Cinema Paradiso: a comovente história de Totò e Alfredo
Cinema Paradiso: direção de Giuseppe Tornatore
UMA DECLARAÇÃO DE AMOR AO CINEMA
Não falo italiano, nem sequer tenho ascendência italiana, mas quando assisto a filmes falados nesse idioma, sou assaltado por uma inexplicável sensação de familiaridade. A prosódia e a musicalidade me encantam e às vezes, quando deixo a sala de exibição, me pego até mesmo emulando o gestual peculiar e a fala expansiva que estereotipam os italianos. Não o faço por gozação. Apenas me ponho num estado de espírito mais... latino! Filmes de Fellini sempre me provocaram dessa forma, porque o mestre parecia tirar o máximo proveito do ser italiano. Mas nenhum cineasta me despertou mais “italianices” do que Giuseppe Tornatore, com seu Cinema Paradiso, realizado em 1988. O filme registrou um alinhamento perfeito de alguns temas que me são caros: a paixão pelo cinema, a perda prematura do pai e o minucioso desenvolvimento interno da figura paterna.Quando Tornatore filmou Cinema Paradiso, que lhe rendeu o Óscar de melhor filme de língua estrangeira e o prêmio especial do júri no Festival de Cannes, tinha apenas 31 anos. Apesar de não ter inserido traços autobiográficos no seu roteiro, certamente o recheou com verdades emocionais extraídas da sua própria experiência de vida. Ele conta que em 1977 estava trabalhando como projecionista em sua aldeia, na Sicília, quando ajudou no desmonte de uma antiga sala de cinema. A atmosfera de tristeza que respirou por quatro dias acabou lhe inspirando a história, que passou a desenvolver ao longo dos anos. Seu plano era realizá-la em filme quando contasse uma idade de maior maturidade, mas seu produtor, Franco Cristaldi, apaixonou-se ao ler o roteiro. Para nossa sorte, decidiu abraçar o projeto de imediato.
Assistir a essa comédia dramática é um exercício de sublimação de todos os problemas do cotidiano. É entrar em uma espécie de limbo emocional, onde a inocência da infância volta a governar os impulsos. É embriagar-se com o clima de nostalgia e romantismo, alcançando o regozijo estético diante de tanta beleza e sinceridade. É render-se à magia do cinema e aos mistérios narrativos que encantam a todos os que apreciam a arte de contar histórias. Em Cinema Paradiso, realidade e imaginação dividem o mesmo espaço, ocupado também por personagens visionários, sonhadores e de uma sensibilidade tocante. Mas antes de continuar, vale a pena conferir a sinopse do filme:
Cinema Paradiso conta a história de Salvatore Di Vita (Jacques Perrin), um cineasta de sucesso, que recebe a notícia da morte de um certo Alfredo. Transtornado, o personagem mergulha em suas memórias, narradas por meio de um longo flashback. O que passamos a acompanhar é a tenra infância de Salvatore, então chamado pelo apelido de Totò (Salvatore Cascio). Aos oito anos, ele é esperto e travesso. Vive com a mãe numa pequena aldeia da Sicília e se põe em constante estado de espera pelo pai, que jamais retornou da guerra. É coroinha e depois da missa, sempre que pode, trata de escapar para o cinema, cujo proprietário é o próprio padre. Além de espiar as projeções, faz companhia ao tal Alfredo (Philippe Noiret) o projecionista, que tem idade para ser seu pai. Aos poucos, os vínculos de amizade entre os dois vão se fortalecendo. Alfredo ensina Totò a operar os projetores e a cultivar o amor pelo cinema, enquanto a vida segue pulsante na pequena aldeia, onde o Cinema Paradiso serve de janela para o mundo e reúne uma variedade de tipos pitorescos. Enquanto os anos passam, acompanhamos os dramas pessoais do agora jovem Totò (Marco Leonardi), que vive uma paixão adolescente por Elena (Agnese Nano). Porém, o rapaz continua sempre ligado ao amigo Alfredo, que faz de tudo para que ele ganhe o mundo, viva novos amores e lute para realizar seus sonhos.
Realizado como uma sincera declaração de amor à sétima arte, Cinema Paradiso arrebanhou fãs incondicionais por todo o mundo. Tornou-se o filme predileto de uma legião de cinéfilos, que cultuam a obra com fervorosa devoção. Porém, curiosamente, quando foi lançado na Itália em 1988, o filme experimentou um grande fracasso nas bilheterias. Os produtores logo se apressaram a concluir que o motivo estava na sua longa duração, de praticamente três horas. Insistiram para que Tornatore o reduzisse para apenas duas horas e o diretor então se viu obrigado a excluir 26 minutos finais. Depois de ser premiado no Óscar e em Cannes, a reputação do filme decolou.
O corte do diretor, com 173 minutos, segue Salvatore após o funeral de Alfredo, quando ele reencontra Elena (Brigitte Fossey) sua paixão da adolescência. Desolado, passa a conhecer um lado sombrio de Alfredo, pois descobre que o amigo interferiu no relacionamento entre os dois, pedindo a Elena que não tornasse a vê-lo. Temia que o romance desviasse as atenções de Totò e o impedisse de se tornar o cineasta de sucesso que estava destinado a ser. Há um clima de melancolia nesse final originalmente concebido pelo diretor, que destaca outras camadas dos personagens, mas que fica ausente na versão dos produtores.
Felizmente, a essência de Cinema Paradiso permanece intacta na versão que conquistou o grande público. Suas cenas memoráveis, pontuadas pela trilha sonora magistral composta por Ennio Morricone, conseguem sintetizar a natureza poética que costumamos encontrar no cinema italiano. Mas há outra curiosidade: os três papéis principais são desempenhados por grandes atores franceses: Philippe Noiret, Jacques Perrin e Brigitte Fossey – essa última, presente apenas na versão estendida. Seja como for, sempre que visito essa obra memorável de Giuseppe Tornatore termino com vontade de aprender a falar italiano. Ainda mais agora, que o diretor está empenhado no projeto de lançar uma série para a TV, intitulada Paradiso, onde pretende expandir as histórias de vários personagens. Vamos esperar ansiosos!
Resenha crítica do filme Cinema Paradiso
Título original: Nuovo Cinema ParadisoTítulo em Portugal: Cinema Paraíso
Ano de produção: 1988
Direção: Giuseppe Tornatore
Roteiro: Giuseppe Tornatore
Elenco: Philippe Noiret, Salvatore Cascio, Marco Leonardi, Jacques Perrin, Agnese Nano, Brigitte Fossey, Antonella Attili, Pupella Maggio, Enzo Cannavale, Isa Danieli, Leopoldo Trieste, Roberta Lena, Nino Terzo, Leo Gullotta, Tano Cimarosa e Nicola Di Pinto
Filme maravilhoso - excelente crônica.
ResponderExcluirMuito obrigado! Esse filme mexe com a imaginação e também nos faz resgatar memórias valiosas. É sempre um prazer revisitá-lo!
ResponderExcluirQue beleza de texto. Parabéns! Um dos mais lindos filmes do cinema.
ResponderExcluirAh, JC Celilio, muitíssimo obrigado! Esse filme é inspirador! Valeu!
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