Instinto Materno: um remake redundante

Cena do filme Instinto Materno
Instinto Materno: direção de Benoît Delhomme

FALTOU ENFATIZAR O UNIVERSO SONORO!

Se você, cinéfilo ávido por um bom thriller inspirado no estilo de Alfred Hitchcock, tropeçar no serviço de streaming com Instinto Materno, dirigido em 2024 por Benoît Delhomme, talvez fique logo tentado a dar o play. Não é para menos: as presenças de Jessica Chastain e Anne Hathaway no elenco funcionam como chamariz. Trata-se de um bom filme e recomendo que assista. Porém, para que tire melhor proveito da experiência, sugiro que considere a longa cadeia de fatos que está por trás dessa produção hollywoodiana. E ela começa... na Bélgica!
        Em 2012, a escritora belga Barbara Abel, autora de vários romances policiais de sucesso, publicou seu livro Derrière la Haine (Por Trás do Ódio). O romance foi adaptado para o cinema em 2018 pelo cineasta Olivier Masset-Depasse, também belga, com o título de Duelles (Duelos). O livro ganhou mais tarde uma versão em inglês, publicada com o título de Mothers’ Instinct. O sucesso alcançado atraiu o interesse de produtores americanos e acabou se tornando um projeto pessoal para a atriz Jessica Chastain, que assumiu a produção.
        Olivier Masset-Depasse também se envolveu diretamente na realização do remake e estava escalado para dirigi-lo, mas acabou pulando fora na última hora – e não digo isso apenas como força de expressão! Três dias antes do início das filmagens, a batata quente caiu nas mãos de Benoît Delhomme. Mas, afinal de contas, quem é Benoît Delhomme? Trata-se do experiente diretor de fotografia francês que já tem quase 70 filmes no seu currículo, trabalhando com diversos diretores de renome. Como ele já estava envolvido no projeto até o pescoço – fora arregimentado como diretor de fotografia – acabou assumindo a direção de Instinto Materno.
        Bem, caro cinéfilo, nesta curta introdução tentei apreender o espírito desse filme. Com um visual apuradíssimo, era para ser uma versão americanizada de um sucesso europeu. Porém, sob a tutela de um diretor de fotografia – talentoso e profundo conhecedor da sétima arte, é verdade – o longa acabou ficando órfão de um contador de histórias mais sintonizado com o paladar do... mercado. O remake, concebido para agradar aos espectadores americanos, acabou bebendo na mesma fonte do original europeu, decepcionando a crítica especializada. Esperavam mais apelo de um... thriller inspirado no estilo de Alfred Hitchcock!
        Para o resto do mundo, Instinto Materno chega como uma curiosidade: mantém a atmosfera envolvente que os Estados Unidos respiravam nos anos 1960 e compila um punhado de referências à obra de Hitchcock, mas parece emular o jeito europeu de fazer cinema. Soa redundante, uma vez que o premiado filme original já seguiu pelos mesmos caminhos. Como novidade, ficamos apenas com as presenças de duas atrizes americanas muito magnéticas, que aproveitaram a oportunidade de fazer um cinema mais... internacional.


        Instinto Materno conta a história de Alice (Jessica Chastain) e Céline (Anne Hathaway), duas amigas que também são vizinhas num confortável subúrbio de Nova Jersey. Ambas são bem casadas e têm apenas um filho – os dois garotinhos cultivam entre si a mesma amizade sólida que enxergam nas mães. A vida de conto de fadas das duas famílias se esfarela quando Max (Baylen D. Bielitz), o filho de Céline, morre num trágico acidente. O luto é logo preenchido por raiva, desconfiança, sentimento de culpa e desejo de vingança. A tensão emocional só faz crescer o conflito entre as amigas. Theo (Eamon O'Connell) o filho de Alice, passa a ser objeto de atenção, enquanto as duas famílias, aprisionadas por um complexo emaranhado de suspeitas, mal conseguem se reerguer.
        Instinto Materno é um filme de suspense psicológico baseado em uma estrutura clássica. O espectador jamais sabe ao certo se os personagens estão sendo sinceros ou se estão perdidos em dissimulações. Se agem a partir de uma lógica ou se apenas se valem do instinto. Se os fatos que vivenciam são verdadeiros ou se foram inventados. O que acompanhamos é um duelo entre as duas protagonistas – e nisso o título do filme original consegue ser mais explícito – que só poderá culminar em mais tragédia.


        Como cineasta, Benoît Delhomme não conseguiu superar o diretor de fotografia. Embora tenha um olhar apurado para a forma, garantindo um tratamento visual impecável para o seu filme, não conseguiu abordar o conteúdo com a desenvoltura de um diretor calejado. Limitou-se a capturar a performance do elenco, sem acrescentar nuances narrativas que pudessem ressaltar as camadas psicológicas dos personagens. As duas atrizes, deixadas à própria sorte, apenas experimentaram a oportunidade de impor suas próprias concepções.
        Os cinéfilos mais exigentes sairão de Instinto Materno carregando uma ponta de decepção. Apesar da direção de arte, dos cenários e dos figurinos esbanjarem beleza e elegância, as referências ao universo de Alfred Hitchcock ficaram capengas. O mestre do suspense pensava seus filmes para além do imperativo visual. Ele buscava sacadas narrativas, lidava com símbolos arquetípicos e investigava a psicologia dos seus personagens.
        E sobretudo, para Alfred Hitchcock, o cinema era arte audiovisual! Ele costumava dar um tratamento especial à banda sonora dos seus filmes. Tanto é que, até hoje, qualquer cinéfilo que se preze, quando pensa na obra do diretor, logo mergulha naquele caldo espesso de música e sons que ajudavam a criar suspense e nos faziam cravar as unhas no braço da poltrona. Não conseguimos ouvir nada disso em Instinto Materno. É uma pena!


Resenha crítica do filme Instinto Materno

Título original: Mothers' Instinct
Ano de prosução: 2024
Direção: Benoît Delhomme
Roteiro: Sarah Conradt e Barbara Abel
Elenco: Jessica Chastain, Anne Hathaway, Anders Danielsen Lie, Josh Charles, Eamon O'Connell, Caroline Lagerfelt e Baylen D. Bielitz

Comentários

Confira também:

Menina de Ouro: a história de Maggie Fitzgerald é real?

Vidas em Jogo: thriller envolvente com a grife David Fincher

Siga a Crônica de Cinema