Metrópolis: ficção científica do expressionismo alemão
Metrópolis: dirigido por Fritz Lang
FICÇÃO CIENTÍFICA COM VALOR ARQUEOLÓGICO
Metrópolis, o filme de Fritz Lang, foi lançado em 1927. É, portanto, um senhor idoso, com quase 100 anos. Produto comercial de quando o cinema ainda estava em seu nascedouro – ainda era mudo! Mas engana-se quem pensa que o fazer cinematográfico ainda não era industrial naquela época. O austríaco Fritz Lang, o maior nome do expressionismo, era um cineasta consagrado, com grandes obras no seu currículo. Foi para Hollywood e voltou para a Alemanha com conhecimentos técnicos, equipamentos e argumentos, para convencer os produtores a financiar o filme mais caro realizado até então. Criou uma obra-prima da ficção científica, que moldou o gênero e ainda hoje exerce influência com sua estética expressionista. E também conseguiu um estrondoso fracasso de bilheteria!Para minimizar os prejuízos, o estúdio e seus distribuidores resolveram picotar o filme. Excluíram um quarto das cenas, na tentativa de torná-lo mais palatável ao público. Transformaram Metrópolis numa curiosidade, numa espécie de fóssil, objeto de estudo destinado a permanecer nas mãos de arqueólogos e alguns poucos cinéfilos curiosos. Quando comecei a me interessar por cinema, essa película de Fritz Lang só existia nos livros – lembro de um professor na faculdade me contando que tivera o privilégio de assistir ao filme, numa cópia fragmentada de baixa qualidade. A imagem da mulher-robô, que ainda trazia um visual surpreendentemente moderno, era tudo o que tinha para criar meu próprio imaginário sobre o filme.
Então, em 1984, tive a oportunidade de entrar numa sala de exibição para assistir a uma cópia restaurada do lendário filme Metrópolis. Mas essa vinha com uma assinatura adicional: a de Giorgio Moroder, um produtor musical italiano, cujo nome estava mais ligado à música eletrônica dançante da época – vencedor do Óscar pelas músicas de O Expresso da Meia-noite, Flashdance e Top Gun – Ases Indomáveis. A ousadia de Moroder foi usar seus sintetizadores para criar uma trilha sonora moderna para aquele filme mudo, fazendo uma colagem de canções de vários astros do rock, entre eles Jon Anderson, Pat Benatar, Bonnie Tyler e Freddie Mercury. Inclusive, incluiu novos interlúdios e várias passagens colorizadas. A crítica especializada ficou em polvorosa. Que sacrilégio!
Mas o fato é que a trilha sonora moderna, em contraste com as imagens antiquadas, criaram um resultado instigante. Captaram a essência inovadora e ao mesmo tempo épica do filme de Fritz Lang. Outro detalhe: antes da restauração de Moroder não havia uma cópia coesa acessível ao público. Criou-se uma oportunidade única para que muitos cinéfilos pudessem finalmente compreender a essência da obra. Observe que no começo dos anos 1980, o processo de restauração aconteceu segundo processos analógicos. Não havia a mágica digital O produtor precisou reunir cenas de diversas cópias espalhadas pelo mundo, num processo que demorou dois anos. Foi assessorado por Enno Patalas, então diretor do Museu do Filme de Munique, que partiu do roteiro de Thea von Harbou e também da partitura original escrita por Gottfried Huppertz, para dar ao público uma ideia global da estrutura narrativa do filme.
Mas eis que em 2008 o quebra-cabeça foi finalmente montado. Uma cópia em 16 mm foi encontrada no Museo del Cine, em Buenos Aires, contendo quase todas as cenas que faltavam para completar o filme. Por meio de técnicas digitais, uma nova cópia restaurada pôde ser finalmente montada, dando ao filme de Fritz Lang uma dimensão mais ampla, com toda a dramaticidade concebida pelo cineasta. Vamos examinar rapidamente a sua sinopse:
Metropolis se passa no então longínquo ano de 2026, na cidade cujo nome dá título ao filme. Os ricos industriais e homens de negócios vivem na superfície, habitando enormes arranha-céus e viajando em máquinas voadoras e trens velozes. No subterrâneo, a classe trabalhadora, maltratada, vegeta em pobreza. O jovem e privilegiado Freder (Gustav Fröhlich), filho do governante, Joh Fredersen (Alfred Abel), se apaixona por Maria (Brigitte Helm), uma espécie de líder revolucionária. Quando descobre toda verdade sobre a estrutura injusta que mantém os privilégios do seu mundo perfeito, o jovem herdeiro do poder passa a ajudar os trabalhadores. Então seu pai ordena que o cientista Rotwang (Rudolf Klein-Rogge) construa uma réplica robótica de Maria, para que possa controlar as massas. Mas o vingativo cientista tem outros planos: quer usar o robô para depor Fredersen e destruir Metrópolis. Enquanto Freder tenta salvar a verdadeira Maria, tem início uma sequência épica de revoltas, tumultos e destruições, num retrato expressionista do que poderá vir a ser o caos no mundo futurista de 2026.
O roteiro de Metrópolis foi inteiramente creditado à esposa de Fritz Lang, Thea Von Harbou, o que é curioso, já que naqueles tempos, o gênero ficção científica era frequentado basicamente por homens – era tolice a ideia de uma mulher ser capaz conceber uma criação tão... futurista. O fato é que ela foi a roteirista que escreveu quase todos os filmes da fase expressionista da carreira do cineasta.
A realização de Metrópolis exigiu um esforço descomunal no campo dos efeitos especiais. O processo de construção de grandes cenários e sua fusão com maquetes em escala, em processos óticos e de laboratório, foi bastante sofisticado para a época. A natureza industrial do cinema e o imperativo técnico ditaram um novo padrão de produção, que foi rapidamente incorporado por Hollywood.
A criação visual de Fritz Lang também acabou influenciando o trabalho de muitos cineastas que lidaram com a ficção científica – as imagens das megaestruturas corporativas na Los Angeles futurista de Blade Runner – O Caçador de Androides, que lembram a Torre de Babel em Metrópolis; o atrapalhado androide C3PO da saga Guerra nas Estrelas, que se parece com a robô criada para substituir Maria... São bons exemplos!
Superada a fase arqueológica de Metrópolis, que marcou o filme por quase 90 anos, finalmente temos agora a oportunidade de examinar com mais critério essa criação de Fritz Lang. Com um enredo um tanto tolo e maniqueísta, repleto de personagens estereotipados, o filme hesita entre críticas ao capitalismo e as denúncias sobre os horrores dos regimes totalitários. Não se aprofunda nas angústias individuais diante do imperativo tecnológico que anuncia. Não é de se espantar que tenha sido um grande fracasso de bilheteria. Ainda assim, seu legado artístico e técnico é valioso.
Resenha crítica do filme Metrópolis
Ano de produção: 1927Direção: Fritz Lang
Roteiro: Thea von Harbou
Elenco: Alfred Abel, Gustav Fröhlich, Rudolf Klein-Rogge, Fritz Rasp, Theodor Loos, Erwin Biswanger, Heinrich George, Brigitte Helm e Heinrich Gotho
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