O Homem do Castelo Alto: uma série envolvente e distópica

Cena da série O Homem do Castelo Alto
O Homem do Castelo Alto: série criada por Frank Spotnitz

PERSONAGENS BEM CONSTRUÍDOS, NUMA JORNADA DESAFIADORA

Você já pensou como o mundo seria tenebroso caso os nazistas e fascistas tivessem saído vencedores da Segunda Guerra Mundial? Philip K. Dick já perdeu noites de sono pensando nos infelizes desdobramentos dessa péssima ideia. Escritor talentoso, tornou-se um dos principais nomes da ficção cientifica, tendo escrito Blade Runner, Minority Report, O Vingador do Futuro, O Vidente e Os Agentes do Destino, entre tantos outros livros que resultaram em adaptações para o cinema. Quando publicou O Homem do Castelo Alto, em 1962, provocou a imaginação do público, descrevendo como as potências do Eixo poderiam ter derrotado os Aliados, conquistando definitivamente a Europa e ocupando os Estados Unidos.
        No romance de Philip K. Dick, o infortúnio da humanidade começa quando Franklin D. Roosevelt é assassinado em 1933. Seus sucessores não conseguem tirar os Estados Unidos da Grande Depressão, nem estabelecer um poderio militar capaz de somar esforços aos Aliados. A União Soviética se esfarela em 1941 e é ocupada pelos nazistas. Os japoneses destroem a frota naval americana e dominam toda a Ásia. Para completar, Hitler consegue criar a bomba atômica e lançá-la sobre Washington. Cheque mate! Os Estados Unidos são rasgados ao meio.
        A costa leste fica sob controle alemão e a costa oeste agora pertence aos japoneses. Há uma zona neutra, que permanece em constante tensão, já que o Reich Nazista e o Império japonês se tornaram as duas grandes superpotências, travando entre si uma espécie de guerra fria. Adolf Hitler, tomado pela sífilis, já não detém o poder. Quem manda agora é Martin Bormann, que segue com as práticas de genocídio, eliminando judeus, negros e outras “raças inferiores” por todos os cantos do mundo.
        Philip K. Dick foi longe. Imaginou os nazistas desenvolvendo rapidamente o seu aparato tecnológico, criando um programa de misseis para impor-se como potência nuclear, lançando um programa espacial para pôr os pés na Lua e em outros planetas e usando a televisão para lavar as mentes da massa, propagandeando as “maravilhas” do nacional-socialismo. Além disso, o autor criou personagens verossímeis e os pôs num embate feroz. Uns lutam para resgatar a liberdade e as ideias liberais que se perderam com a derrota dos Aliados, enquanto outros tentam perpetuar e fortalecer ainda mais a sanha totalitária e estatizante dos nazi-fascistas.
        Meio século depois de publicado, esse romance denso e imaginativo acabou rendendo uma série das boas! O Homem do Castelo Alto, criada em 2015 por Frank Spotnitz e produzida pela Amazon Studios, estendeu-se por quatro temporadas, cada uma com dez episódios. Com apuro visual, textos bem escritos e uma atmosfera que mistura suspense, romance e ficção científica, está fundamentada em ótimos personagens e desenvolve uma trama que consegue mexer com o imaginário do espectador.
        Em se tratando de uma adaptação para as telas, a série traz mudanças em relação ao romance original, mas não subverte a essência da obra de Philip K. Dick. Veja como ficou a sinopse de O Homem do Castelo Alto: a série conta a história de Juliana Crain (Alexa Davalos) uma jovem comum que tenta levar a vida numa São Francisco ocupada pelos fascistas japoneses. O ano é 1962 e ela testemunha a morte da irmã, que trabalhava para a resistência e tentava transportar um misterioso rolo de filme produzido pelo tal homem do castelo alto. Juliana então decide contrabandear o filme, fugindo para a perigosa Zona Neutra, uma terra sem lei e sem ordem. É para lá que também segue o jovem Joe Blake (Luke Kleintank), um militante da resistência que parte de Nova Iorque, transportando um segundo rolo de filme.
        Os nazistas, comandados pelo Obergruppenführer John Smith (Rufus Sewell) – um americano que chegou ao mais alto posto militar do Reich – farão de tudo para pôr as mãos nos ameaçadores filmes. Os militares japoneses também destacam o inspetor-chefe, Takeshi Kido (Joel de la Fuente), para debelar a resistência. E ele tem carta branca para lançar mão de toda a violência que precisar. Apenas Nobusuke Tagomi (Cary-Hiroyuki Tagawa), o Ministro do Comércio dos Estados do Pacífico da América, parece ter alguma sensatez. Enquanto exercita sua elevada espiritualidade para tentar acabar com a Guerra Fria entre o Império Japonês e o Reich, ele vai cruzar o caminho de Juliana e juntos tentarão mudar a história que virou realidade nesta triste distopia.
        O nome que está à frente dessa série envolvente é o de Frank Spotnitz, o escritor e produtor de TV que se consagrou ao realizar Arquivo X, um estrondoso sucesso que, desde 1995, estendeu-se por 11 temporadas. Aquela era uma série episódica, onde a cada visita o espectador se deparava com diferentes bizarrices e esquisitices alienígenas. Já em O Homem do Castelo Alto acompanhamos uma história narrada em sequência, como num romance de 40 capítulos. Não se trata de uma história de guerra, pautada pela ação e pela aventura. É claro que traz esses elementos obrigatórios no gênero ficção científica, mas está ancorada em sólidos personagens, que percorrem jornadas longas e incrivelmente transformadoras, enquanto tentam permanecer humanos num mundo essencialmente desumano.
        Frank Spotnitz nos obriga a pensar em como seria asfixiante viver num mundo totalitário, onde todos vigiam e são vigiados, onde as injustiças prevalecem como regra e o exercício do poder é o único caminho para quem deseja respirar, mas só está disponível para... os poderosos! Ao indivíduo anulado pelas forças do estado onipotente, só resta buscar apoio na própria condição humana, para seguir lutando nas sombras. Uma vez no poder, os nazistas e seus primos-irmãos socialistas seguem o receituário de sempre: doutrinações, aparelhamentos, vigilância e disseminação de narrativas falsas para reescrever a história.
        Sim, em muitas passagens somos surpreendidos com a mesma lengalenga que já nos acostumamos a ouvir na grande mídia, patrocinada pelo aparato oficial. Por isso ficamos de sobreaviso: o mal continua à espreita e pode atacar a qualquer momento. Em O Homem do Castelo Alto, o mundo real, onde os aliados venceram e os nazifascistas foram triturados, não é tratado como perfeito. Ao contrário, as mazelas segregacionistas que açoitaram os negros americanos na década de 1960 são expostas com franqueza.
        Nessa série, os filmes misteriosos produzidos pelo tal homem do castelo alto funcionam como motor da trama, mas seu conteúdo não é o elemento mais importante. Como na vida, o que interessa é que temos uns aos outros para nos apoiar, iluminados pelos nossos valores morais, espirituais e éticos. Por outro lado, no romance de Philip K. Dick não havia rolos de filmes para trazer esperança aos resistentes. O autor usou como mote um misterioso livro, intitulado The Grasshopper Lies Heavy – O Gafanhoto Deita Pesado, numa tradução livre – escrito por um tal de Hawthorne Abendsen.
        Nas telas, no entanto, o criador da série concluiu que os filmes ofereceriam um apelo visual mais apropriado, resgatando a estética dos cinejornais que remontam aos tempos da Segunda Guerra Mundial. Outra mudança feita por Frank Spotnitz foi a criação do personagem Takeshi Kido, o inspetor-chefe japonês aferrado ao ideário fascista e dedicado a exercer o poder absoluto. Seu arco de transformação é notável, na medida em que suas decisões acabam interferindo com o destino de todos os demais personagens da trama.
        Diálogos bem elaborados, atuações expressivas, flashbacks pertinentes, uma direção de arte impecável.... O Homem do Castelo Alto tem muito a oferecer ao espectador atento, que se sente respeitado em sua inteligência e instado a participar ativamente das inúmeras provocações imaginativas criadas pelos realizadores. Ludy e eu decidimos conferir o primeiro episódio e só sossegamos quando assistimos ao último, da quarta temporada. Minha mulher adorou acompanhar a jornada de personagens verossímeis e bem construídos, enquanto me deliciei com as habilidades narrativas dos roteiristas e com o caldo denso de ficção científica que consegui degustar com prazer. Fica aqui a nossa recomendação, caso queira assistir.

Resenha crítica da série O Homem do Castelo Alto

Ano de produção: de 2015 a 2019
Criação: Frank Spotnitz
Diretores: Alex Zakrzewski, Brad Anderson, Bryan Spicer, Charlotte Brändström, Chris Long, Colin Bucksey, Daniel Percival, Daniel Sackheim, David Petrarca, David Semel, Deborah Chow, Ernest Dickerson, Frederick E.O. Toye, Jennifer Getzinger, John Fawcett, Julie Hébert, Karyn Kusama, Ken Olin, Meera Menon, Michael Rymer, Michael Slovis, Nelson McCormick, Paul Holahan, Rachel Leiterman, Richard Heus e Steph Green
Roteiristas: Chris Collins, Chris Wu, David Scarpa, Dre Ryan, Elizabeth Benjamin, Emma Frost, Eric Overmyer, Eric Simonson, Erik Oleson, Evan Wright, Francesca Gardiner, Frank Spotnitz, Jace Richdale, Jihan Crowther, Julie Hébert, Kalen Egan, Lolis Eric Elie, Mark Richard, Rick Cleveland, Rob Williams, Thomas Schnauz, Walon Green, Wesley Strick e William N. Fordes
Elenco: Alexa Davalos. Rupert Evans, Luke Kleintank, Joel de la Fuente, Cary-Hiroyuki Tagawa, Rufus Sewell, Chelah Horsdal, Brennan Brown, Callum Keith Rennie, Bella Heathcote, Michael Gaston, Jason O'Mara, Frances Turner, Aaron Blakely, Carsten Norgaard, Rick Worthy, Camille Sullivan, Lee Shorten, Arnold Chun, Bernhard Forcher, Christine Chatelain, Hank Harris, Allan Havey, Burn Gorman, Shaun Ross, Rob LaBelle, Geoffrey Blake, Daisuke Tsuji, Mayumi Yoshida, Amy Okuda, Neal Bledsoe, Hiro Kanagawa, Louis Ozawa Changchien, Tao Okamoto, Stephen Root, Sebastian Roché, Cara Mitsuko, Tate Donovan, Michael Hogan, Tzi Ma, Giles Panton, Laura Mennell, Janet Kidder, Jeffrey Nordling, Akie Kotabe, Tamlyn Tomita, Eijiro Ozaki, James Neate, Sen Mitsuji, David Harewood, Michael Hagiwara, Eric Lange, Rich Ting, Quinn Lord, Gracyn Shinyei, Genea Charpentier, Daniel Roebuck, Macall Gordon, Conor Leslie, Yukari Komatsu, Wolf Muser, Ray Proscia, Keone Young, Kenneth Tigar, Lisa Paxton, David Furr, William Forsythe, John Hans Tester, Gwynyth Walsh, Timothy V. Murphy e Hiromoto Ida

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