Sleepers: A Vingança Adormecida: uma história real, mas não muito

Cena do filme Sleepers: A Vingança Adormecida
Sleepers: A Vinganã Adormecida: Direção de Barry Levinson

A VERACIDADE FICA EM SEGUNDO PLANO

Realidade e ficção são dois conceitos antagônicos, que sempre ocuparam lugar central na criação literária. Histórias que aconteceram de fato, ainda que contadas com ênfase na dramatização, ganham profundidade emocional e arrebatam a atenção do leitor. Histórias inventadas, costuradas com engenhosidade, ganham verossimilhança e geram encantamento. Porém, quando a fronteira entre realidade e ficção se confunde, quem surge para atrapalhar é o descrédito, que compromete o alcance da obra. Por certo que na pena de um Jorge Luis Borges, as tintas da fantasia, do sonho e da realidade conseguem criar um universo ampliado, para deleite dos aficionados por boas histórias, mas entrar no terreno do realismo fantástico não foi a intenção do escritor americano Lorenzo Carcaterra, ao publicar seu romance Sleepers, em 1995. Disposto a causar impacto, ele garantiu que sua triste história era verdadeira e a contou com eloquência. Já no ano seguinte, o diretor Barry Levinson lançou uma adaptação para o cinema, intitulada Sleepers: A Vingança Adormecida. Em pouco tempo a veracidade da história terminou questionada.
        Um elenco com diversos nomes de peso, como Kevin Bacon, Brad Pitt, Robert De Niro, Dustin Hoffman, e Vittorio Gassman, atraiu o público e garantiu um ótimo desempenho nas bilheterias. Mas atraiu também a atenção de críticos e jornalistas, que não concordaram em pôr o rótulo de não-ficção nesse drama. Com base em investigações e depoimentos, concluíram que se trata de um falso relato. Em sua defesa, Carcaterra alegou que a história é verdadeira, mas mudou datas e nomes para proteger pessoas e instituições. Colocado contra a parede, o autor preferiu se calar. Jamais concedeu entrevistas para esclarecer definitivamente a questão.
        Para os cinéfilos interessados em apreciar um bom filme, a veracidade da história é questão secundária. Sleepers: A Vingança Adormecida é envolvente, bem interpretado e lida com emoções fortes, irradiadas por personagens bem construídos. Mostra como um incidente tratado como brincadeira, que dá errado, é capaz de mudar o destino de muitas pessoas. Mas antes de continuar, vejamos a sinopse:
        Em 1967, quatro garotos vivem em Manhattan, na região conhecida como Hell's Kitchen, reduto de trabalhadores pobres e imigrantes irlandeses. Lorenzo Carcaterra (Joseph Perrino), Michael Sullivan (Brad Renfro), Tommy Marcano (Jonathan Tucker) e John Reilly (Geoffrey Wigdor) transitam com naturalidade entre os habitantes, inclusive aqueles que se põem à margem da lei. O padre Robert Carillo (Robert DeNiro) é um amigo e confidente, que os protege e se impõe como modelo, mas não consegue impedir que se metam em encrencas. Quando aprontam com um vendedor de cachorro-quente, por pouco não o matam. São detidos e sentenciados a passar um ano num reformatório. É lá que conhecerão o inferno! Serão violentados e abusados sexualmente de forma sistemática por quatro guardas, liderados por Sean Nokes (Kevin Bacon). O suplício dura todo o ano e finalmente, ao ganhar liberdade, os garotos fazem um pacto de silêncio. Jamais falarão sobre os abusos que sofreram. Eis que, passados treze anos, os fantasmas voltam a assombrar. Tommy (Billy Crudup) e John (Ron Eldard), que se tornaram capangas do crime organizado, topam com Nokes em um pub e embarcam numa tempestade emocional: num ímpeto vingativo, matam o algoz a tiros. São presos e vão a julgamento. Mas Lorenzo (Jason Patric), que se tornou jornalista e Michael (Brad Pitt), que se tornou promotor-assistente, traçam um plano ousado para defende-los, ainda que isso custe revirar os traumas do passado.
        Os dirigentes da escola e da igreja mencionadas no livro questionaram com veemência toda essa história. Também não há registros de casos similares no escritório da promotoria de Manhattan. Mesmo se houvesse, um promotor-assistente jamais seria designado para um caso de homicídio. Mas, para o diretor Barry Levinson, nada disso tira a credibilidade da história, que vem ancorada em verdades emocionais autênticas. Ele lembra que Carcaterra foi corajoso ao descrever com minúcias a violência sexual que sofreu e, por meio da sua narrativa, conseguiu sublimar os traumas terríveis. De quebra, aborda temas auspiciosos, como a natureza da amizade e a noção de pertencimento a uma comunidade.
        Experiente, Barry Levinson dirigiu filmes como Rain Man e Bom Dia Vietnam. Ele mesmo assina o roteiro de Sleepers: A Vingança Adormecida, numa adaptação competente. Seu primeiro ato chega a reproduzir a narrativa envolvente que vemos, por exemplo, no filme Os Bons Companheiros, de Martin Scorsese. No segundo ato ele convence ao focalizar o dilema moral enfrentado pelo padre Bobby, interpretado com grande competência por Robert DeNiro. No terceiro ato, há uma perda de ritmo, com algumas cenas expositivas desnecessárias, mas nada que tire a atenção do espetador. Aliás, o elenco experiente cumpre a promessa e entrega ótimas atuações.
        Ex-repórter do Daily News, Lorenzo Carcaterra escreveu vários outros romances e roteiros para o cinema. Trabalhou inclusive como roteirista e produtor na série de TV Law & Order. Logo no começo da carreira, fez um bom dinheiro ao vender os direitos de Sleepers: A Vingança Adormecida, o que pode ter despertado invejas e alimentado as polêmicas. Mas também deixou evidente seu grande senso de oportunidade: publicou um romance onde a profundidade emocional das histórias baseadas em fatos vem combinada com a liberdade imaginativa da ficção.

Resenha crítica do filme Sleepers: A Vingança Adormecida

Título original: Sleepers
Título em Portugal: Sleepers: Sentimento de Revolta
Ano de produção: 1996
Direção: Barry Levinson
Roteiro: Barry Levinson
Elenco: Kevin Bacon, Robert De Niro, Billy Crudup, Jonathan Tucker, Ron Eldard, Geoffrey Wigdor, Minnie Driver, Vittorio Gassman, Sean Patrick Reilly, Dustin Hoffman, Terry Kinney, Frank Medrano, Brad Pitt, Brad Renfro, Jason Patric, Joseph Perrino, Bruno Kirby, Casandra Brooks, Ben Hammer e Aida Turturro

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