Roma: um bairro na cidade do México eternizado em filme
![]() Roma: filme dirigido por Alfonso Cuarón |
MEMÓRIAS DE INFÂNCIA, REVISITADAS COM SENSIBILIDADE
O sucesso que Alfonso Cuarón alcançou com Gravidade, lançado em 2013, foi retumbante. O filme arrasou nas bilheterias e faturou sete Óscares, entre eles o de melhor diretor – o primeiro conferido a um mexicano. Depois desse fenômeno, Cuarón se tornou um gigante do cinema mundial e se viu na privilegiada posição de poder filmar o que bem entendesse. Para nossa sorte, ele entendeu que deveria realizar Roma, sua obra-prima de 2018!Roma é um filme de memórias. Tem mais de duas horas, é fotografado em preto-e-branco e apresenta raras linhas de diálogos – poucas delas estruturadas de forma convencional. Nada disso afugentou o público, que tem encontrado o título nos serviços de streaming. A maior parte das cenas são contemplativas, algumas são expositivas, mas todas são emocionantes! Alfonso Cuarón realizou um filme delicado, envolvente e belo.
Para minha surpresa, quando busquei informações sobre Roma, tropecei em um comentário infeliz publicado num grande veículo: – O filme quase não tem história – diziam. Ora, o que não falta nele é história! E uma contada com sensibilidade e detalhamento. Ambientada entre 1970 e 1971, a maior parte dela se passa no bairro da Cidade do México chamado Roma, onde o diretor cresceu – daí o título do filme. Acompanhamos a protagonista Cléo, uma empregada doméstica que trabalha numa casa de classe média e tem um dia-a-dia atarefado. Minuciosa e responsável nos seus afazeres, testemunha a vida dos seus moradores, uma família numerosa, com quatro filhos pequenos. Afetiva e amorosa, se relaciona bem com as crianças e recebe em troca respeito e consideração. Silenciosa, vive sua juventude e cultiva uma rotina feliz. Mas a vida há de encontrar Cléo desavisada e golpeá-la de revés. Há de desestabilizar a posição confortável dos seus patrões, desagregar a família pela qual zela e impor pesados sofrimentos.
Em certo sentido, é possível pensar em Roma como um filme... caseiro! Já que é o próprio diretor quem assina a fotografia do filme, podemos imaginá-lo com a câmera nos ombros, a perseguir seus personagens. Mas não é nada disso! Seu trabalho é primoroso e profissional. As passagens cotidianas que ele captura parecem banais, mas jamais resvalam no enfadonho. A sucessão dos acontecimentos que registra parece aleatória, mas há um encadeamento narrativo. Os planos são escolhidos com critério, os movimentos de câmera são sempre coreografados, a movimentação dos extras – e como há figurantes nesse filme! – é cronometrada com rigor, os objetos de cena, os automóveis, os figurinos... Alfonso Cuarón faz cinema maduro e usa sem receio todos recursos que estão ao seu alcance.
Os recursos de Cuarón, no entanto, não são apenas financeiros. São cinematográficos. O que mais salta aos olhos é o seu domínio do espaço. Ele está em constante movimento pelos ambientes da casa e pelas locações onde filma, para conduzir o espectador com segurança e precisão. Jamais nos sentimos confinados. O diretor também se mostra um virtuoso narrador visual e constrói cenas expositivas sem a necessidade de usar palavras. Fez um trabalho autoral como poucos cineastas têm o privilégio de realizar: escreveu, produziu, dirigiu, fotografou e editou um filme sobre as suas memórias da infância. Não se dedicou a desfiar críticas sociais, contextualizar acontecimentos políticos ou expressar matizes ideológicos.
Imagino que o trabalho de revisitar sua própria infância e resgatar tantas lembranças afetivas tenha sido uma experiência catártica para o diretor. O cinema tem esse poder de reacender os acontecimentos com um realismo perturbador, que vai além do alcance audiovisual. Em muitos momentos é sinestésico! Há uma passagem no filme, quando o pai recolhe o carro na garagem, onde vemos o chão pontilhado pelo cocô deixado pelo cachorro da família. No momento em que a roda do carro passa por cima do cocô, juro, pude sentir o cheiro desagradável!
Grande parte do elenco de Roma é composto por atores sem experiências anteriores em filmes. O diretor procurou filmar as cenas em sequência, para dar à equipe uma noção de continuidade da narrativa. Nenhum dos atores leu o roteiro escrito por ele, para que pudessem se surpreender com as idas e vindas da história. As falas eram entregues aos atores pouco antes das filmagens e em várias cenas eram instruídos a improvisar. Cuarón chegou a dar instruções conflitantes para cada um deles, justamente para provocar confusão em cena. O resultado, por vezes, foi emocionante para todo o elenco.
O fato é que ao pisar nos sets de filmagem, Alfonso Cuarón trouxe na mente um material poderoso. Seu roteiro foi construído a partir de substâncias emocionais densas e de certa forma universais – cheguei a me surpreender com as semelhanças entre o México de 1970 e o Brasil da minha infância. Ele contou com total liberdade de ação, pleno exercício do poder criativo e uma máquina cinematográfica endinheirada. Deu muito certo! Faturou de novo os Óscares de melhor diretor e melhor fotografia e ainda saiu com a estatueta de melhor filme estrangeiro. Além disso, Roma continua atraindo espectadores nos serviços de streaming.
Os recursos de Cuarón, no entanto, não são apenas financeiros. São cinematográficos. O que mais salta aos olhos é o seu domínio do espaço. Ele está em constante movimento pelos ambientes da casa e pelas locações onde filma, para conduzir o espectador com segurança e precisão. Jamais nos sentimos confinados. O diretor também se mostra um virtuoso narrador visual e constrói cenas expositivas sem a necessidade de usar palavras. Fez um trabalho autoral como poucos cineastas têm o privilégio de realizar: escreveu, produziu, dirigiu, fotografou e editou um filme sobre as suas memórias da infância. Não se dedicou a desfiar críticas sociais, contextualizar acontecimentos políticos ou expressar matizes ideológicos.
Imagino que o trabalho de revisitar sua própria infância e resgatar tantas lembranças afetivas tenha sido uma experiência catártica para o diretor. O cinema tem esse poder de reacender os acontecimentos com um realismo perturbador, que vai além do alcance audiovisual. Em muitos momentos é sinestésico! Há uma passagem no filme, quando o pai recolhe o carro na garagem, onde vemos o chão pontilhado pelo cocô deixado pelo cachorro da família. No momento em que a roda do carro passa por cima do cocô, juro, pude sentir o cheiro desagradável!
Grande parte do elenco de Roma é composto por atores sem experiências anteriores em filmes. O diretor procurou filmar as cenas em sequência, para dar à equipe uma noção de continuidade da narrativa. Nenhum dos atores leu o roteiro escrito por ele, para que pudessem se surpreender com as idas e vindas da história. As falas eram entregues aos atores pouco antes das filmagens e em várias cenas eram instruídos a improvisar. Cuarón chegou a dar instruções conflitantes para cada um deles, justamente para provocar confusão em cena. O resultado, por vezes, foi emocionante para todo o elenco.
O fato é que ao pisar nos sets de filmagem, Alfonso Cuarón trouxe na mente um material poderoso. Seu roteiro foi construído a partir de substâncias emocionais densas e de certa forma universais – cheguei a me surpreender com as semelhanças entre o México de 1970 e o Brasil da minha infância. Ele contou com total liberdade de ação, pleno exercício do poder criativo e uma máquina cinematográfica endinheirada. Deu muito certo! Faturou de novo os Óscares de melhor diretor e melhor fotografia e ainda saiu com a estatueta de melhor filme estrangeiro. Além disso, Roma continua atraindo espectadores nos serviços de streaming.
Resenha crítica do filme Roma
Ano de produção: 2018Direção: Alfonso Cuarón
Roteiro: Alfonso Cuarón
Elenco: Yalitza Aparicio, Marina de Tavira, Fernando Grediaga, Jorge Antonio Guerrero, Daniel Valtierra, Marco Graf, Daniela Demesa, Nancy García, Verónica Garcíam, Carlos Peralta e Diego Di Cort
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