72 Horas: escapando da penitenciária

Cena do filme 72 Horas
72 Horas: Direção de Paul Haggis

NO FINAL, PERMANECE A DÚVIDA

Veja que curioso: o que temos aqui é um remake hollywoodiano, com final em aberto, de um original francês com final francamente feliz. Nos acostumamos a ver o cinema americano produzir versões mais palatáveis de dramas amargos, que os europeus fazem questão de cultivar. Mas 72 Horas, dirigido por Paul Haggis em 2010, veio na contramão. Estrelado por Russell Crowe e Elizabeth Banks, esse thriller ágil e repleto de suspense pisa num terreno escorregadio, onde os dilemas éticos e morais pipocam ao longo de todo o enredo.
        Há dois motivos para que o filme tenha ficado assim, tão diferente dos tradicionais thrillers de ação. O primeiro está diretamente relacionado ao diretor. Haggis, que tem predileção pelos dramas densos e com finais contundentes, ganhou destaque na indústria do cinema por dois ótimos filmes. Como roteirista, foi responsável pela criação de Menina de Ouro, dirigido por Clint Eastwood, que lhe valeu o Óscar de melhor roteiro original em 2004. No ano seguinte, lá estava ele novamente, vencendo com Crash: No Limite, que ele mesmo dirigiu.
        Para falar sobre o segundo motivo, precisarei esmiuçar a sinopse de 72 Horas. O filme conta a história de John Brennan (Russell Crowe), um professor de inglês que leciona numa faculdade comunitária e está casado com Lara (Elizabeth Banks), com quem tem um filho pequeno chamado Luke (Ty Simpkins). Formam uma família comum e feliz, mas logo no início, vemos Lara ser acusada e presa por ter assassinado sua chefe. Três anos se passam e ela é definitivamente condenada, porque os promotores têm provas contundentes. Sem mais possibilidades de apelação, John passa a considerar a possibilidade de tirá-la da prisão. Durante três meses traça um plano de fuga que tem tudo para dar errado, pois a penitenciária onde Lara cumpre pena é uma das mais modernas do país. Mas o professor está determinado a arriscar tudo, convicto da inocência da mulher – ainda que ninguém mais ponha a mão no fogo por ela. Quando vem a notícia de que Lara será transferida para outra penitenciária em três dias, tudo assume um sentido de urgência e John coloca seu plano desesperado em ação.
        Em vários aspectos, 72 Horas segue a fórmula clássica dos filmes de fuga da prisão, onde vemos alguém, preso injustamente, fazer o impossível para conseguir uma fuga espetacular. Esse é o caminho seguido em Tudo Por Ela, filme de 2008 dirigido por Fred Cavayé, que serviu de modelo para Paul Haggis. Mas há uma diferença crucial. No filme francês, o espectador sabe desde o início que a mulher é presa injustamente e torce para que o marido consiga fazer justiça e realizar uma fuga redentora. No filme americano, a inocência de Lara não está clara. Apenas seu marido traz essa certeza, mas claramente contaminada por laços emocionais.
        Em 72 Horas, Paul Haggis conseguiu trazer novas camadas para os personagens. Criou uma densidade dramática que não costumamos ver nos filmes de ação. Como uma pessoa comum, John pesquisa na internet para poder desenhar seu plano, assiste a vídeos sobre como arrombar carros, como fabricar chaves mestras, como fugir da prisão... Chega a se consultar com um recordista em fugas (Liam Neeson), para encontrar uma saída viável. Desesperado, se envolve em atos de violência injustificáveis, que lhe roubam a condição de herói. Enquanto isso, acuada, sua mulher não consegue dissipar as dúvidas que passam o tempo todo pela mente do espectador quanto à sua inocência. O enredo incomoda por causa dessa ambiguidade moral, enquanto vemos John se tornar um homem que ele não gostaria de ser, capaz inclusive de deixar o filho para trás em favor de sua obsessão em ter de volta a esposa. Já tem sua família como destruída e está disposto a recuperar qualquer migalha que seja.
        O roteiro escrito por Paul Haggis ressalta todos os ganchos emocionais no primeiro ato, para apresentar no segundo as tentativas do protagonista de desenhar seu plano, enquanto tropeça em erros óbvios. No terceiro ato, ele tem que tomar decisões difíceis. Tenta chegar ao mesmo final feliz arquitetado no filme francês. Mas aqui as feridas estão abertas demais. Conseguir escapar é apenas parte do problema e ninguém pode garantir que a família Brennan voltará a ser feliz. Já no filme francês, os realizadores trataram de deixar claro, desde as primeiras cenas, que a esposa é inocente. Que há amor entre o casal e que o marido fará de tudo para livrá-la. Escapam e levam o filho para uma nova vida, mais feliz.
        Em 72 Horas, ficamos apenas com a incômoda cena no final, editada em flashback, em que um detetive examina novamente a cena do crime e imagina que o assassino bem que poderia ter sido outra pessoa, mas ainda assim não fica nada conclusivo. É Hollywood a entregar um thriller com final em aberto. Coisa rara!

Resenha crítica do filme 72 horas

Título original: The Next Three Days
Ano de produção: 2010
Direção: Paul Haggis
Roteiro: Guillaume Lemans, Fred Cavayé e Paul Haggis
Elenco: Russell Crowe, Elizabeth Banks, Brian Dennehy, Lennie James, Olivia Wilde, Ty Simpkins, Helen Carey, Liam Neeson, Daniel Stern, Kevin Corrigan, Jason Beghe, Aisha Hinds, Tyrone Giordano, Jonathan Tucker, Allan Steele, Robert Diggs, Moran Atias, Michael Buie, Trudie Styler, Tyler M Green e Kaitlyn Wylde

Comentários

  1. Achei o final feliz e mostra sim wue ela é inocente .a cena final no hotel na Venezuela ( acho ) onde mostra o filho abraçando a mãe e ele tirando uma foto , é bem feluz .

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Ah, existe ali uma forte sensação de alívio! Não diria que se trata de felicidade, pois há o temor de serem encontrados e de que jamais consigam levar a vida tranquila de antes. Além do mais, os atos violentos que precisaram praticar certamente cobrarão o preço.

      Excluir

Postar um comentário

Confira também:

Menina de Ouro: a história de Maggie Fitzgerald é real?

Tempestade Infinita: drama real de resiliência e superação

Siga a Crônica de Cinema