O Despertar de uma Paixão: um filme que no final deixa muitas reflexões

Cena do filme O Despertar de uma PaixãoO O Despertar de Uma Paixão: dirigido por John Curran

QUANDO CAI O VÉU DE ILUSÃO QUE COBRE UM RELACIONAMENTO

O romance The Painted Veil, escrito em 1925 por William Somerset Maugham é intimista e um tanto sombrio. Conta uma história de amor às avessas, onde a paixão só vem muito depois do casamento e, ainda assim, atribulada por acontecimentos trágicos. Rendeu três adaptações para o cinema: em 1934, com o filme The Painted Veil, estrelado por Greta Garbo e Herbert Marshal, em 1957, no filme The Seventh Sin, com Bill Travers e Eleanor Parker e em 2006, no filme O Despertar de Uma Paixão, estrelado por Edward Norton e Naomi Watts. Esse último remake é resultado do empenho de Edward Norton, que desde 1999 planejava produzi-lo, mas apenas tomou forma em 2001, quando Naomi Watts entrou no projeto também como produtora.
        O Despertar de Uma Paixão, dirigido por John Curran, é um daqueles filmes com vocação para “cinemão”. Tem ascendência nobre e é tratado pelos anglo-saxões de forma solene e respeitosa. Porém, apesar da estirpe literária, não chegou a deslanchar comercialmente – ainda que a crítica tenha se desfiado em elogios. É um filme denso, que exige maturidade do espectador. O título em português entrega o ouro e antecipa o final do filme, mas o título do romance, O Véu Pintado, traz um simbolismo mais complexo. Seu significado faz referência aos panos de ilusão que as pessoas colocam sobre seus relacionamentos, que quando caem deixam escancaradas as verdades mais incômodas.



        O Despertar de Uma Paixão conta a história de Walter Fane (Edward Norton), um bacteriologista inglês que na década de 1920 conhece a frívola socialite Kitty Garstin (Naomi Watts) e, de repente, estão casados, apesar de terem pouco em comum. As relações do marido no meio científico britânico levam o casal de mudança para Xangai. No coração da mulher, a ausência de amor e paixão logo é preenchida por tédio. Quando ela conhece o vice-cônsul inglês Charles Townsend (Liev Schreiber), entrega-se num caso tórrido de adultério, que logo é descoberto. Ao invés da separação, Walter prefere vingar-se: decide aceitar um emprego como médico numa cidade do interior da China devastada por uma epidemia de cólera e leva Kitty consigo. Talvez ela pegue a doença, talvez sofra, talvez morra! O abismo, cavado entre os dois pelo ressentimento e pela incompreensão, parece intransponível. Entretanto, o sentimento de paixão que aos poucos desperta, entre sofrimentos e dificuldades, talvez sirva de ponte.
        O roteiro de O Despertar de Uma Paixão foi assinado por Ron Nyswaner, mas há intervenções de Edward Norton e do diretor John Curran. Em seu primeiro rascunho, Nyswaner veio com uma adaptação bastante fiel ao livro, mas os realizadores perceberam que a história não funcionaria tão bem nas telas. No romance intimista de Somerset Maugham a narrativa é conduzida a partir das reflexões e lembranças elaboradas por Kitty. É pelos seus olhos que enxergamos o marido e jamais o flagramos em seu trabalho como médico abnegado. Ao longo dos anos de pré-produção, o roteirista produziu 25 tratamentos. Finalmente, o personagem de Walter foi expandido, para que o espectador pudesse perceber seu arco de transformações. Assim como Kitty aprende e ganha maturidade, o médico também extrai preciosas lições do sofrimento e das dificuldades.


        Há ainda outras diferenças em relação ao livro, especialmente no seu final. No filme, Walter perdoa Kitty e deixa espaço para que a paixão floresça. O livro traz vários capítulos adicionais e continua a história para além do momento em que o filme termina. E enquanto a história originalmente é ambientada em Hong Kong, no filme ela se passa em Xangai, por motivos de produção. Além disso, há todo um pano de fundo histórico e cultural que foi acrescentado pelo diretor nessa adaptação para o cinema.
        O Despertar de Uma Paixão é um filme onde o trabalho dos atores – impecáveis – fica em destaque, mas a direção segura e objetiva de John Curran não passa despercebida. Ele soube posicionar a câmera na hora de explorar os dramas pessoais dos seus personagens e concebeu planos grandiosos para registrar as belezas das locações. Recriou com notável senso estético a China de 1920. Fez cinema de qualidade!


Resenha crítica do filme O Despertar de uma Paixão

Ano de produção: 2006
Direção: John Curran
Roteiro: Ron Nyswaner
Elenco: Edward Norton, Naomi Watts, Toby Jones, Diana Rigg, Anthony Wong, Liev Schreiber, Juliet Howland, Alan David, Maggie Steed, Cheng Sihan, Lucy Voller, Marie-Laure Descoureaux, Zoe Telford, Lü Yan, Xia Yu e Feng Li

Comentários

  1. Para um comentário bem traçado desses não posso deixar de tecer elogios... Me prendi tanto no que escreve o autor, Fábio, que me esqueci de visualizar o filme, rsss. Parabéns ao cronista, pois, depois que voltei à realidade, vi o filme e gostei também do filme, claro, do que pude criar com a imaginação do bem relatado comentário. Sê de Rezende

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    1. Ah, Sê, sou muito grato pelo seu feedback. É um prazer poder compartilhar o gosto pela sétima arte com quem curte examinar os detalhes!!!!

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  2. Parabéns pela rebuscada descrição do roteiro. Estou assistindo, e dei pausa para buscar comentários sobre a obra quando me deparei com este artigo. O filme é dez pelo que já vi em 30 minutos. É envolvente, reflexivo e trata da realidade de muitos casais que vivem de aparência.

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  3. Obrigado, Jurvi. Tentei nessa crônica ser objetivo, para dar uma visão abrangente sobre o filme.

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  4. Olá, será que alguém podia me explicar o final onde Kate chora ao ler os papéis de seu marido? Oq tinha naqueles papéis, fiquei muito curiosa e n entendi

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    1. Os papeis que Kitty revira, depois da morte de Walter, são suas anotações científicas, sobre a epidemia de cólera que estava monitorando. Ela então se dá conta da abnegação do marido e da sua grandeza como profissional respeitado, uma dimensão que ela não respeitou enquanto ele estava vivo.

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  5. No livro em algum momento faz menção de quem o menino é filho?

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    1. Puxa... O assunto da paternidade não é tratado com importância, mas fica subentendido que não pertence a Walter.

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  6. Só ontem meu marido e eu garimpamos esse belo filme. Sua crônica, lendo hoje, esclarece e acrescenta às minhas percepções. Fiquei curiosa: a obra literária vai além da morte de Walter, conforme vc nos conta. Poderia dar detalhes?!

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    1. O que sabemos sobre o personagem de Walter nos é narrado pela protagonista. É trajetória dela que vemos expandida no livro.

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  7. Já assisti o filme três vezes (o último ...), e não sei qtas vezes ainda irei assistí-lo. Sou apaixonada pelo trabalho do Edward Norton, e nesse filme ele está sensacional. Também foi nessa produção que pude conhecer melhor a atuação da Naomi. Uma bela supresa. Só não gostei do título do filme em português.

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    1. Sim, o título em português carece do simbolismo presente no título original.

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  8. Assisti ameste filme anos atrás. Muito boa produção mas a história mexeu muito comigo. Muita crueldade do marido . Mas não posso negar a qualidade do filme. Parabéns pela crônica.

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    1. Muito obrigado. De fato o filme tem um apelo emocional muito forte.

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  9. Adoro este filme. Já vi duas vezes. E como é proveitoso e envolvente ler suas críticas. Esta, em particular, me fisgou. Gosto de ler uma peça bem elaborada.

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    1. Acabei de assistir pela primeira vez esse filme e gostei de achar alguém em comum na msm data. Filme lindo, bem produzido. Estou atrás de filmes mais antigos atualmente, pois os lançamentos não estão me agradando.

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    2. Ah, muito obrigado! Fico feliz com esse feedback positivo e animado para seguir escrevendo!

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  10. Acredito que o filme seja complexo, pesado mesmo , mas , isto não tira suas qualidades. Gosto demais !

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    1. Ah, não tira mesmo! É um filme envolvente e merece ser conferido!

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