Batman: novo fôlego para o vigilante mascarado
Batman: filme de Matt Reeves
UM PERSONAGEM AFERRADO À SUA CONCEPÇÃO GRÁFICA
– Onde fica Gotham City? – perguntei, enquanto mordia meu pão com queijo e mortadela. Meu pai não tirou o olho do jornal. Deu um longo gole na sua xícara de café fumegante e resmungou:– Gotham City não existe! É uma cidade de mentira.
– Por que não fizeram a história numa cidade de verdade?
– Porque o Batman é de mentira. – E completou, olhando-me nos olhos: – Não existe!
Meu pai terminou de ler o jornal, despediu-se e saiu para o trabalho. Não gostava de histórias em quadrinho. Não perdia tempo com essas bobagens infantis. Diferente dele, eu adorava. Queria saber tudo sobre o Batman. Na minha infância, havia dois deles: o dos quadrinhos, que era mais raivoso e sombrio, e o da TV, mais engraçado e irreal. Mas havia apenas uma Gotham City, imensa e parecida com as cidades americanas. Para o meu pai, ela não existia, mas eu a enxergava como uma personagem. Era habitada por três tipos de gente: os bandidos, que só se excitavam com a violência e a ganância, os políticos, que só se excitavam com o poder e a ganância, e os cidadãos comuns, que não se excitavam com nada e deixavam tudo por conta dos políticos e bandidos.
Gotham City era uma cidade triste, que se deteriorava a cada dia. A população omissa e acomodada, bem que fazia por merecer: pagava impostos, para que o estado se incomodasse com seus problemas. As desgraças davam maior audiência e a imprensa cobria tudo com sensacionalismo. Era o caos e todos achavam que alguém tinha que fazer alguma coisa. Quando esse alguém surgiu, na forma de um morcego, a maioria criticou. Batman não era uma unanimidade. Não em Gotham City!
Conforme fui crescendo, ficou claro que Gotham City existia: era Nova Iorque! Descobri que Gotham era o apelido daquela cidade no início do século XIX, criado por um autor chamado Washington Irving. Ele resgatou uma tradição literária da Inglaterra medieval, quando vários contos usavam a palavra para se referir a uma fictícia “Vila da Cabra” – goat, em inglês – habitada apenas por gente simplória e estúpida. Nas histórias do Batman, a tal vila virou megalópole, mas a tacanhice permaneceu intacta. E continua assim até hoje! Talvez seja por isso que o vigilante mascarado retorne triunfante, de tempos em tempos, para mexer com o imaginário dos consumidores de cultura pop. Em pleno 2022, no filme Batman, dirigido por Matt Reeves, ele reaparece na pele de um Robert Pattinson enraivecido, batendo na mesma tecla de sempre – mas despojado da aura de superpoderes infantilizados que dominou o cinema mainstream.
No filme, o prefeito de Gotham City é assassinado por um certo Charada (Paul Dano), que promete acender o fogo sob o caldeirão de caos que se tornou a cidade – é interessante observar como Gotham City jamais é retratada como uma distopia, mas como uma expressão sombria do nosso aqui e agora! Quem investiga o crime é o tenente James Gordon (Jeffrey Wright), que conta com o auxílio luxuoso de um Batman em começo de carreira. O mascarado, enquanto se reveza como detetive e vigilante implacável, envolve-se com a sedutora Selina Kyle (Zoë Kravitz), uma Protomulher-Gato que trabalha nos bastidores do submundo. E a história segue a trilha de sempre, hipnotizando pela expressão gráfica e pela certeza arquetípica de que a justiça é sempre uma conquista individual.
Batman chega ao streaming como uma peça descolada do quebra-cabeça de super-heróis, que virou essa guerra por audiência entre a DC e a Marvel. É um dos acertos do filme. O outro é a escolha de Robert Pattinson para encarnar o Homem-Morcego. O ator conseguiu incorporar um Zeitgeist pós-pandêmico, liquidificando uma mistura de raiva, insegurança, arrogância e uma demora para escolher entre o que é melhor e o que é certo. A escalação de Matt Reeves para dirigir o filme também foi acertada. Com a experiência que adquiriu na condução de dois ótimos Planeta dos Macacos, o de 2014 e o de 2017, ele chegou com gana de fazer cinema de qualidade, lançando mão das boas referências que encontrou em clássicos dos anos 1970 e 80. Acertou no ritmo, na atmosfera e na concepção visual apurada, que resgatou o início das aventuras do Batman, quando Bruce Wayne era tão somente a sua identidade secreta.
O roteiro de Batman é assinado pelo diretor, em conjunto com o roteirista Peter Craig, um veterano dos filmes de ação, que escreveu Herança de Sangue, Imperdoável, 12 Heróis e Bad Boys para Sempre. A escrita é bem realizada, mas não traz inovações narrativas – algo que os fãs dos quadrinhos consideram mais uma decisão acertada. Talvez a maior ousadia de Matt Reeves tenha sido a de sustentar sua linha de criação na canção Something in the Way, de Kurt Cobain. A atmosfera que evapora de um Nirvana, logo no começo, é poderosa o suficiente para durar até os créditos finais. Mas a verdade é que meu lado cinéfilo, quando assistiu a esse Batman, tinha grandes expectativas: encontrar a mesma concepção madura empregada por Todd Philips no seu filme Coringa, de 2019. Não foi dessa vez, mas quem sabe numa próxima...
Batman nasceu em 1939. Tem 83 anos. Quase a mesma idade que meu pai teria hoje. Ambos foram contemporâneos, mas não se conversavam. Meu pai não tinha interesse por gibis e Batman demorou para chegar aos cinemas. Quando o fez, seu traje de guerra parecia mais uma fantasia inverossímil. O habitat natural do morcego era mesmo os quadrinhos! Foi criado para a Detective Comics pelo artista gráfico Bob Kane, que por décadas levou os créditos sozinho, mas recentemente teve que dividi-los com Bill Finger – o roteirista sempre alegou que muito dessa história tinha o seu... dedo! Afirmou, inclusive, ter sido ele o criador do nome Gotham City, para designar aquela cidade violenta, caótica e habitada por gente leniente e desesperançada, que abriu espaço para o surgimento de um vigilante mascarado, ávido por fazer justiça. Ainda hoje, quando me pego folheando os quadrinhos do Batman, trago à mente aquela velha pergunta:
– Onde fica Gotham City?
Resenha crítica do filme Batman
Ano de produção: 2022Direção: Matt Reeves
Roteiro: Matt Reeves e Peter Craig
Elenco: Robert Pattinson, Zoë Kravitz, Paul Dano, Jeffrey Wright, John Turturro, Peter Sarsgaard, Andy Serkis e Colin Farrell
Não aprovei essa nova versão que atende determinada faixa etária de público com seu gosto e tendência para o horror psicológico (tanto que o ator escolhido vem dessa vertente de sucesso, infelizmente)
ResponderExcluirMuito DARK que se arrasta num suspense angustiante e clichê cat /bat se emoldura mais uma vez.
Esse Batman não exala dupla personalidade, que é sua característica mais contundente. Esse é uma coisa só sem ou com armadura.
NÃO agradou me
Estão na verdade adaptando tudo que existe ao momento do gosto público como um confeite já pronto pra gula destes.
Nem comento o enredo (óbvio)
Este filme traz um Batman para as novas gerações, mas realizado dentro de alguns critérios. Já imaginou o mascarado embalado por uma trilha sonora à base de... Funk carioca? A questão é que o personagem já tem 83 anos e angariar fãs por gerações. Pelo jeito ainda vai conquistar mais algumas.
ExcluirEstava pensando em responder sobre o novo filme, até mesmo, já colocando um invólucro imaginário do "não gostei", porém lendo a observação sua, é por aí mesmo. O Batman foi criado há 83 anos. Portanto a geração dele ficou lá e a nova, precisa se adequar aos jovens atual. Realmente, eu nos meus 70 anos, sinto sim a falta dele, mesmo porque li muitos gibis, aliás o que mais adoro,porque os hinos nos traz a história verdadeira, sei lá!! Mas, temos sempre que ter em mente: - "O novo sempre vem"...
ExcluirTambém não gostei.
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