Um Lugar Chamado Notting Hill: um bairro de Londres rouba a cena romântica
Um Lugar Chamado Notting Hill: direção de Roger Michell
É FANTASIA, MAS QUANTA AUTENTICIDADE!
– Ora, me poupe! – exclama o sujeito, colocando o pronome na frente de tudo para mostrar seu descontentamento. Com tantas opções no streaming, a mulher tinha que escolher justo uma comédia romântica? Ainda por cima das antigas!– Esse filme é tão leve... Não canso de assistir. – Ela nem desgruda o olho da tela para responder.
O sujeito faz o que precisa ser feito: pega o celular e vai para o seu canto, procurar notícias sobre esporte. Deixa a tela grande à inteira disposição da mulher, que permanece hipnotizada. Um Lugar Chamado Notting Hill, filme de 1999 dirigido por Roger Michell, tem esse efeito anestésico. É cinema assumidamente despretensioso e alienante, que desfralda com orgulho a bandeira do entretenimento, mirando sem pudor na bilheteria – uma coleção de heresias imperdoáveis na visão dos puristas, que encaram a sétima arte com mais seriedade.
Mas repare que o sujeito, acocorado ao próprio celular, vez ou outra olha de canto de olho para a TV, tentando disfarçar a curiosidade. Em alguns minutos já está no sofá, ao lado da mulher, dessa vez entretido em algum videogame – que é para não dar o braço a torcer e ao menos ter para onde desviar o olhar, sempre que a atmosfera do filme ficar desconcertantemente açucarada.
Talvez esta encenação tenha acontecido lá em casa, já que Ludy revisitou Um Lugar Chamado Notting Hill por no mínimo três vezes. Oficialmente, jamais assisti a esse filme, extraoficialmente, no entanto, conheço todas as cenas e posso escrever sobre elas com propriedade. O magnetismo dessa produção está concentrado na sua premissa poderosa: uma atriz superfamosa, num envolvimento romântico com um ilustre desconhecido, causando frisson numa pacata comunidade. Desde o início ficamos na expectativa do inevitável momento em que o Zé Ninguém vai aparecer com a atriz de Hollywood a tiracolo, para espanto dos amigos que ficam de queixo caído.
Ocorre que o Zé Ninguém não é um qualquer: é Hugh Grant, um galã consagrado. A estrela de cinema, por sua vez, é de carne e osso: chama-se Julia Roberts, ainda que se apresente com outro nome. E até Notting Hill, nos subúrbios de Londres, ocupa um lugar de personagem principal nessa história. A capacidade do cinema para misturar o que acontece dentro da tela com o mundo real lá fora, foi utilizada com sabedoria pelos realizadores. Sobre essa fundação sólida, construíram um filme vistoso, que se ergue em charme, beleza e... verossimilhança! Todos os elementos shakespearianos de uma comédia romântica estão presentes: os encontros e desencontros, os mal-entendidos, as tentativas de racionalizar o que vem do coração... E o humor refinado, embrulhado em puro romantismo.
Um Lugar Chamado Notting Hill conta a história da estrela de Hollywood Anna Scott (Julia Roberts), que entra na livraria de William Thacker (Hugh Grant) e é pega de surpresa por uma daquelas peças pregadas pelo destino. A troca de olhares é reveladora e a eletricidade toma conta do ambiente. Ele, ansioso diante da musa. Ela, encantada com a veneração respeitosa que parte dele. Se esse primeiro encontro é de puro encantamento, espere para ver os outros que virão em uma sucessão de cenas envolventes. Tudo acontece em Notting Hill, onde William tem um círculo de amigos peculiar: sua irmã amalucada, Honey (Emma Chambers), sua ex-namorada, Bella (Gina McKee), confinada a uma cadeira de rodas, que agora está casada com Max (Tim McInnerny), o melhor amigo de Will. Há também Bernie (Hugh Bonneville), um colega corretor da bolsa, e um excêntrico, destrambelhado e sem noção conhecido por Spike (Rhys Ifans), que vai garantir as doses mais apimentadas de humor. A presença da estrela de cinema, que traz na cola a cobertura da mídia e o assédio dos fãs, vai causar um rebuliço na vida de todos. E aos poucos vamos percebendo que a fama é mesmo o principal empecilho para que o romance entre Ana e Will tenha chance de florescer. Mas seguimos torcendo por eles incondicionalmente.
O criador dessa história cativante é Richard Curtis, um roteirista e produtor com vocação para os grandes sucessos. É dele a veia criativa em filmes como Quatro Casamentos e um Funeral, O Diário de Briget Jones, Questão de Tempo e, mais recentemente, o inusitado Yesterday. Combinadas, suas produções já movimentaram para a indústria do cinema quase dois bilhões de dólares. Em Um Lugar Chamado Notting Hill, no entanto, Curtis se sentiu em casa, literalmente. Morador do bairro, ele preferiu ter como locação as ruas que conhece tão bem, repletas de gente circulando e garantindo uma valiosa aura de autenticidade. Seu roteiro segue fluente, sem complicações narrativas, mas centrado em diálogos afiados.
O diretor Roger Michell soube aproveitar ao máximo o brilho irradiado pelo elenco. Hugh Grant confere ao seu personagem uma timidez e uma discrição que convence. Julia Roberts parece não ter feito mais do que apenas exercitar sua beleza e seu estrelato, mas quem faria isso com tanta propriedade?
É claro que um espectador exigente enxerga alguns tropeços cinematográficos. Há, por exemplo, várias redundâncias narrativas, provocados pelo uso de canções de sucesso na trilha sonora – cá entre nós, pôr para tocar Ain't No Sunshine, depois que Anna Scott se vai e deixa Will mergulhado no escuro da solidão, é chover no molhado. Mas não serei eu o chato a ficar apontando defeitos! Um Lugar Chamado Notting Hill é um filme envolvente. Na próxima vez que Ludy decidir assistir, talvez eu esteja lá, olhando com o rabo de olho, com o celular na mão.
Resenha crítica do filme Um Lugar Chamado Notting Hill
Ano de produção: 1999Direção: Roger Michell
Roteiro: Richard Curtis
Elenco: Julia Roberts, Hugh Grant, Hugh Bonneville, Emma Chambers, James Dreyfus, Rhys Ifans, Tim McInnerny, Gina McKee, Richard McCabe, Dylan Moran, Henry Goodman, Julian Rhind-Tutt, Lorelei King, John Shrapnel, Clarke Peters, Arturo Venegas, Yolanda Vazquez, Mischa Barton, Emily Mortimer, Samuel West e Ann Beach
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