Campeões: um remake à altura do original espanhol

Cena do filme Campeões
Campeões: direção de Bobby Farrelly

AUTÊNTICOS, DESCOLADOS E HILÁRIOS

– Ora, isso vai ser politicamente incorreto! Ou não? Talvez caia na lacração! O que acha de apertar o play e conferir?
        – Já topei! – Ludy não ligou para minha hesitação. Sentiu-se à vontade com a foto promocional de Campeões, filme de 2023 dirigido por Bobby Farrelly com o qual tropeçamos no serviço de streaming. Minha mulher se deixou levar pela curta sinopse e pela promessa de assistir a uma comédia leve e engraçada. Quanto a mim, impliquei com o nome do diretor, um dos irmãos Farrelly, responsáveis por comédias escrachadas de grande sucesso, mas contaminadas de besteirol, como Debi & Loide, Quem Vai Ficar com Mary? e Eu, Eu Mesmo & Irene. Se bem que seu irmão, Peter, já havia feito uma incursão bem-sucedida pelo universo dos filmes mais... sérios, ao dirigir o excelente Green Book: O Guia. Talvez Bobby tivesse gostado da ideia!
        De fato, Campeões é uma boa surpresa e merece ser apreciado, porque traz duas boas credenciais: a presença de Woody Harrelson, que encabeça o elenco, e uma história de sucesso já comprovada no filme espanhol Forjando Campeões, dirigido em 2018 por Javier Fesser. Sim, trata-se de mais um remake hollywoodiano destinado a apresentar a versão americana de uma história formatada para europeus! Tentarei, nesta crônica, me ater à versão americana, embora saiba que eventualmente sucumbirei à tentação de cair em comparações com o filme espanhol. É que há muitas semelhanças entre ambos – algumas cenas são idênticas!
        Antes de prosseguir, é melhor estabelecer a sinopse de Campeões: o filme conta a história de Marcus Marakovich (Woody Harrelson), um apaixonado por basquetebol, que trabalha como auxiliar-técnico numa equipe da segunda divisão do Iowa. Destemperado, ele agride seu chefe durante uma discussão e termina num bar, embriagado. Depois de bater o carro na traseira de uma viatura da polícia é condenado a 18 meses de prisão. Por sorte, a juíza estabelece uma pena alternativa: prestação de serviço comunitário por três meses, como técnico de um time de basquete mantido por uma instituição gerenciada por Julio (Cheech Marin). A equipe, formada por deficientes cognitivos, é conhecida como Os Amigos. É do convívio com os jogadores peculiares, suas dificuldades e suas virtudes, que Marcus extrairá aprendizados transformadores. Unidos pelo amor ao esporte, o técnico arrogante passará por confusões e desafios, se envolverá com Alex (Kaitlin Olson), irmã de um dos jogadores, e fará dos seus novos amigos uma equipe de verdade, destinada a nada menos do que a vitória.
        Essa história nasceu na cabeça de David Marqués, experiente diretor e roteirista, que se baseou nas aventuras reais de um time de Burjassot, na província espanhola de Valência, formado por jogadores com déficit intelectual. Eles conquistaram o campeonato nacional da categoria por mais de dez vezes e ganharam algum espaço na mídia. Marqués conviveu com jogadores e dirigentes e escreveu uma história divertida, edificante e autêntica. Na hora de produzir o filme, o diretor Javier Fesser assumiu a direção e fez algumas alterações no roteiro: ampliou a presença dramática e psicológica do personagem do técnico e deu maior visibilidade à sua vida privada e ao seu mundo interno.
        Depois de um longo processo de arregimentação do elenco, apoiado por associações e clubes esportivos de pessoas com deficiência intelectual, os realizadores chegaram aos dez atores – não profissionais e sem experiências diante das câmeras – que interpretaram os jogadores. Então, o roteiro foi reescrito, para incorporar a experiência e as vivências que a equipe reuniu no processo. Quem assistiu ao filme espanhol se deliciou com a espontaneidade e com a autenticidade que os realizadores conseguiram trazer para as telas.
        Foi o ator Woody Harrelson quem apareceu com a ideia de realizar um remake. Empolgado depois de assistir ao filme espanhol, ele alavancou a produção e procurou Bobby Farrelly para dirigir. O roteirista destacado para fazer a nova adaptação foi Mark Rizzo – ele mesmo um aficionado pelo basquete. Sua tarefa foi ampliar os arcos dramáticos de vários personagens secundários, em especial os jogadores, o que tornou a história anda mais envolvente. É claro que isso reduziu o tempo de tela reservado para o protagonista, o que não prejudicou a atuação de Woody Harrelson. Ao contrário, o autor exercita aqui o seu magnetismo com grande desenvoltura e maturidade.
        Os americanos adotaram a mesma estratégia que os espanhóis na hora de arregimentar o elenco. Contaram com a ajuda de instituições esportivas e chegaram aos dez atores que atuam em Campeões. Inexperientes na interpretação, mas repletos de experiências pessoais para compartilhar, acrescentaram camadas e camadas de autenticidade que conquistam o espectador de imediato. Bobby Farrelly conseguiu manter o bom nível da sua abordagem humorística, sem apelar para o tipo de comédia mais... grosseira, que costumava exercitar. Não explorou seus personagens de forma estereotipada, nem os tratou como vítimas. Enfim, trouxe pessoas reais para a tela.
        Para tanto, o diretor lançou mão de um truque: os atores que interpretaram os jogadores e o astro que fez o papel do técnico só se conheceram no momento em que começaram as filmagens, exatamente como acontece no enredo. Os medos, preconceitos e expectativas se revelaram e foram ali mesmo resolvidos. A interação do elenco aconteceu de forma orgânica e verdadeira.
        Campeões não é um filme interessado em ser politicamente correto, mas também não está obcecado em não ser ofensivo. É verdade que os espanhóis foram mais desbocados e que os americanos se preocuparam em trazer uma mensagem edificante, ao invés de apenas provocar explosões de risadas na plateia. Talvez os espanhóis tenham escorregado em algumas passagens mais kitsch, enquanto que os americanos se mostraram mais fãs do basquetebol. É difícil escolher a versão preferida! Foi ótimo assistir às duas!
        Para encerrar, quero lembrar que a versão americana traz uma sutileza que talvez escape à maioria dos cinéfilos: ocorre que o ator que interpreta Julio, o gerente da instituição que acolhe Os Amigos é ninguém menos que Cheech Marin, o hilário comediante que fazia par com Tommy Chong, na série de filmes dos anos 1970, estrelados pela dupla Cheech & Chong – os dois maconheiros desmiolados, tão entupidos de droga que exalavam déficit cognitivo por todos os poros! Os craques de Campeões, ao contrário, esbanjam vitalidade, alegria, personalidade e... bom humor!

Resenha crítica do filme Campeões

Título original: Champions
Ano de produção: 2023
Direção: Bobby Farrelly
Roteiro: Mark Rizzo, Javier Fesser e David Marqués
Elenco: Woody Harrelson, Kaitlin Olson, Matt Cook, Ernie Hudson, Cheech Marin, Mike Smith, Scott Van Pelt, Jalen Rose, Sean Cullen, Madison Tevlin, Joshua Felder, Kevin Iannucci, Ashton Gunning, Matthew Von Der Ahe, Tom Sinclair, James Day Keith, Alex Hintz, Casey Metcalfe e Bradley Edens

Comentários

Confira também:

Menina de Ouro: a história de Maggie Fitzgerald é real?

Tempestade Infinita: drama real de resiliência e superação

Siga a Crônica de Cinema