como resultado, o filme acabou abrindo espaço excessivo para mostrar a redenção do Sinhô Albert, enquanto que no livro a autora enaltece o triunfo de Celie, uma mulher que vence obstáculos imensos apesar de todas as forças que insistem em esmagá-la.
        Com uma fotografia impecável, um elenco carismático e uma trilha sonora memorável, A Cor Púrpura é um filme belo – a canção Miss Celie’s Blues volta e meia me vem à mente. Porém, em vários momentos percebo que há um tom excessivamente melodramático. A música incidental assinada por Quincy Jones às vezes vem para forçar a barra, como se fosse necessária para conduzir as emoções do espectador. Steven Spielberg, mais inclinado a se aproximar da grandiosidade de E o Ventou Levou, perdeu o foco de Celie, a personagem escritora de cartas tão simplórias, mas densas e emocionantes. Talvez por isso a autora Alice Walker chegou a dizer que a versão de Steven Spielberg não merecia o título A Cor Púrpura. Ela sugeriu outro título: Watch for Me in the Sunset.

Resenha crítica do filme A Cor Púrpura

Sinopse: baseado num romance epistolar escrito por Alice Walker, este filme de 1985 dirigido por Steven Spielberg se passa no início do Século XX e conta o drama de Celie (Desreta Jackson na juventude e Whoopi Goldeberg na vida adulta), uma menina pobre, negra e semianalfabeta de 14 anos, que é abusada pelo pai e dá à luz dois filhos dele. Além de ter os bebês tirados de sua guarda, é obrigada a se casar com um homem mais velho, o tal Sinhô (Danny Glover), que se torna seu algoz e vai lhe impor uma vida de crueldades e maldades inomináveis. Racismo, machismo e a misoginia são chagas presentes o tempo todo, mas a redenção da protagonista chega no final, às custas de muito esforço pessoal e força de superação.

Ano de produção: 1985
Direção: Steven Spielberg
Roteiro: Menno Meyjes
Elenco: Danny Glover, Whoopi Goldberg, Margaret Avery, Oprah Winfrey, Willard E. Pugh, Akosua Busia, Desreta Jackson, Adolph Caesar, Rae Dawn Chong, Dana Ivey, Leonard Jackson, Bennet Guillory, John Patton Jr., Carl Anderson, Susan Beaubian, James Tillis, Phillip Strong e Laurence Fishburne

Leia também as crônicas sobre outros filmes dirigidos por Steven Spielberg:

Comentários

Confira também:

Menina de Ouro: a história de Maggie Fitzgerald é real?

Tempestade Infinita: drama real de resiliência e superação

Siga a Crônica de Cinema