Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo: nada importa, nem o cinema!
Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo: direção de Daniel Kwan e Daniel Scheinert
É SÓ MAIS UM FILME DE SUPER-HERÓIS PROTAGONIZADO POR GENTE COMUM
O humor anárquico e absurdo sempre foi um instrumento de demolição, usado sem piedade para estilhaçar o sistema e os poderosos da vez. Nas mãos de cineastas talentosos e criativos, o estilo irônico e mordaz costumava irradiar críticas para todas as direções, com zombarias que faziam pensar. Além de escarnecer, com elementos mórbidos e macabros, desconcertavam e tiravam o espectador da zona de conforto, o fazendo duvidar das verdades que trazia consigo para a sala de cinema. Infelizmente, em Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo, realizado em 2022 por Daniel Kwan e Daniel Scheinert, o humor anárquico e absurdo é usado para acalmar os ímpetos contestadores e distrair. O maior esforço do filme é para estabelecer três conceitos mentirosos:Conceito mentiroso 1: nada importa, realmente! – A frase é pronunciada diversas vezes. Num primeiro momento, achamos que é para justificar a enxurrada de besteiras e bobagens cômicas que virão pela frente, mas na medida em que a colagem narrativa se completa, para configurar o drama familiar costurado no enredo, percebemos que se trata de uma artimanha niilista. Os alvos são a moral, as tradições e as miudezas do dia-a-dia. Não importam os erros, nem os acertos. Não importam as decisões emocionais, nem as calculadas. Não importam os resultados. Na vastidão infinita do multiverso, apenas o não existir pode finalmente trazer alguma ordem. Por que se incomodar, então? Deixe de bobagem! Você jamais será o senhor do seu destino. Seja um espectador comportado e aprecie, de camarote, as maravilhas inusitadas que o sistema preparou para você!
Conceito mentiroso 2: não devemos nos preocupar com a coerência! – Como desordem e bagunça são regra no multiverso e as contradições pipocam em todo lugar, ao mesmo tempo, é desnecessário encontrar relações de significado entre as nossas ações e suas consequências. Podemos desrespeitar a lógica e sair ilesos. Por que colar umas nas outras todas as nossas facetas e forçar aderência para que pareçam... coerentes? O que foi dito hoje pode ser desdito amanhã. O que vale para isto, não precisa valer para aquilo. O que é certo agora, pode se tornar errado, caso seja conveniente. O que importa é a narrativa. Ela é que determina se a história contada será densa ou divertida, proveitosa ou bacana.
Conceito mentiroso 3: pagar imposto é a coisa mais óbvia que pode existir! – Ah, os absurdos dominam todo o multiverso! Há um deles, inclusive, onde as pessoas têm salsichas no lugar dos dedos. E mesmo lá, nossas contrapartes pagam alegremente seus impostos. A receita federal possui filiais em todos os universos paralelos e se os seus funcionários são vilões, é por causa de desvios de caráter individuais. Isso nada tem a ver com a natureza da instituição. O estado é a única forma de organização política e social possível e deve ser sustentado com dedicação e seriedade. Se duvidar, até as pedras que habitam o mais desértico dos multiversos podem se orgulhar de ser contribuintes!
A essa altura, o leitor que ainda não assistiu a Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo deve estar curioso para saber do que ele trata, afinal. Vamos à sinopse: O filme narra as desventuras de Evelyn Quan (Michelle Yeoh), uma imigrante chinesa nos Estados Unidos, que tem uma lavanderia afundada em dívidas com o fisco. Tem também um marido apático, Waymond Wang (Ke Huy Quan) e uma filha problemática, Joy (Stephanie Hsu), às voltas com as crises da adolescência. Para complicar, ela descobre que, sim, existem infinitos universos que consegue acessar, graças a truques tecnológicos revelados por uma das contrapartes de seu marido. Ele veio de outro universo, buscar ajuda para derrotar uma perversa vilã dedicada a destruir todo o multiverso – ninguém menos que uma contraparte onisciente da sua própria filha.
Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo é uma mistura de comédia, ficção científica e aventura romântica, que adiciona lutas marciais chinesas desenfreadas, besteirol elevado à enésima potência e um sem número de referências à cultura pop – e ao próprio cinema. Mas posso colocar isso de uma forma mais simples: é um desses filmes de super-heróis voltado para o público adolescente – seus personagens podem não ter superpoderes, mas são capazes de façanhas homéricas.
Os diretores e roteiristas Kwan e Scheinert, conhecidos como Daniels, até que esbanjam estilo. Decididos a não estabelecer limites para sua ousadia, rodaram um filme audacioso, que se tornou o queridinho da mídia. Usaram o conceito de multiverso já consagrado nas produções da Marvel e encontraram um jeito de fazer com que personagens comuns pudessem realizar o máximo de ações absurdas possíveis – até as mais escatológicas – para arrancar risos da plateia. E os adolescentes adoram a sensação de jamais saberem ao certo que rumo tomará essa história amalucada.
Em termos de cinema, o filme não traz inovações. A narrativa acompanha a clássica jornada do herói – ou melhor, da heroína – e segue um formato manjado nas histórias de aventura. Está entupido de cenas expositivas desnecessárias e desajeitadas. O ritmo é frenético e a edição caprichada, mas a concepção visual, em muitos momentos, é bastante desleixada. Os efeitos visuais são previsíveis e as atuações estilizadas, porém, conversam diretamente com o público-alvo.
Apesar de não estar inserido nesse público, confesso que me deixei levar por Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo. Na medida em que a trama se desenrolava, imaginei que a pirotecnia em torno do multiverso pudesse ser apenas uma metáfora. Os diretores talvez planejassem construir uma história mais densa, que alcançaria uma abordagem adulta no final. A mãe, em seus mergulhos no absurdo, na verdade tentava compreender e ajudar a filha autodestrutiva, que estaria às voltas com uma crise depressiva – ou talvez submetida à escravidão das drogas! A pobre menina estaria a ponto de se suicidar e para evitar gesto tão tresloucado, o esforço da heroína justificaria tudo!
Que nada! O drama familiar terminou tão raso quanto era no começo. No final, o que ficou foi um recado muito bem dado pela academia de cinema: o Óscar não está mais tão interessado em premiar os profissionais da sétima arte e suas melhores realizações. Nada disso realmente importa!
Meu consolo é que talvez haja mesmo um multiverso, repleto de possibilidades paralelas. Em alguma delas os bons cineastas e as boas histórias devem ser as mais premiadas. Em outras, o humor anárquico deve ser usado para incomodar, não para bajular o sistema. E em outras, o fetiche pelo estado já deve ter sido superado e ninguém precisa pagar impostos para sustentar máquinas de conceder privilégios!
Ano de produção: 2022
Direção: Daniel Kwan e Daniel Scheinert
Roteiro: Daniel Kwan e Daniel Scheinert
Elenco: Michelle Yeoh, Stephanie Hsu, Ke Huy Quan, Jenny Slate, Harry Shum Jr., James Hong, Jamie Lee Curtis
Que nada! O drama familiar terminou tão raso quanto era no começo. No final, o que ficou foi um recado muito bem dado pela academia de cinema: o Óscar não está mais tão interessado em premiar os profissionais da sétima arte e suas melhores realizações. Nada disso realmente importa!
Meu consolo é que talvez haja mesmo um multiverso, repleto de possibilidades paralelas. Em alguma delas os bons cineastas e as boas histórias devem ser as mais premiadas. Em outras, o humor anárquico deve ser usado para incomodar, não para bajular o sistema. E em outras, o fetiche pelo estado já deve ter sido superado e ninguém precisa pagar impostos para sustentar máquinas de conceder privilégios!
Resenha crítica do filme Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo
Título original: Everything Everywhere All at OnceAno de produção: 2022
Direção: Daniel Kwan e Daniel Scheinert
Roteiro: Daniel Kwan e Daniel Scheinert
Elenco: Michelle Yeoh, Stephanie Hsu, Ke Huy Quan, Jenny Slate, Harry Shum Jr., James Hong, Jamie Lee Curtis
Concordo plenamente. Filme ruim, histérico e superestimado, prova de que o Oscar, há muito não é sobre premiar os melhores.
ResponderExcluirÉ... O Óscar também não importa!!!!!
ResponderExcluirFilme totalmente desnecessário! Senão tivesse sido produzido, ninguém sentiria a menor falta...
ResponderExcluirMas a academia achou que devia ser o filme mais premiado da história. Mas isso também não é importante!!!
ExcluirSua crônica está perfeitamente correta. Falou tudo que realmente importa e esse filme não merece ser classificado como sétima arte.
ResponderExcluirNão, ele apenas expôs a opinião pessoal dele, com a qual você, por acaso, concorda.
ExcluirMerece sim ser classificado de sétima arte. Acho que Os Fabelmans, ou Nada de Novo no Front, mereciam mais a estatueta de melhor filme. Mas Tudo em Todo Lugar foi páreo duro sim.
A crítica aqui exposta não passa de mera opinião subjetiva pessoal.
Opinião subjetiva e pessoal! É isso mesmo! Subjetividade e pessoalidade já estão implícitas na palavra opinião e estão na essência de todas as críticas e resenhas sobre filmes. A proposta da Crônica de Cinema não é oferecer textos objetivos e impessoais. Se assim fosse, estaria redigindo teses e tratados. Prefiro oferecer minha visão autoral, para ampliar o debate. Para ouvir os argumentos e os pontos de vista que ainda não havia considerado.
ExcluirExatamente! Mas parece que só uma determinada turma pode ter opinião. Que vira dogma!
ExcluirEu gostei do filme porque entendi as referências e acho sim que teve uma trama familiar com final satisfatório, pois a mãe compreendeu e explicou a situação a seu pai, o avô da menina, sempre relembrando o passado e seu trauma até então não superado de se mudar para tão longe da família e começar do zero em outro país. E era justamente isso que ela não gostaria que a filha dela passasse, recomeçar não é fácil, principalmente para alguém jovem e imaturo.
ResponderExcluirComo disse na crônica, considerei o drama exposto no roteiro muito raso. Tudo se resolveria num simples curta-metragem! Mesmo mirando o público adolescente, os realizadores poderiam ter buscado maior profundidade emocional. Poderiam ter estabelecido um diálogo mais proveitoso com o público. Mas, preferiram deixar o drama como pano de fundo, focalizando mais a pirotecnia em torno do multiverso.
ExcluirEles buscaram a auditoria fiscal para conseguir um empréstimo e expandir o negócio, abrindo mais uma filial da lavanderia.
ResponderExcluirEles buscaram a auditoria fiscal porque precisavam pagar suas dividas com o fisco para conseguir um empréstimo. A auditoria fiscal não faz empréstimos, apenas recolhe uma parte significativa dos ganhos da empresa, com o intuito de bancar a máquina estatal. Uma máquina que não produz nada, apenas fica com parte do que produzimos para sustentar os poucos privilegiados que dela se beneficiam. O que me espantou no filme foi a naturalidade com que tratam esse assunto: pagar impostos é a coisa mais óbvia e natural em todos os universos! Será possível que em algum canto do multiverso já não tenham se dado conta de que não precisamos do estado para levar nossas vidas felizes e produtivas? Será que ninguém ainda se deu conta de que imposto é roubo?
ExcluirUm amontoado de besteira que foi minando meu interesse.Lá pela metade do filme desisti de acompanhar.Me surpreendeu ter ganho tantos prêmios.Adorei sua crítica.
ResponderExcluirComecei a ver e não aguentei. Aquele ritmo e um monte de bobagens me saturou. Talvez eu esteja velha demais para achar graça e gastar meu tempo com tanto deboche!
ResponderExcluirHá uma infinidade de filmes mais proveitosos
ExcluirEsse é definitivamente um filme niilista e talvez esse tenha sido o motivo do grande sucesso do filme. Um reflexo de uma geração que não se importa com nada e não tem perspectiva de futuro.
ResponderExcluirEu assisti esse filme por duas vezes, pois não acreditava que aquele filme tão consagrado pela crítica e pela acadêmia de cinema era tão grotesco e vazio, mas era apenas isso mesmo.
Estou de acordo, Irving. Ė um filme raso, para arrancar risos e ficar na superfície das emoções primárias. É o Óscar escorregando em bobagens!
ExcluirEstá aí um filme qye não consegui assistir até o final.
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