O Espião Inglês: história real de um homem comum colhido pela guerra fria
O Espião Inglês: direção de Dominic Cooke
UM THRILLER ORIGINAL E MEMORÁVEL
Serviços investigativos sempre me deixam esgotado. O pior deles é sentar diante da TV e investigar a oferta nos serviços de streaming, até encontrar um bom filme. Na maioria das vezes me detenho num título conhecido, ao qual já assisti uma ou duas vezes, mas que é confiável o bastante para garantir momentos de agradável entretenimento. Raramente me deparo com algo novo, que desperte minha empolgação. Outro dia tive sorte: encontrei a capa de O Espião Inglês, dirigido em 2020 por Dominic Cooke, onde reconheci a foto do ator Benedict Cumberbatch.– Esse talvez valha a pena conferir! – pensei, enquanto dedilhava no celular em busca de mais informações.
Foi um grande erro! Caí num desses sites de cinema apressados, que pautam suas críticas por algum viés ideológico, onde rotularam esse filme como... esquecível. Apesar de envolvente, dizem eles, não inova. Senti-me provocado. Fui para outro site, que só apresenta as sinopses dos filmes e me inteirei sobre o tema. Depois, apertei o play, apenas para tirar minhas próprias conclusões. Como suspeitava, O Espião Inglês é um ótimo filme. Envolvente, conforme disseram, mas um drama original, que foge dos clichês do gênero espionagem e apresenta seus personagens em tons mais humanos.
De imediato compreendi o porquê do nariz torcido para essa produção inglesa. Ela resgata uma história real, passada durante o auge da guerra fria, em plena crise dos mísseis em Cuba em 1962, quando o planeta esteve à beira de uma guerra nuclear. Americanos e soviéticos estiveram muito perto de apertar o botão do fim do mundo, mas graças a um excelente trabalho diplomático – e de espionagem – os comunistas removeram as bombas plantadas no quintal dos americanos. Em O Espião Inglês, essa história fica apenas como pano de fundo. Os realizadores preferiram focalizar o drama pessoal dos agentes secretos – ou não tão secretos – que se arriscaram para descobrir o real potencial bélico dos soviéticos e escancarar suas estratégias. A sinopse do filme é, por si só, surpreendente:
No início dos anos 1960, um oficial soviético do alto escalão resolveu fornecer aos britânicos informações ultrassecretas sobre o seu programa nuclear. Era Oleg Penkovsky (Merab Ninidze), um general decidido a desertar da cortina de ferro. A CIA e o MI-6 encontram uma forma engenhosa de pôr as mãos nas informações que ele estava disposto a revelar, sem denunciá-lo: recrutaram um cidadão comum, insuspeito, que fazia seguidas viagens de negócios ao leste europeu, para servir de mensageiro. Era Greville Wynne (Benedict Cumberbatch), um vendedor habilidoso interessado apenas em ganhar dinheiro na cortina de ferro. Em pouco tempo os dois iniciaram um tráfico regular de mensagens, que deu ao ocidente uma grande dianteira na corrida armamentista e revelou as verdadeiras intenções dos soviéticos. Para Oleg Penkovsky, o que estava em jogo era a própria vida e a integridade da sua família. Para Greville Wynne, a motivação era fazer a coisa certa, pelo futuro da sua família e do seu país. Entre ambos nasceu uma forte amizade, baseada nos valores éticos que compartilhavam. Destemidos, continuaram suas missões. Desafiaram a vigilância do estado comunista e se arriscaram a terminar na prisão. Foram até as últimas consequências para evitar uma catástrofe nuclear global.
O Espião Inglês nasceu quando o roteirista Tom O'Connor fuçava os livros sobre a história da espionagem na guerra fria e percebeu que o general Oleg Penkovsky era uma das mais importantes fontes dos americanos. Por meio de uma nota de rodapé, viu que o contato dele era um civil britânico chamado Greville Wynne. Pronto! Farejou uma ótima história. Percebeu a oportunidade de realizar um filme de espionagem com foco emocional, para enaltecer o valor da amizade entre os espiões e manter um pano de fundo real e eletrizante. Pesquisou e, ainda que muitos fatos permaneçam confidenciais, encontrou o suficiente para desenhar retratos acabados de ambos os personagens, que são citados em vários livros. O próprio Wynne chegou a escrever uma autobiografia, publicada em 1967 com o título The Man From Moscow: The Story of Wynne and Penkovsky. Mas o roteirista a descartou, já que pairam muitas dúvidas sobre a veracidade das informações nela reveladas.
O diretor Dominic Cooke, experiente no teatro e no cinema, ingressou no projeto disposto a realizar um thriller de espionagem, mas o temperou com elementos de drama e passagens de humor. Fez um filme sobre os horrores da prisão. Seu grande mérito foi o de evocar a atmosfera certa em cada um dos três atos do filme. Fez isso depois de testar a película no Sundance Film Festival em 2020, onde foi lançada com o título de Ironbark. O novo corte do diretor, agora batizado de O Espião Inglês, suavizou as passagens de humor no primeiro ato e resgatou o tom emocional sobre o valor da amizade e da lealdade. Assim, ampliaou a força dramática do filme.
A trilha sonora composta pelo polonês Abel Korzeniowski, tenta conduzir as reações emocionais do espectador, nos moldes daquilo que Bernard Hermann fazia com brilhantismo nos thrillers de Alfred Hitchcock. Mas o diretor Dominic Cooke sabiamente evitou o excesso de maniqueísmo. Aqui, o que fala mais alto é mesmo o desempenho de Benedict Cumberbatch. No começo ele interpreta um homem comum, com certo senso de humor, que se envolve num jogo de espionagem cujo real alcance não consegue entender. Segue balizado por seus valores e termina por viver uma provação espetacular. Cumberbatch entrega uma atuação impressionante, que revela seu personagem em todas as tonalidades. Ainda bem que reconheci sua foto na capa de O Espião Inglês e me animei a conferir. Se tivesse ficado com a opinião do tal site ideologicamente engajado, teria perdido um ótimo filme.
Resenha crítica do filme O Espião Inglês
Título original: The CourrierAno de produção: 2020
Direção: Dominic Cooke
Roteiro: Tom O’Connor
Elenco: Benedict Cumberbatch, Merab Ninidze, Rachel Brosnahan, Jessie Buckley, Angus Wright, Kirill Pirogov, Keir Hills, Maria Mironova, Emma Penzina, Željko Ivanek, Vladimir Chuprikov, Anton Lesser e Alice Orr-Ewing
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