O Homem Bicentenário: baseado em um conto de Isaac Asimov
O Homem Bicentenário: direção de Chris Columbus
EXCESSO DE SENTIMENTALISMO E PRESSA EM FAZER RIR
A comédia Uma Babá Quase Perfeita, dirigida por Chris Columbus e estrelada por Robin Williams, tornou-se um estrondoso sucesso no verão de 1993. Em 1999, o estúdio – a Disney – tratou de repetir a dose, apostando que o filme O Homem Bicentenário alcançaria os mesmos resultados nas bilheterias. Convocou o diretor badalado e o astro consagrado novamente, mas dessa vez deu tudo errado! O filme naufragou estrondosamente e deixou legiões de espectadores decepcionados. Ao invés de uma comédia ágil e leve, toparam com uma história sentimental, densa e pontuada de reflexões. Os poucos rompantes de humor terminaram diluídos ao longo das duas horas e dez minutos de duração.Os estrategistas de marketing responsáveis pela divulgação do filme tiveram suas orelhas puxadas e com razão. Seus trailers e materiais promocionais insistiam em vender O Homem Bicentenário como uma comédia, mas a promessa jamais foi entregue. Passadas duas décadas, os cinéfilos já têm claro que se trata de uma comédia dramática, com doses generosas de ótima ficção científica, criativa e instigante. Mas isso está longe de significar uma redenção para essa produção endinheirada e realizada com grande apuro técnico. As falhas continuam todas lá, gritando!
O Homem Bicentenário surgiu num conto originalmente escrito por Isaac Asimov e publicado na coletânea de contos de 1976 intitulada O Homem Bicentenário e Outras Histórias. O protagonista é Andrew Martin, um androide inteligente e dotado de criatividade, que clama por liberdade e almeja se tornar humano. O renomado autor, considerado um dos grandes nomes da ficção científica, criou a história atendendo a uma encomenda de editores interessados em lançar uma publicação comemorativa ao bicentenário da Independência dos Estados Unidos. Mais tarde Asimov ampliaria a história, escrevendo em parceria com Robert Silverberg o livro O Homem Positrônico, publicado em 1992, que foi então adaptado para as telas. Vejamos a sinopse do filme:
Em 2005, a abastada família Martin recebe em sua mansão um eletrodoméstico recém adquirido: um robô da série NDR (Robin Williams). Ele sai de sua embalagem metálica e se apresenta, recitando as três leis da robótica criadas por Asimov, mas não impressiona ninguém. Com o tempo, se torna parte da família e ganha o nome de Andrew – Amanda (Hallie Kate Eisenberg), a filha mais nova de sete anos, confunde as palavras androide e Andrew! Quando percebe que ele não é um robô típico, pois expressa emoções e tem pensamentos criativos, Richard Martin (Sam Neill), o patriarca da família, o leva até o fabricante, que considera tais comportamentos como defeito. A proposta é fazer a troca do produto e destruir o robô “danificado”. Indignado, Richard decide ficar com Andrew e o estimula a desenvolver seus dons. Anos depois, o robô recebe aperfeiçoamentos no rosto, para poder comunicar-se de modo mais emocional com os humanos, especialmente com Amanda (agora vivida por Embeth Davidtz), com quem se afeiçoa especialmente. A família Martin envelhece, mas Andrew permanece parado no tempo. Ele vê morrer aqueles com quem estabeleceu fortes laços afetivos e não consegue lidar com a dor da perda. Separa-se da família Martin e passa a levar uma vida independente e autônoma. Parte em busca de outros robôs da série NDR, na esperança de encontrar alguém como ele. Encontra Galatea, que foi modificada pelo inventor Rupert Burns (Oliver Platt), um gênio da robótica. Com sua ajuda Andrew conseguirá ganhar uma aparência cada vez mais humana e levar a cabo seu mais audacioso plano: tornar-se humano e assim conquistar a... mortalidade!
Isaac Asimov foi um autor prolífico e se envolveu com mais de 500 livros. Para O Homem Positrônico ele construiu uma história de certa forma sombria, onde toca em temas contundentes, como a mortalidade que faz parte da condição humana, a dimensão emocional que traz refinamento à inteligência e até mesmo a necessidade de se respeitar os direitos civis dos seres sintéticos. Adotando um tom introspectivo e racional, o autor fez Andrew Martin passar por situações limites ao longo de 200 anos, muitas delas omitidas nesta adaptação para as telas. Embora as linhas gerais tenham sido preservadas, o filme ganhou um tom mais... meloso. Isso foi obra do roteirista Nicholas Kazan.
Interessados em ressaltar o lado sentimental da história, os produtores contrataram o filho do famoso diretor Elia Kazan, para escrever o roteiro de O Homem Bicentenário. Nicholas Kazan concebeu uma comédia dramática com toques de fantasia e ficção científica, centrada numa história de amor. O protagonista descreve um arco imenso, desde o seu crescimento emocional até a sua morte. No primeiro ato, o roteirista acertou ao dramatizar os conflitos entre o ser sintético e o ser humano, mas tropeçou no longo segundo ato, quando caiu na tentação dos clichês fáceis e no excesso de comédia um tanto desajeitada e pontuada por diálogos sem graça. Ainda assim, o roteiro de Kazan despertou o interesse do diretor Chris Columbus e do ator Robin Williams, que abraçara o projeto com entusiasmo.
Assistindo ao filme recentemente, notei que os efeitos visuais são tecnicamente bem resolvidos e usados com pertinência, o que contou pontos favoráveis no quesito ficção científica. Por outro lado, ao confinar a maior parte das cenas em ambientes internos, o diretor perdeu a chance de desenvolver um visual mais contundente e memorável. Sua direção – e o uso manipulador da trilha sonora composta por James Horner – celebra o sentimentalismo e parece interessada em provocar mais lágrimas do que risos.
Robin Williams tem presença, carisma e talento de sobra para construir um personagem com certa complexidade. Segura as pontas do filme, mas parece estar sobrecarregado com a necessidade de fazer humor e ao mesmo tempo ser obrigado a se derreter em sentimentalismo.
Minha conclusão é que Hollywood ainda está devendo uma leitura mais séria da obra de Isaac Asimov. Talvez o próprio romance O Homem Positrônico possa ganhar uma segunda chance. Gostaria de ver essa história com a densidade dramática alcançada, por exemplo, pela excelente série Westworld. Mas isso já outra história!
Resenha crítica do filme O Homem Bicentenário
Título original: Bicentennial ManAno de produção: 1999
Direção: Chris Columbus
Roteiro: Nicholas Kazan
Elenco: Robin Williams, Sam Neill, Embeth Davidtz, Hallie Kate Eisenberg, Wendy Crewson, Oliver Platt, Kiersten Warren, Stephen Root, Angela Landis, Lindze Letherman, Bradley Whitford, Igor Hiller, John Michael Higgins, George D. Wallace e Lynne Thigpen
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