Alexandre: o grande rei que dominou o mundo antigo

Cena do filme Alexandre
Alexandre: direção de Oliver Stone

A MARCHA DO PROCESSO CIVILIZATÓRIO

Sabia muito bem que, um dia, Alexandre o Grande cairia... na prova! Por isso tratei de estudar o básico: guardei na memória que aquele rei da Macedônia viveu no século 4 a.C, venceu suas mais importantes batalhas quando tinha apenas 18 anos e ao morrer, com 33, dominava 90% do mundo conhecido. Estudou com Aristóteles e montava Bucéfalo, um cavalo tão majestoso quanto ele. Era inteligente, corajoso e um líder capaz de mobilizar multidões em prol de sua desmedida ambição. Pacificou a Grécia, dominou o Egito, conquistou a Pérsia e rumou para o oriente, sem jamais aniquilar a cultura dos povos sob seu jugo. Ao contrário, promoveu uma integração com as crenças e valores que trazia de berço e assim disseminou a cultura helenística. Fundou várias cidades, todas elas chamadas de Alexandria. O sujeito foi rápido, implacável e eficiente. Em apenas 11 anos se tornou o homem mais poderoso do seu tempo e conquistou para sempre um espaço cativo nas páginas dos livros de história.
        Embora descrito com empolgação pelo meu professor, o vulto que surgiu na sala de aula permaneceu por anos uma figura desfocada, embaçada pela sisudez da metodologia acadêmica. Até que assisti ao filme Alexandre, dirigido em 2004 por Oliver Stone. No cinema, sua grandiosidade ficou mais evidente, suas façanhas ainda mais incríveis e seu legado mais consistente. Ganhou contornos humanos e uma personalidade marcante. Nada como uma boa dramatização para nos revelar as diferentes camadas de um personagem.
        Se você, caro cinéfilo, assistiu ao filme na época do seu lançamento, talvez se lembre de um filme arrastado, com longos 175 minutos de duração e filmado a partir de um roteiro complexo, aferrado à cronologia dos eventos históricos – talvez por isso tenha sido um fracasso de bilheteria. Acontece que existem outras três versões, onde Oliver Stone tentou aparar as arestas, no que foi muito bem-sucedido. Já em 2005 lançou uma versão em DVD, que batizou de Director's Cut, reduzida para 167 minutos. Em 2007 a Warner lançou Alexander Revisited: The Final Cut, com 214 minutos, onde o diretor eliminou algumas cenas, editou outras e acrescentou quase 40 minutos de material filmado, que permanecia inédito. Foi assim que o filme 
encontrou a trilha do sucesso: vendeu um milhão de cópias! E em 2014, para marcar os dez anos do filme, o estúdio lançou uma versão intitulada Alexander: The Ultimate Cut, com 207 minutos.
        Com Alexandre, Oliver Stone, aclamado por sucessos como Platoon e O Expresso da Meia-Noite, recebeu uma saraivada de críticas negativas. O tom excessivamente melodramático, a atuação desajeitada de um Colin Farrell tendo que lidar com a natureza bissexual do protagonista e as inevitáveis imprecisões históricas, foram pontos questionados pelos especialistas. Com sua versão expandida, o diretor conseguiu reestruturar todo o filme. Abandonou a cronologia para contar uma história focalizada nos seus personagens. Ainda bem que o diretor manteve os pontos fortes da sua obra: as incríveis cenas de guerra, a fúria da infantaria macedônica e suas lanças imensas, a visão estratégica dos campos de batalha, o realismo dos combates corpo a corpo, os cenários impecáveis, a luxuosa exuberância do mundo antigo... Claro, tudo a muito custo de computação gráfica e efeitos especiais.
        Ao contrário do que os leigos possam pensar, Alexandre esbanja precisão histórica. Para começar, ele foi baseado na biografia intitulada Alexander the Great escrita pelo historiador inglês Robin Lane Fox, professor titular na Universidade de Oxford e especialista em História Antiga. O próprio professor atuou como consultor dos realizadores e por várias semanas trabalhou com a equipe de produção nos sets de filmagem. E mesmo nas fases de edição, revisou os rascunhos do roteiro para garantir a acuidade das cenas.
        É claro que em se tratando de uma adaptação para as telas, Oliver Stone precisou... dramatizar! É nesse momento que muitos historiadores torcem o nariz. A estilização de alguns personagens, para despertar a empatia do público, é o que mais incomoda. Por outro lado, os elogios ao esforço de reconstrução das batalhas campais compõem uma unanimidade.
        Oliver Stone planejava realizar Alexandre desde 1989, mas dada a complexidade do filme o projeto foi adiado. O primeiro tratamento do roteiro ficou por conta da roteirista Laeta Kalogridis – que os cinéfilos já conhecem pelo ótimo roteiro que escreveu para Ilha do Medo. Mais tarde, o diretor convocou Christopher Kyle – que já havia escrito o roteiro de K-19: The Widowmaker – para desenvolver uma narrativa não linear, mais adequada para explorar as múltiplas camadas do protagonista. O resultado foi um filme com mais de três horas de duração e repleto de diálogos cerebrais. Se o filme foi concebido a partir de um roteiro complexo, podemos dizer que ele nasceu arrancado da ilha de edição a fórceps, depois de inúmeras operações igualmente complexas.
        Outro dia assisti à última versão de Alexandre e fiquei satisfeito. O vulto histórico está representado em toda a sua complexidade. Chega alternando heroísmo e monstruosidade, liderança e tirania, civilização e barbárie. Às vezes, parece mais um cangaceiro, enquanto pilha, estupra e mata. Às vezes surpreende com sensibilidade, inteligência e uma ambição de proporções históricas. Nessa versão, sua morte agora é encenada com mais detalhes e sua vida sexual ficou mais escancarada. O filme demonstra respeito pelo mundo antigo e estarrece com a grandiosidade das batalhas em Gaugamela e na Índia. Quem está ligado na história universal precisa conferir, porque uma coisa é certa: Alexandre o Grande sempre cai... na prova!

Resenha crítica do filme Alexandre

Título original: Alexander
Ano de produção: 2004
Direção: Oliver Stone
Roteiro: Christopher Kyle, Laeta Kalogridis e Oliver Stone
Elenco: Colin Farrell, Jessie Kamm, Connor Paolo, Angelina Jolie, Val Kilmer, Anthony Hopkins, Elliot Cowan, Robert Earley, Jared Leto, Patrick Carroll, Rosario Dawson, Christopher Plummer, David Bedella, Fiona O'Shaughnessy, Brian Blessed, Gary Stretch, John Kavanagh, Nick Dunning, Marie Meyer, Mick Lally, Joseph Morgan, Ian Beattie, Jonathan Rhys Meyers, Morgan Christopher Ferris, Denis Conway, Peter Williamson, Neil Jackson, Aleczander Gordon, Garrett Lombard, Chris Aberdein, Rory McCann, Tim Pigott-Smith, Raz Degan, Erol Sander, Stéphane Ferrara, Tadhg Murphy, Francisco Bosch, Annelise Hesme, Toby Kebbell, Laird Macintosh, Féodor Atkine, Bin Bunluerit, Jaran Ngramdee e Brian McGrath



Comentários

  1. Muito problemático resumir em 2h30m e ou mais num filme somente. É o tipo de biografia que exige uma série digna da HBO em 4 temporadas e ou uma mini série de 12 episódios. Erro do roteirista e diretor Stone foi se guiar somente por uma biografia ao invés de por sua análise em várias biografias escritas e além de tudo o peso para um ator e ou mesmo qualquer ator ser convincente nesse papel duma figura insondável como homem e pouco iluminado pelas suas ações históricas. Consegue ainda por cima perder toda força de suas palavras que a nós contemporâneos causam choque como por exemplo sobre sua genitora. Quase nada se aproveita. Épico raso. Esse é mais uma obra fracassada que usa Alexandre como protagonista de alguma coisa fora de comum ao invés de serem críticos quanto irônicos e conclusivos sobre as ondas históricas que deixam suas marcas para eternidade. Somente vejo bem os figurinos, mas de resto mediano como produção, sem o brilho dos antigos épicos Hollywoodianos de outras épocas.
    Descartavel.

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  2. Como disse na minha crônica, nada como uma boa dramatização para nos revelar as diferentes camadas de um personagem. Alexandre seria enfadonho numa abordagem documental, apegada aos preciosismos. Entre erros e acertos, Oliver Stone entregou corte com arestas aparadas, que faz jus à relevância do protagonista. Nos faz torcer pelos valores da civilização ocidental!

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