55 Passos: a história real de Eleanor Riese

Cena do filme 55 Passos
55 Passos: direção de Bille August

A AMIZADE ENTRE DUAS MULHERES MUITO DIFERENTES

O dinamarquês Bille August está entre os mais conceituados diretores de cinema da Europa. Venceu a Palma de Ouro do Festival de Cannes duas vezes: em 1982, pelo filme Pelle, o Conquistador e em 1992, por As Melhores Intenções. Além disso, também traz no currículo os excelentes Trem Noturno para Lisboa e Um Homem de Sorte. Portanto, ao me deparar com seu nome na capa do filme 55 Passos, dei por encerrada minha busca pelos serviços de streaming para aquele domingo à noite. Convidei Ludy, que rapidamente veio se acomodar no sofá, para mais uma excelente sessão de cinema.
        55 Passos é um drama baseado na história real de Eleanor Riese, vivida aqui pela atriz Helena Bonham Carter. Sua trajetória de vida é marcada por dificuldades e sofrimentos. Diagnosticada com esquizofrenia paranóide crônica, tinha a profundidade mental de uma criança de 12 anos, o que jamais a impediu de levar uma vida autônoma e produtiva. Morava sozinha num pequeno apartamento em San Francisco, na Califórnia e se dedicava à sua fé católica. Fabricava terços e conduzia ações de caridade em sua comunidade. Tomava medicamentos antipsicóticos há anos e ainda assim era frequente se deparar com as cruéis crises de pânico, que a faziam confrontar um agudo medo da morte. Quando isso acontecia, ela se internava voluntariamente, mas ficava à mercê dos desmandos dos médicos. Eles sempre exageravam nas doses de medicação e a submetiam a condições penosas, contra a sua vontade.
        Acontece que Eleanor Riese, em 1985, aos 41 anos, decidiu dar um basta na ditadura dos médicos especialistas. O que ela fez? Buscou uma advogada! Depois de passar por poucas e boas em uma unidade psiquiátrica de um grande hospital, ela encontrou Colette Hughes, interpretada no filme por Hilary Swank, uma workaholic compenetrada e sisuda, mas inteiramente dedicada aos seus clientes. Em parceria com o renomado professor de direito constitucional Mort Cohen (Jeffrey Tambor) ela consegue mover uma histórica ação coletiva, que mudou a legislação nos Estados Unidos sobre o tratamento de doenças mentais e representou uma enorme conquista na defesa dos direitos dos pacientes.
        Mas não tire conclusões precipitadas. 55 Passos não é um desses filmes de tribunal, repletos de emocionantes reviravoltas jurídicas. Há um pouco disso, sim, mas o foco da trama está na sólida relação de amizade que surgiu entre Eleanor e Colette, duas mulheres que não poderiam ser mais diferentes entre si, mas que de várias formas souberam se complementar. Eleanor é de uma franqueza desconcertante e conectada com suas emoções. Colette é introspectiva, preocupada em ser uma profissional eficiente, mas não lida bem com seu universo emocional. Por se tratar de um filme dirigido por Bille August, era de se esperar que as lentes da câmera permanecessem focadas nas protagonistas, até revelar as várias camadas psicológicas que as compõem. É cinema maduro e denso.
        Mas, ainda por cima, o título 55 Passos pode causar uma impressão errada ao espectador. Podemos imaginar que acompanharemos a trajetória de recuperação da paciente ao longo de um tratamento meticuloso e infalível. Nada disso! Para evitar confusões, o título no Brasil poderia ter sido melhor traduzido por 55 Degraus. É que para Eleanor Riese, que tem grandes dificuldades com escadas, por causa das medicações que toma, cada degrau é um martírio. E ela conta 55 deles enquanto sobe até a sua histórica audiência no tribunal.
        O filme 55 Passos é resultado do empenho do roteirista e produtor Mark Bruce Rosin. Quando era estudante universitário, no início dos anos 1970, ele conheceu a realidade dos hospitais psiquiátricos e de várias pacientes. Ficou impressionado. Em 1992, por meio do advogado Jim Preis, que presidia uma entidade voltada para os direitos dos pacientes, tomou conhecimento da história inspiradora de Eleanor Riese e sua luta nos tribunais com a ajuda de Colette Hughes e Mort Cohen. Contá-la em um filme foi uma tarefa árdua, que o ocupou por 25 anos, até que a produção fosse finalmente viabilizada.
        A atuação de Helena Bonham Carter é marcante, embora em alguns momentos possa parecer um tanto exagerada. Ela compõe sua Eleanor Riese a partir de fortes elementos visuais, que já vimos em outros de seus filmes, mas, por sorte, o diretor Bille August conseguiu atenuar seus exageros. Quanto à Hilary Swank, ficou muito bem na estampa contida da advogada tenaz e sem talento para conduzir a própria vida amorosa.
        Talvez, nas mãos de outro diretor, 55 Passos resultaria num filme mais apelativo e francamente edificante. Nas de Bille August, a verdadeira essência da história aflorou poderosa: a profunda amizade que surgiu entre as duas mulheres e transformou suas vidas. Por acaso elas venceram uma grande batalha jurídica, que entrou para os anais do direito, mas isso não é assim... tão importante! O que interessa mesmo é a experiência humana que marcou a existência das duas personagens.

Resenha crítica do filme 55 Passos

Título original: 55 Steps
Ano de produção: 2017
Direção: Bille August
Roteiro: Mark Bruce Rosin
Elenco: Helena Bonham Carter, Hilary Swank, Jeffrey Tambor, Tim Plester, Michael Culkin e Jonathan Kerrigan

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