Nada de Novo no Front: jovens matando jovens numa guerra sem sentido

Cena do filme Nada de Novo no Front
Nada de Novo no Front: direção de Edward Berger

ENFIM, UMA ADAPTAÇÃO ALEMÃ DESSE CLÁSSICO ANTIGUERRA

O título do livro Nada de Novo no Front, escrito em 1929 por Erich Maria Remarque, tem ligação direta com seu epílogo. O protagonista, o recruta Paul Bäumer, encontra seu trágico destino alguns dias antes do término da guerra, de modo corriqueiro, num dia tão calmo, que o relatório do exército se limitou a reportar que nada digno de nota acontecia no front de batalha naquela data. Tal ironia não é sequer citada no remake de Nada de Novo no Front, realizado em 2022 pelo diretor alemão Edward Berger. Outras passagens do livro também são omitidas no filme, enquanto grande quantidade de detalhes são acrescentados livremente pelo diretor e seus corroteiristas, o que levou muitos críticos a questionar a qualidade dessa adaptação. Mas Berger tem argumentos para sustentar o posicionamento que assumiu – talvez, além da adequação às necessidades dramáticas da narrativa audiovisual, o mais sólido deles seja mesmo o aspecto comercial, já que o filme assume sua candidatura ao Óscar. Mas antes de entrar nessa seara, é bom lembrar mais sobre o importante livro que o originou.
        Erich Maria Remarque escreveu um clássico antiguerra, que descreve os horrores dos campos de batalha da Primeira Guerra Mundial, testemunhados por um soldado alemão. Nada de Novo no Front se concentra nas histórias de bravura em batalha, escancarando com realismo e crueza a triste condição dos jovens que lutaram apenas para sobreviver. Quando o protagonista volta temporariamente para casa, o que encontra é uma Alemanha embriagada com a fantasia de que seu exército marcha triunfante para Paris. Depois de conhecer a total indiferença da vida civil com a realidade da guerra, ele retorna para o front e continua a matança sem sentido e inútil
        O próprio autor tinha dezoito ou dezenove anos quando serviu no front de batalha em Flandres, em 1917. Viveu os horrores da guerra por algumas semanas, quando foi ferido. Passou o resto do conflito em um hospital militar na Alemanha, onde escreveu um relato com grande relevância literária – que lhe rendeu fama mundial e também o ódio dos nazistas, já que sua narrativa é essencialmente antibelicista e contra o nacionalismo militarizado.
        Esse é justamente o ponto mais importante sobre esse remake de 2022. O espectador de hoje compreende a Primeira Guerra Mundial como um prenúncio do nacional-socialismo, que convulsionou a Europa e deflagrou a Segunda Guerra Mundial. Mas o livro de Remarque, escrito no calor dos acontecimentos, não oferece essa visão. Nem tampouco a primeira adaptação para o cinema, produzida em 1930 pelos estúdios Universal, que venceu o Óscar em duas categorias: melhor filme e melhor diretor, para Lewis Mileston. O que agora o diretor Edward Berger se propôs a realizar foi a primeira adaptação alemã de Nada de Novo no Front, uma história que toca em pontos sensíveis para o seu país e seu povo. A perspectiva dos alemães é diferente daquela que normalmente vemos pelas lentes dos britânicos ou dos americanos. Na posição de atacados, em luta para defender sua nação, estes últimos tendem a enaltecer os feitos heroicos, mas um filme alemão tem que ser mais... responsável.
        Pensando assim, o diretor se preocupou em acrescentar todo um núcleo dramático inexistente no livro, para narrar o esforço empreendido pelo político Matthias Erzberger, vivido por Daniel Brühl, que liderou as negociações do armistício com a França. Dessa forma, seu filme oferece uma visão de futuro, ao lembrar que esse esforço de paz foi distorcido pelos nazistas. Eles espalharam a mentira de que, por meio das negociações, os políticos da então República de Weimar traíram os interesses da pátria e esfaquearam seu povo pelas costas. Uma tal mentira viabilizou a ascensão de Hitler e legitimou uma nova guerra, ainda mais horrenda.
        Em Nada de Novo no Front, acompanhamos o jovem Paul Bäumer (Felix Kammerer) e vários de seus amigos, todos ansiosos para lutar contra a França. Manipulados por professores demagogos, estão certos de que a guerra violenta é um recurso legítimo e seguem cheios de entusiasmo para as trincheiras. É lá, em meio à lama e à degradação moral que perderão a juventude e se tornarão máquinas de matar desumanizadas, em nome de uma causa coletiva despropositada. O protagonista então conhece Stanislaus Katczinsky (Albrecht Schuch), que se torna seu mentor – praticamente um irmão mais velho – e o ensina sobre o dia-a-dia da guerra e como sobreviver a ela. Acompanhar essa trajetória, para o espectador, será uma tarefa penosa e extenuante. O diretor é competente em nos fazer sentir desconfortáveis. Mantém a tensão em pico constante, envolta em uma atmosfera nauseante de pavor e estupefação. Sua câmera persegue o protagonista com tenacidade jornalística, ritmada por uma trilha sonora nervosa. É assim que nos transporta para o front, sempre atrás de Paul Bäumer.
        Os sets construídos pelos realizadores são tão realistas quanto enormes. A lama, os figurinos, o sangue as explosões, os tiros... Tudo é exibido na tela com peso e densidade, em cores tristes e desbotadas. A autenticidade foi garantida pela supervisão de consultores militares e a presença de 1.500 figurantes resgata a força dramática que já nos acostumamos a ver exibida nos grandes dramas de guerra. Edward Berger exercitou seu cinema planejado em detalhes. Priorizou as cenas de batalha, mas sem esquecer de focalizar o drama de seu protagonista. Ainda que tenha omitido – e até mesmo encurtado – diversas passagens do livro de Erich Maria Remarque, manteve a essência de Nada de Novo no Front: realizou um filme antiguerra, dedicado a mostrar que os jovens, com as mentes lavadas pelas ideologias coletivistas, são sempre as primeiras vítimas dos demagogos inescrupulosos.

Resenha crítica do filme Nada de Novo no Front

Título original: Im Westen nichts Neues
Ano de produção: 2022
Direção: Edward Berger
Roteiro: Edward Berger, Lesley Paterson e Ian Stokell
Elenco: Felix Kammerer, Albrecht Schuch, Aaron Hilmer, Moritz Klaus, Edin Hasanović, Thibault de Montalembert, Daniel Brühl, Devid Striesow, Adrian Grünewald, Andreas Döhler, Jakob Schmidt, Friedrich Berger e Michael Wittenborn

Comentários

Postar um comentário

Confira também:

Menina de Ouro: a história de Maggie Fitzgerald é real?

Tempestade Infinita: drama real de resiliência e superação

Siga a Crônica de Cinema