Sangue e Ouro: uma espécie de western germânico

Cena do filme Sangue e Ouro
Sangue e Ouro: direção de Peter Thorwarth

CONTRIBUIÇÃO DOS ALEMÃES PARA O CINEMA DE AÇÃO

Os filmes de bangue-bangue espaguete foram uma invenção inusitada no início dos anos 1960. Rodados na Sicília e na Espanha por diretores italianos em busca da mesma atmosfera dos westerns americanos, trouxeram um sopro de renovação para o gênero, além de toques de um humor mais... mediterrâneo. E trouxeram também a certeza de que outras nacionalidades poderiam ousar seus próprios faroestes, apropriando-se dos clichês narrativos consolidados por cineastas como Sergio Leone e seus seguidores.
        Dentre todos os países, o mais improvável de tal ousadia seria a Alemanha. Não por incompetência, é claro! Seu cinema de peso e repleto de contribuições significativas para a construção da sétima arte está nítido na mente de todo cinéfilo. Mas porque é dos alemães que nos costumam chegar algumas das produções mais compenetradas. Títulos como Metrópolis, O Enigma de Kaspar Hauser e Asas do Desejo, já comentados aqui na Crônica de Cinema, exemplificam meu ponto. Sempre espero dos alemães um cinema sério, denso e filosoficamente provocativo. Mas então, no serviço de streaming, me deparo com Sangue e Ouro, dirigido em 2023 por Peter Thorwarth. Não se pode rotulá-lo como um western, pois é ambientado na Segunda Guerra Mundial, em plena Alemanha. Também não podemos ser apressados em vê-lo como um filme de guerra. É um híbrido!
        Essa produção alemã é claramente inspirada nos bangue-bangues espaguete que trago nas memórias de infância, quando ia ao cinema para me deliciar com as aventuras dos italianos Terence Hill e Bud Spencer – que jurava serem americanos da gema! Humor escrachado e muita ação destrambelhada fazia a diversão da plateia em busca de animação. Esse filme alemão, por outro lado, remete diretamente a Bastardos Inglórios, a obra de Tarantino que primeiro transpôs a linguagem do western para os cenários da Segunda Guerra Mundial. Mas é preciso que se diga: Sangue e Ouro esbanja originalidade e energia criativa.
        O diretor Peter Thorwarth já havia acertado a mão em seu filme anterior para a Netflix, intitulado Céu Vermelho-Sangue. A história de uma vampira que se desdobra em fúria para proteger o filho, à mercê de terroristas insanos durante um sequestro de avião, ofereceu uma mistura explosiva de ação, terror e muito sangue. Mostrou que os alemães também têm contribuições a fazer no cinema de ação. Para esta nova produção, no entanto, o diretor atenuou os elementos de terror. Preferiu filmar um thriller, ágil e repleto de personagens com alguma profundidade emocional, mas econômico nas doses de humor. Antes de seguir adiante, vejamos a sinopse:
        Sangue e Ouro conta a história de Heinrich (Robert Maaser), um desertor do exército nazista. Em fuga, ele quase é enforcado por um comando da SS, liderado pelo monstruoso tenente-coronel von Starnfeld (Alexander Scheer), mas é salvo por Elsa (Marie Hacke), que o acolhe em sua propriedade, onde vive com o irmão deficiente mental, Paule (Simon Rupp). Acontece que os nazistas não vão dar trégua. Estão na vila justamente à procura de um tesouro, escondido lá por um rico judeu. Com o final iminente da guerra, os inescrupulosos SS estão mais interessados em acumular fortuna para os dias incertos que virão. Os habitantes do vilarejo também pensam exatamente assim. Ganância, inconsequência e muita violência explodem de todos os lados do conflito e no final das contas, o que já foi uma guerra agora vira apenas uma disputa sangrenta por barras de ouro.
        Sangue e Ouro nasceu na cabeça de Stefan Barth, que escreveu o roteiro em 2006. Dedicado ao cinema de ação na Alemanha, ele fez uma adaptação do seu próprio romance intitulado Es war einmal in Deutschand – Era uma vez na Alemanha – claramente inspirado no universo do western e que inclusive resgata um dos seus elementos mais tradicionais: a ganância materializada em reluzentes barras de ouro! O roteiro de Barth não dá trégua para o espectador. Segue desenfreado, mas inteligente. Cria oportunidades para dar profundidade à história.
        Já naquela época, o diretor Peter Thorwarth ficou empolgado com a possibilidade de realizar o filme. Reuniu o elenco, trabalhou na concepção audiovisual, mas não encontrou financiamento para o projeto. Não havia espaço para um bangue-bangue germânico, inspirado na estética de Sergio Leone, tão destoado daquilo que era produzido em seu país.
        Depois que surgiu Bastardos Inglórios, em 2009, os ventos mudaram. Com as oportunidades criadas pela Netflix e o sucesso de Céu Vermelho-Sangue, Peter Thorwarth encontrou espaço para filmar o roteiro de Stefan Barth. Algumas atualizações foram feitas na trama, mas a ideia central de Sangue e Ouro permaneceu a mesma. Longe de ser um filme de guerra sóbrio e compenetrado, foi realizado como uma peça mais voltada para a cultura pop, capaz de encontrar espaço junto ao público internacional. O filme não dá a mínima para a precisão histórica, enquanto o diretor e seu elenco se divertem em descer o sarrafo nos abomináveis nazistas. Quem aprecia o gênero e está à cata de diversão, precisa conferir!

Resenha crítica do filme Sangue e Ouro

Título original: Blood & Gold
Ano de produção: 2023
Direção: Peter Thorwarth
Roteiro: Stefan Barth
Elenco: Robert Maaser, Marie Hacke, Alexander Scheer, Florian Schmidtke, Jördis Triebel, Stephan Grossmann, Simon Rupp, Jochen Nickel, Petra Zieser, Gisela Aderhold, Steffen Wink e Christian Kahrmann

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