Touro Indomável: um clássico memorável
Touro Indomável: direção de Martin Scorsese
UM PERSONAGEM QUE NOS LEVA PARA AS CORDAS
O boxeador Jake LaMotta nunca foi um sujeito agradável. Ao contrário, esbanjava mau-caratismo. Esteve na prisão, estuprou uma mulher, espancou uma vítima até quase matá-la durante um assalto, meteu-se com o crime organizado, foi casado sete vezes e bateu em todas as suas mulheres. A violência estava por toda a sua ficha corrida. Nova-iorquino nascido no Bronx, era descendente de italianos e começou no boxe profissional aos 19 anos, em 1941, tonando-se campeão mundial na categoria peso médio em 1950. Depois da aposentadoria, comprou alguns bares e virou comediante. Também foi ator e participou de vários filmes. Lançou alguns livros, entre eles Raging Bull: My Story, escrito em parceria com os jornalistas Joseph Carter e Peter Savage. Apesar da vida conturbada, virou símbolo de coragem e se tornou um herói para os apreciadores do esporte.Sinceramente, jamais senti um pingo de empolgação em acompanhar a sua biografia. Quando Martin Scorsese realizou Touro Indomável, em 1980, fui aos cinemas porque ainda tinha Taxi Driver circulando em minhas veias de cinéfilo. Fiz a coisa certa! O filme é uma obra de peso e tem lugar de destaque na filmografia de Scorsese. Mas o protagonista... é mesmo um sujeito desagradável! Sem os talentos do diretor, do ator principal e do roteirista, seria um martírio acompanhar sua história.
Alguns dirão que o filme funciona bem justamente porque traz esse protagonista abjeto, que causa asco e indignação do começo ao fim. Concordo! Apesar de ser alguém do qual gostaríamos de manter distância, há uma força de atração que nos impele a seguir em frente, talvez para vê-lo... nocauteado. Mas em Touro Indomável, o desgraçado sai vitorioso! Para nossa sorte, vence também os que apostam no bom cinema. Antes de esmiuçá-lo, vamos examinar a sinopse.
O filme mostra Jake LaMotta (Robert De Niro) em 1941, perdendo sua primeira luta graças à gatunagem dos juízes. Com a ajuda do seu irmão, Joey (Joe Pesci), que gerencia sua carreira, o boxeador está disposto a vencer o campeonato sem aceitar a ajuda da máfia, mas está sempre às voltas com o assédio do chefão, Salvy Batts (Frank Vincent). Outro problema frequente é a relação tempestuosa e violenta com sua mulher, Irma (Lori Anne Flax). Mesmo assim ele segue obstinado, colecionando vitórias. Conhece a loira Vickie (Cathy Moriarty) e em pouco tempo estão casados. Fora do ringue, a fúria incontrolável e as crises doentias de ciúmes vão ganhando round após round. Dentro do ringue as vitórias vão se acumulando, até que finalmente Jake LaMotta põe as mãos no título. Brigas e separações, rompimento com o irmão, aproximação com a máfia, decadência no boxe... Acompanhamos o touro do Bronx em sua trajetória autodestrutiva, enquanto tenta vencer a tudo e a todos. E nos surpreendemos com sua capacidade de assimilar todos os golpes que recebe.
O ator Robert De Niro leu a biografia de Jake LaMotta e ficou empolgado. Percebeu o alcance dramático que poderia obter nas telas e tratou de convocar Scorsese para a empreitada. O diretor, entretanto, não se empolgou. Não gostava do boxe e estava ocupado demais vivendo uma série crise lisérgica, que por pouco não o matou. Recuperado, Scorsese abraçou a ideia do filme, depois de ler o roteiro escrito por seu grande amigo Mardik Martin. Os produtores, porém, não aprovaram o roteiro. O protagonista era abjeto demais e a abordagem quase pornográfica restringiria o alcance junto ao grande público. De Niro e Scorsese seguiram a mesma estratégia que usaram em Taxi Driver: convocaram Paul Schrader para reescrever o roteiro.
Schrader fez várias intervenções na estrutura do roteiro de Touro Indomável e reescreveu algumas cenas, mas a principal mudança foi a inclusão do personagem de Joe Pesci, o irmão de Jake. E isso fez toda a diferença! Trouxe uma dinâmica mais emocional para o filme, oferecendo um contraponto que permitiu revelar as múltiplas camadas de um protagonista complexo. Ainda assim, o roteiro não foi aprovado.
Scorsese e De Niro tiveram que colocar a mão na massa, fazendo uma reescrita criteriosa do roteiro. Criaram a cena em que Jake LaMotta conserta sua televisão enquanto discute com o irmão sobre a possível traição da esposa – cena que concentrou uma enorme força dramática. Também eliminaram a presença do pai do protagonista e reduziram a participação do crime organizado na história. Também foi deles a criação da cena final, com Jake LaMotta recitando seu monólogo no camarim.
A participação de Joe Pesci interpretando o irmão de Jake foi uma das decisões mais acertadas que a dupla tomou. O ator, naquela época ainda desconhecido do grande público, irradiou um notável magnetismo, que daria o tom das futuras produções assinadas pela dupla Scorsese e De Niro. Outra escolha importante foi pela fotografia em preto-e-branco, que trouxe personalidade ao filme.
O roteiro virou uma peça bem resolvida, que segura o interesse do espectador do começo ao fim, enquanto expõe por inteiro as faces diversas de um protagonista controverso. É claro que o virtuosismo de Martin Scorsese elevou a sensibilidade artística do filme. É claro que a intervenção de Paul Schrader na estrutura narrativa ampliou o alcance dramático do personagem. É claro que o talento de Robert De Niro, que ganhou 27 quilos para encarnar Jake LaMotta no final da vida, trouxe uma energia arrebatadora. Merecidamente, o ator recebeu seu segundo Óscar pelo papel. Touro Indomável ainda recebeu outra estatueta, a de melhor edição, mas seu maior troféu acabou sendo o respeito e a admiração dos cinéfilos havidos por cinema de qualidade.
Ano de produção: 1980
Direção: Martin Scorsese
Roteiro: Paul Schrader e Mardik Martin
Elenco: Robert De Niro, Joe Pesci, Cathy Moriarty, Nicholas Colasanto, Theresa Saldana, Frank Vincent, Lori Anne Flax, Mario Gallo, Frank Adonis, Joseph Bono, Frank Topham, Charles Scorsese, Geraldine, Candy Moore, James V. Christy, Laura James, Peter Savage, Don Dunphy, McKenzie Westmore, Gene LeBell, Shay Duffin, Martin Scorsese, John Turturro e Coley Wallace
O roteiro virou uma peça bem resolvida, que segura o interesse do espectador do começo ao fim, enquanto expõe por inteiro as faces diversas de um protagonista controverso. É claro que o virtuosismo de Martin Scorsese elevou a sensibilidade artística do filme. É claro que a intervenção de Paul Schrader na estrutura narrativa ampliou o alcance dramático do personagem. É claro que o talento de Robert De Niro, que ganhou 27 quilos para encarnar Jake LaMotta no final da vida, trouxe uma energia arrebatadora. Merecidamente, o ator recebeu seu segundo Óscar pelo papel. Touro Indomável ainda recebeu outra estatueta, a de melhor edição, mas seu maior troféu acabou sendo o respeito e a admiração dos cinéfilos havidos por cinema de qualidade.
Resenha crítica do filme Touro Indomável
Título original: Raging BullAno de produção: 1980
Direção: Martin Scorsese
Roteiro: Paul Schrader e Mardik Martin
Elenco: Robert De Niro, Joe Pesci, Cathy Moriarty, Nicholas Colasanto, Theresa Saldana, Frank Vincent, Lori Anne Flax, Mario Gallo, Frank Adonis, Joseph Bono, Frank Topham, Charles Scorsese, Geraldine, Candy Moore, James V. Christy, Laura James, Peter Savage, Don Dunphy, McKenzie Westmore, Gene LeBell, Shay Duffin, Martin Scorsese, John Turturro e Coley Wallace
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