A Luta Pela Esperança: uma história incrivelmente real
A Luta Pela Esperança: direção de Ron Howard
ESTÁ MAIS PARA PAI DE FAMÍLIA DO QUE PARA PUGILISTA
Minha última crônica foi sobre o lutador de boxe asqueroso e desagradável retratado por Martin Scorsese no seu excelente Touro Indomável. Para ficar no tema, decidi escrever agora sobre o seu exato oposto, o lutador de boxe bom caráter e aferrado a sólidos valores éticos, que foi nocauteado pela grande depressão econômica na década de 1930, despencou para a miséria, mas conseguiu se reerguer e conquistar o título de campeão mundial dos meio-pesados. Sua história está contada no filme A Luta Pela Esperança, dirigido em 2005 por Ron Howard.O protagonista dessa história verdadeira e tocante é James J. Braddock, um boxeador compenetrado no ringue e pai de família dedicado fora dele. Sua trajetória de superação, que lembra um conto de fadas, rendeu-lhe o apelido de Cinderella Man, dado por um jornalista esportivo chamado Damon Runyan – o que explica o título original do filme. A dimensão heroica assumida por Braddock induziu à analogia com aquele tipo de história onírica, repleta de mistérios e habitada por seres fantásticos. Até mesmo a brutalidade do mundo do boxe encontra paralelo com tais contos, originalmente escritos para os adultos e depois recontados para alcançar também as crianças.
O ponto culminante na vida de Braddock se deu em 1935. Falido e depois de comer o pão que o diabo amassou, ele tropeça em uma oportunidade única: disputar o título com o brutal campeão Max Baer. A crônica esportiva explorou os detalhes mórbidos com avidez. Ousou prever que Baer mataria Braddock, assim como fizera com outros dois pugilistas – um que morreu no ringue e outro que morreu depois, em consequência da surra que levou. A luta de 15 assaltos pegou os amantes do boxe de surpresa e trouxe uma réstia de esperança para os americanos em plena Depressão.
Antes de entrar nos detalhes do cinema por trás de A Luta Pela Esperança, vamos examinar sua sinopse. O filme flagra James Braddock (Russel Crowe) em início de carreira, quando é obrigado a abandonar as lutas por causa de uma mão quebrada. Sua mulher, Mae (Renée Zellweger), sente-se aliviada, mas vê a vida financeira da família despencar ladeira abaixo, com a quebra da bolsa e a depressão econômica que se seguiu. Braddock termina na pobreza e mal consegue prover a família. Trabalha em jornadas temporárias como estivador, até que seu empresário e amigo, Joe Gould (Paul Giamatti) o traz de volta para os ringues. Para surpresa dos amantes do boxe, ele nocauteia seu oponente e reacende suas chances de disputar o campeonato. Consegue algum dinheiro, mas o usa para devolver ao Estado o valor que recebeu a título de auxílio-desemprego. O gesto repercute na imprensa e lhe rende o apelido de Cinderella Man. Agora terá que disputar o título com o tal campeão mortífero. Mas ele não lutará para satisfazer seu ego de lutador competitivo. Lutará pela sobrevivência e para prover o sustento da mulher e dos filhos.
A história edificante de James Braddock chamou a atenção de Hollywood, mas a produção de um longa jamais decolou, até que o roteirista Cliff Hollingsworth decidiu encarar o desafio. Por volta de 1994 ele começou a escrever o roteiro de A Luta Pela Esperança. Localizou os filhos do pugilista, reuniu muita informação e percebeu que tinha em mãos um enredo com todos os elementos necessários: personagens agarrados a valores sólidos, apelo à humanidade, vitória sobre as adversidades, uma trajetória que parte da miséria para a riqueza, perigos iminentes, reviravoltas espetaculares... E tudo baseado em fatos!
O roteiro de Hollingsworth circulou por Hollywood, mas o projeto do filme só começou a ganhar corpo quando o ator Russel Crowe percebeu a oportunidade de interpretar Braddock. Ele apresentou a ideia ao diretor Ron Howard, com quem desenvolveu uma parceria de sucesso no filme Uma Mente Brilhante, que recebeu quatro estatuetas na festa do Óscar. Howard aceitou de imediato. Conhecia muito bem a história do Cinderella Man e iniciou uma meticulosa pesquisa por referências visuais. Revisitou diversos filmes sobre a época da Grande Depressão.
O diretor também convocou o roteirista Akiva Goldman para realizar interferências no roteiro. Apesar da escrita de Hollingsworth abordar a vida do pugilista com grande precisão, e mostrar o sujeito decente que ele de fato era, o que se impunha era o conceito de conto de fadas. Os realizadores perceberam que tinham um protagonista sem defeitos. Nada de alcoolismo, nada de drogas, nada de infidelidade, nada de violência... No tratamento final, trataram de incluir um vilão para oferecer um contraponto: a própria depressão econômica.
A Luta Pela Esperança é um filme emocionante. O protagonista interpretado com competência por Russel Crowe é um sujeito admirável. Honesto, corajoso, sincero, leal... Por vezes, parece um habitante improvável do mundo do boxe, onde os egos inflados buscam a vitória a qualquer custo, onde a violência transborda para além das cordas e onde a morbidez da plateia funciona como combustível para atiçar a fogueira das vaidades. Os espectadores mais familiarizados com o esporte poderão achar que James Braddock era bom demais para ser verdade. Que sua história está mais para ficção e seus ensinamentos morais estão mais para os contos de fadas.
O diretor Ron Howard fez questão de coreografar as lutas não como combates ferrenhos entre homens em busca da vitória pessoal, mas como passos na luta de um homem para pôr o pão na mesa das crianças. Para garantir a sobrevivência e a união da família. Isso afastou A Luta Pela Esperança do gênero de filmes sobre boxe. O tornou um drama carregado nas tintas emocionais – bem diferente de Touro Indomável! Examinado pelo aspecto da arte cinematográfica, o filme de Scorsese é superior. Olhado pelas lentes do entretenimento, o filme de Ron Howard é mais... convidativo.
Resenha crítica do filme A Luta pela Esperança
Título original: Cinderella ManAno de produção: 2005
Direção: Ron Howard
Roteiro: Cliff Hollingsworth e Akiva Goldsman
Elenco: Russell Crowe, Renée Zellweger, Paul Giamatti, Bruce McGill, Craig Bierko, Paddy Considine, David Huband, Connor Price, Ariel Waller, Patrick Louis, Rosemarie DeWitt, Linda Kash, Nicholas Campbell, Gene Pyrz, Chuck Shamata, Ron Canada, Alicia Johnston, Troy Ross, Mark Simmons, Art Binkowski, David Litzinger, Matthew G. Taylor, Rance Howard, Robert Norman e Angelo Dundee
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