Uma Ponte Longe Demais: a história real da Operação Market Garden

Cena do filme Uma Ponte Longe Demais
Uma Ponte Longe Demais: direção de Richard Attenborough

UMA FAÇANHA LOGÍSTICA MOVIDA PELA VAIDADE

Por qual motivo alguém ousaria realizar um filme como Uma Ponte Longe Demais, dirigido em 1977 por Richard Attenborough? Antes de começar a especular, vamos examinar do que ele trata. É um drama de guerra, estrelado por um elenco de famosos, que narra os meandros da fracassada Operação Market Garden, criada em setembro de 1944 pelo ambicioso general britânico Bernard Montgomery. O objetivo era pôr fim à Segunda Guerra Mundial antes daquele Natal. Foi a maior operação de paraquedistas da história, quando 41 mil homens saltaram atrás das linhas alemãs que dominavam a Holanda, com a missão de proteger algumas pontes estratégicas. Enquanto isso, os britânicos avançariam com seus blindados até a cidade de Arnhem e atravessariam a última ponte sobre o rio Reno, para finalmente invadir a Alemanha.
        Uma sucessão de erros – rádios defeituosos impedindo a comunicação, estradas estreitas dificultando o fluxo dos blindados e problemas com a logística de munição e suprimentos – impediu que os aliados cruzassem a última ponte. Entre os aliados, mais de 15 mil soldados perderam a vida e outros 17 mil saíram feridos. A guerra ainda se estenderia por mais um ano.
        A Operação Market Garden, que completou 80 anos, foi narrada em detalhes por Cornelius Ryan, escritor e historiador militar irlandês naturalizado americano, em seu livro Uma Ponte Longe Demais, publicado em 1974. Dado o interesse histórico, um bom motivo para adaptar o livro para as telas seria o de registrar os fatos tal qual aconteceram, esmiuçando a cadeia de atos e decisões e denunciando as causas do fracasso gerado. Mas nesse caso, um bom documentário seria mais apropriado.
        Talvez os realizadores quisessem investigar o drama pessoal dos que experimentaram o calor dos acontecimentos. Nesse caso, ao invés de dispersar a narrativa entre uma multidão, seria mais produtivo concentrá-la em poucos personagens, para retratá-los com mais profundidade psicológica.
        Outro bom motivo para realizar um filme como esse seria colocar o espectador no centro da ação, oferecendo uma oportunidade única de vivenciar a realidade do front e experimentar o caldeirão de emoções que ferve durante as batalhas. Nesse caso, os realizadores deveriam impor uma abordagem realista, para além da mera versão oficial dos fatos e do tom de propaganda que nos deixa um certo ranço.
        Minha conclusão é que a motivação para realizar Uma Ponte Longe Demais foi... comercial! O principal nome por trás do filme é o de Joseph E. Levine, um dos mais bem-sucedidos produtores da história do cinema, que adquiriu os direitos de adaptação do livro. Ao longo da carreira, Levine produziu, financiou e distribuiu quase 500 filmes, perseguindo o lucro com um método eficaz que ele mesmo refinou: conseguia o engajamento dos próprios distribuidores, que financiavam antecipadamente os custos de produção e as campanhas de marketing. Foi com uma grande soma no caixa que ele arregaçou as mangas e partiu para a sua maior ousadia.
        Sua primeira decisão foi a de arregimentar um impressionante 
elenco de astros, todos do primeiro time: Dirk Bogarde, Sean Connery, Robert Redford, Michael Caine, Gene Hackman, Anthony Hopkins, Ryan O'Neal, Laurence Olivier, James Caan, Elliott Gould... Até Liv Ullmann! Dessa forma, sabia que conseguiria atrair o olhar do público.
        A segunda decisão foi escalar o consagrado ator e diretor Richard Attenborough para assumir a direção do filme – para quem ainda não ligou o nome à figura, lembro que ele interpretou o visionário John Hammond, criador do parque dos dinossauros em Jurassic Park. E a terceira decisão foi contratar o lendário roteirista William Goldman – foi ele quem escreveu Maratona da Morte, Butch Cassidy and Sundance Kid, Todos os Homens do Presidente e Poder Absoluto. Dessa forma, Levine sabia que conseguiria conquistar o coração do público.
        As filmagens de Uma Ponte Longe Demais aconteceram em 1976, na cidade holandesa de Deventer, a 35 km de Arnhem, onde os fatos históricos aconteceram. R
epresentaram uma verdadeira façanha logística. Aeronaves foram adquiridas pela produção, réplicas de planadores foram construídos, veículos e blindados que estavam sendo descartados pelos exércitos europeus foram comprados, paraquedistas foram arregimentados como figurantes, junto com milhares dos habitantes locais... Em nome do espetáculo visual, Levine reuniu um verdadeiro exército para tentar representar a enormidade que foi a tal Operação Market Garden. Também travou uma verdadeira batalha ao ter que administrar o ego do elenco estrelado, com suas exigências legais e financeiras.
        As cenas de batalha são de encher os olhos e impressionam pela grandiosidade – especialmente os saltos dos paraquedistas e as manobras aéreas. Mas desagradam aos espectadores mais exigentes, conhecedores do universo militar. Aviões maquiados, paraquedas modernos demais, tanques de guerra incorretos, ações de combate romanceadas... Muitos torceram o nariz.
        O roteiro é bem construído e lida apropriadamente com as cenas expositivas, mas não consegue descer aos detalhes de nenhum personagem. São tantos que não há tempo para descrever seus arcos dramáticos – e olhe que o filme se estende por quase três horas! Ainda assim, Richard Attenborough consegue a façanha de prender a atenção do espectador até o final, imprimindo uma constante atmosfera de suspense e mantendo as lentes focalizadas essencialmente no carisma dos seus atores.
        Infelizmente, Uma Ponte Longe Demais acaba ruindo em um rio de... clichês e estereótipos! Os britânicos são fleumáticos, os americanos agem feito caubóis, os alemães são gélidos e se movimentam em cena como rigidez caricata... Até Liv Ullmann fica parecida com o que se espera de uma atormentada viúva de guerra. As pequenas histórias e dramas pessoais que são narrados ficam na superfície: um flautista melancólico aqui, um garoto espião baleado ali, soldados entoando canções saudosistas... Já vimos tudo isso antes.
        Mas as cenas dos paraquedistas... Ah, essas são incríveis! A fotografia de Geoffrey Unsworth, a direção de arte de Stuart Craig e a edição de Antony Gibbs são um convite para assistir a esse filme de guerra imponente, porém subordinado às motivações vaidosas do produtor Joseph E. Levine.

Resenha crítica do filme Uma Ponte Longe Demais

Título original: A Bridge Too Far
Ano de produção: 1977
Direção: Richard Attenborough
Roteiro: William Goldman
Elenco: Dirk Bogarde, James Caan, Michael Caine, Sean Connery, Edward Fox, Elliott Gould, Gene Hackman, Anthony Hopkins, Hardy Krüger, Ryan O'Neal, Laurence Olivier, Robert Redford, Maximilian Schell, Liv Ullmann, Denholm Elliott e Ben Cross

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