Amor Esquecido: inspirado em fatos

Amor Esquecido: direção de Michal Gazda

UMA PRODUÇÃO COMPETENTE, MAS COM SABOR AÇUCARADO

Serei sincero! A foto do ator polonês personificando um andarilho sem rumo, utilizada para ilustrar a curta sinopse na plataforma de streaming, deixou-me tomado por dúvidas. Seria mais um daqueles dramalhões apelativos, criado apenas para provocar torrentes de lágrimas? Sem pestanejar, Ludy avisou que a busca terminara. Minha mulher tem preferência por romances e farejou a ótima oportunidade de entretenimento. É claro que concordei! Assistimos ao filme Amor Esquecido, dirigido em 2023 por Michal Gazda e fizemos bom proveito.
        Sim, esse é um filme com vocação para entreter, que intercala passagens dramáticas com outras românticas. Parece que está sempre a um passo de ser apelativo, mas o diretor consegue a proeza de se conter. É verdade que fica ao nível dos estereótipos, sem se aprofundar na psique dos seus personagens, mas sua direção é segura e compenetrada. O espectador chega ao final sem arrependimentos.
        – Ah, essa deve ser uma adaptação de algum romance clássico e muito caro para os poloneses – apostei com Ludy, antes de pesquisar na internet.
        Bem, estava certo, mas apenas em parte. Amor Esquecido é. de fato, baseado no romance do polonês Tadeusz Dołęga-Mostowicz intitulado Znachor – O Charlatão, em português, ou The Quack, como ficou conhecido entre os falantes do inglês. Publicado em 1937, o livro ganhou duas adaptações antes dessa, uma em 1937, dirigida por Michał Waszyński e outra em 1982, dirigida por Jerzy Hoffman. O romance é, sim, bastante popular na Polônia, assim como seu autor, que publicou dezenas de romances de sucesso em sua curta carreira, interrompida com sua morte na guerra em 1939, aos 41 anos.
        Acontece que Tadeusz, também um jornalista, percebeu o poder do cinema e iniciou sua carreira literária escrevendo... roteiros! Assim, no início da década de 1930 ele escreveu o roteiro do filme que intitulou Znachor, porém não atraiu a atenção dos produtores da época. Mas seguiu convicto do potencial comercial da história que havia inventado. Transformou seu roteiro num romance e obteve ótima resposta do público.
        O roteiro original escrito por Tadeusz foi inspirado em acontecimentos reais. Ele leu um artigo publicado no jornal onde trabalhava, que contava como um certo Dr. Ferdynand Dolani, preso por charlatanismo, era na verdade um médico qualificado, que por motivações pessoais preferia atuar incógnito numa pequena aldeia, chamada Radotki. Para dar mais dramaticidade ao seu filme, ele inventou a história da amnésia, mas procurou aplicá-la com alguma credibilidade: inspirou-se em outro evento vivido por ele próprio, ao ser atacado por sete homens armados depois de ter publicado críticas ao governo.
        A história criada por Tadeusz se tornou conhecida e foi reaproveitada à exaustão pelo cinema. Além das já citadas adaptações, foram realizadas várias continuações, para narrar a saga do médico desmemoriado, que tentava resgatar um passado grandioso, enquanto lutava com um presente atormentado por injustiças. Esta nova adaptação dirigida por Michal Gazda, com roteiro de Marcin Baczynski e Mariusz Kuczewski, não perdeu o tom grandiloquente, mas segue uma linguagem mais palatável para as plateias atuais. Vejamos como ficou a sinopse:
        Amor Esquecido conta a história de Rafal Wilczur (Leszek Lichota), um rico neurocirurgião de sucesso dedicado à profissão, que leva uma vida familiar feliz. Até que a mulher foge com outro homem e leva consigo sua filhinha Marysia (Maria Kowalska). Ele parte para procurar por elas, mas é assaltado, ferido gravemente na cabeça e deixado para morrer. Anos depois o médico reaparece numa pequena aldeia, com o nome falso de Antoni Kosiba. Está sem memória, mas ainda guarda suas habilidades de cirurgião. Enquanto pratica medicina ilegalmente para ajudar a gente pobre, segue sem rumo e sem saber que o destino o colocará novamente diante da vida que deixou no passado.
        O diretor Michał Gazda tentou capturar o espírito do romance de Tadeusz Dołęga-Mostowicz, que mantém uma certa atmosfera épica – aquela que respiramos com mais intensidade, por exemplo, no romance Os Miseráveis, de Victor Hugo! Porém, em Amor Esquecido, ficamos com um final mais romântico e açucarado. A história é comovente, embora bata nas teclas desgastadas que, nos dias de hoje, soam um tanto clichê.
        Com cenários vistosos e locações magnéticas, capturados pela fotografia competente de Tomasz Augustynek, o filme atrai também pela direção de arte de Joanna Macha, pelos figurinos de Malgorzata Zacharska e pela trilha sonora do compositor Pawel Lucewicz. A direção de Michał Gazda, cuja experiência foi moldada nas séries que dirigiu para a TV polonesa, é segura e nos conduz com ritmo e bom gosto. E para completar, temos a atuação sóbria e elegante de Leszek Lichota, que convence na pele do médico desmemoriado, mas de bom caráter e dono de um coração repleto de boas emoções. Amor Esquecido merece ser visitado, mas fica o alerta: você ficará com a sensação de que, a qualquer momento, verá o filme descambar para o apelativo.

Resenha crítica do filme Amor Esquecido

Título original: Znachor
Título em inglês: Forgotten Love
Ano de produção: 2023
Direção: Michal Gazda
Roteiro: Marcin Baczyński e Mariusz Kuczewski
Elenco: Leszek Lichota, Maria Kowalska, Ignacy Liss, Anna Szymańczyk, Izabela Kuna, Mikołaj Grabowski, Mirosław Haniszewski, Artur Barciś, Małgorzata Mikołajczak, Paweł Tomaszewski, Jarosław Gruda, Henryk Niebudek e Adam Nawojczyk