O Sétimo Selo: alegoria medieval sobre o medo da morte e o fim dos tempos
O Sétimo Selo: direção de Ingmar Bergman
UM FILME QUE DEIXA MAIS PERGUNTAS DO QUE RESPOSTAS
Na pequena cidade sueca de Täby, ao norte de Estocolmo, há uma igreja medieval, famosa por ter as paredes e o teto pintados por Albertus Pictor, um renomado artista que viveu na segunda metade do século XV. Lá ele deixou uma imagem icônica: um nobre joga uma partida de xadrez com... a morte! Quinhentos anos depois, a obra inspirou o diretor Ingmar Bergman a escrever uma peça de teatro, intitulada Trämålning – em português, algo como Pintura em Madeira. Estruturada em apenas um ato, a peça foi concebida como um exercício para os alunos do curso de formação de atores conduzido pelo diretor. Foi encenada pela primeira vez em 1954, como uma radionovela. Dois anos depois, ganhou o mundo do cinema como O Sétimo Selo, filme que está entre os mais famosos de Bergman.Esse drama existencial ambientado na Idade Média é um filme... difícil! É poético, sombrio e lento, especialmente para os padrões atuais, que exigem velocidade e fúria do começo ao fim! Os cinéfilos compenetrados se deliciam com a profusão de símbolos, com a deslumbrante fotografia em preto-e-branco e com o forte acento da linguagem teatral, marca registrada de Ingmar Bergman. Os jovens, no entanto – ao menos os que conseguem vencer o tédio e chegar até os créditos finais – com frequência se põem frustrados com a falta de respostas: afinal, qual é mesmo o sentido da vida? Há algum sentido na morte? Existe um Deus?
Antes de seguir em frente, creio que será produtivo lembrar aqui qual é o significado do título. O Sétimo Selo se refere a uma passagem bíblica registrada no livro do Apocalipse, que profetiza o fim dos tempos. Ela conta que há na mão de Deus um pergaminho, lacrado com sete selos. Na medida em que cada um dos selos é quebrado, eventos dramáticos acontecem. Os quatro primeiros resultam na vinda dos Cavaleiros do Apocalipse, os demais resultam em acontecimentos catastróficos para a humanidade, mas é a quebra do sétimo selo que efetiva o fim dos tempos. O filme, portanto, flagra seus personagens angustiados com a possibilidade de que o mundo acabe de repente, ou pior, que termine definhando lenta e dolorosamente por causa da peste negra que assola a Europa medieval. Vejamos a sinopse:
O Sétimo Selo conta a história de Antonius Block (Max von Sydow), um cavaleiro que retorna das cruzadas depois de dez anos, em companhia do seu escudeiro Jöns (Gunnar Bjönstrand). Block encontra uma Suécia assolada pela peste e amedrontada com o fim dos tempos. Então, se depara com a personificação da morte e propõe a ela que disputem uma partida de xadrez. Mais do que uma artimanha para ganhar tempo, o cruzado quer aproveitar para discutir sobre o sentido da vida e aplacar suas angustias existenciais, tentando um embate racional com a morte. Ele se diz interessado em dirimir suas dúvidas acerca da existência de Deus, embora não se esforce de verdade para encontrá-lo – nada de orações, confissões ou rituais eucarísticos, como esperaríamos de um cavaleiro medieval. Block está mais interessado em abordagens psicológicas. Sua resistência à morte expressa, no fundo, a humana esperança de realizar algo de significativo antes de partir.
Saturado de símbolos e de críticas religiosas, O Sétimo Selo é um filme corajoso, por trazer à tona uma discussão franca acerca da existência de Deus e da própria vida após a morte, mas não fala propriamente de religião. Fala do impacto que ela tem na psique do homem e na sua organização social. Manifesta a visão pessoal do diretor sobre questões que eram cruciais nos tempos de Guerra Fria, quando o filme foi realizado: a iminência de um apocalipse real, provocado pelo próprio homem e seus brinquedos atômicos. Além disso, as feridas da Segunda Guerra Mundial ainda não estavam cicatrizadas e os horrores do Holocausto continuavam vívidos, lembrando que a humanidade era capaz, sim, de reviver antigos pesadelos medievais. Talvez por isso Bergman tenha se apegado às alegorias sobre a Idade Média, um período da história antes do cientificismo, quando a compreensão do mundo e da natureza era mediada pela religião.
O fato é que, ao construir seu personagem medieval, disposto a questionar a religiosidade pela perspectiva do medo da morte, o diretor criou um ícone poderoso – uma imagem tão conceitual quanto qualquer mensagem publicitária vendedora. Seu cavaleiro jogando xadrez com a morte – e a dança macabra coreografada pelo ceifador implacável – ficaram eternizados na mente do púbico e depois parodiados à exaustão por outros cineastas. O Sétimo Selo se tornou um filme memorável, listado com frequência entre os melhores já realizados na história do cinema. Traz imagens externas primorosas, fotografadas por Gunnar Fischer, e nos apresenta a rostos incrivelmente expressivos, que irradiam teatralidade.
Como diretor de cinema, roteirista e diretor de teatro, Ingmar Bergman construiu sua carreira a partir de uma sólida colaboração com seus atores, mas jamais podemos falar de seus filmes como “teatro filmado”. Nada disso! O diretor sabia usar a dimensão gráfica do cinema para expandir suas inquietações e suas questões existenciais. Em O Sétimo Selo ele se concentrou na tensão entre a fé e a descrença, mas, para frustração dos que esperam respostas, o que fica é um punhado de perguntas impertinentes: afinal, qual é mesmo o sentido da vida? Há algum sentido na morte? Existe um Deus?
Resenha crítica do filme O Sétimo Selo
Título original: Det Sjunde InsegletAno de produção: 1956
Direção: Ingmar Bergman
Roteiro: Ingmar Bergman
Elenco: Gunnar Björnstrand, Bengt Ekerot, Nils Poppe, Max von Sydow, Bibi Andersson, Inga Landgré, Åke Fridell, Inga Gill, Erik Strandmark, Bertil Anderberg, Gunnel Lindblom, Maud Hansson, Gunnar Olsson, Anders Ek, Benkt-Åke Benktsson, Gudrun Brost, Lars Lind, Tor Borong e Harry Asklund
Melgires filmes par mim Deus e o Diabo na Terra do Sol e essa m a rainha, O Sétimo Selo.
ResponderExcluirRevi dia desses. Encontrei na programação de um canal por assinatura, numa tarde de sábado. Foi providencial!
ResponderExcluirEu amei. Já assisti ao filme, e confesso, humildemente, que estou entre os que anseiam por uma resposta definitiva, embora saiba, cada vez mais que é quase impossível obtê-la. Sempre que se trata de questões espinhosas e tão íntimas como crenca em um Deus, vida após a morte e afins. E ainda mais quando se trata de um diretor de arte como Bergman, fica claro que ele não falicitará,, dando uma resposta fechada. Rsrs.
ResponderExcluirGostei, porém das informações sobre a imagem do artista e da referência bíblica sobre sobre o título "O sétimo selo. Não as conhecia portanto, amei. Obrigada pela tão informativa crônica.
acabei de rever. Está no Youtube em versão integral legendada. A propósito, para os que não assinam o Premium deve ser impossível aturar os anúncios entrando de forma afrontosa em meio à narrativa cinematográfica. Um análise informativa, clínica e objetiva de sua parte. Muito boa, em minha opinião. O cerne do filme é realmente essa dúvida existencial colossal que ele expressa sem que receba nenhuma resposta, em um momento em que a vida estava sobre o fio da navalha, em plena peste negra, cercado pela insensatez e crueldade de seus comteporâneos.
ResponderExcluirMuito obrigado pelo seu feedback, Armando. É bom saber que o filme está disponível no YouTube!
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