Back to Black: a cinebiografia de Amy Winehouse
Back to Black: direção de Sam Taylor-Johnson
FINALMENTE, A CELEBRIDADE SEM A VIGILÂNCIA DAS CÂMERAS
Tinha um pé atrás quando apertei o play em Back do Black, filme de 2024 dirigido por Samantha Taylor-Johnson. Estava certo de que assistiria a um filme triste, mas minha curiosidade foi mais forte. Queria conhecer a verdadeira Amy Winehouse, uma artista incrível, cujas canções adoro ouvir. Não me arrependi! Esta cinebiografia faz jus à cantora e alcança o ser humano para além dos painéis construídos pela mídia e pela indústria do entretenimento.Já a crítica especializada, parece que não gostou tanto. Ficou nos elogios ao desempenho da atriz principal e nas reconstituições visualmente fidedignas, mas desceu a lenha no roteiro. As acusações são de superficialidade ao abordar as relações entre Amy e seu pai e de dourar a pílula nas bad trips vividas pela artista. Ou seja: deixaram uma infinidade de detalhes de fora.
Descobri que todo mundo é especialista em Amy Winehouse, menos eu! O que colecionei sobre ela foi sua música arrebatadora. É claro que ouvi falar dos seus vexames, do excesso de álcool, do caso de amor tóxico com o marido destrambelhado, das fanfarronices do seu pai displicente... Estavam em todos os noticiários! No entanto, jamais me inteirei dos detalhes e cronologias. Tudo o que sabia é que ela morreu aos 27 anos – prazo de validade das grandes lendas do showbizz. Mas a sua música arrebatadora, sempre trouxe comigo!
Por conhecerem tudo sobre Amy Winehouse, muitos fãs talvez não saibam lidar com uma cinebiografia. Esperam a tangibilidade de um documentário, construído a partir de vídeos caseiros, registros da mídia, depoimentos de uma infinidade de testemunhas oculares... Foi o que vimos, por exemplo, em Amy, dirigido em 2015 por Asif Kapadia, um filme que de certa forma esgotou o tema. Entretanto, a personagem que emergiu daquele documentário é a mesma que sempre enxergamos pelos filtros da mídia, encarcerada num gigantesco reality show. Vigiada e bisbilhotada em tempo integral. Ao ver alguém diante das câmeras, sempre ficamos com a certeza de uma espontaneidade construída.
A Amy Winehouse da cinebiografia é outra. Uma que os realizadores tentaram desvendar, enquanto reconstituíram seus dramas e conflitos internos, sem a presença das câmeras que a rodeavam. Imaginaram-na na solidão do seu quarto, em pleno processo de composição. No seio de uma família musical e acolhedora, enquanto revela quem deseja se tornar. No relacionamento com a avó inspiradora, de quem irá se separar. Na lida com a figura paterna, nem tão ausente, nem tão presente... Numa cinebiografia, enxergamos a artista pelos filtros dos realizadores. Pelos olhos de outros artistas que ousaram retratá-la.
Antes de seguir, vale a pena estabelecer a sinopse de Back to Black. O filme flagra Amy Winehouse (Marisa Abela) aos 17 anos, no convívio festivo com a família e no exercício da sua paixão pela música. Na medida em que cria suas canções e fundamenta sua identidade artística, ela busca os conselhos da avó, Cynthia (Lesley Manville) e lida com a influência de seu pai, Mitch (Eddie Marsan). Amy desponta na cena musical londrina e conquista seu lugar na indústria fonográfica, reconhecida pela qualidade do seu primeiro disco, Frank. Conhece Blake Fielder-Civil (Jack O'Connell) e, a partir desse relacionamento tempestuoso, cria as canções do seu segundo disco, que explodirá num sucesso comercial em escala internacional. A partir daí, acompanharemos a conhecida trajetória até sua morte em 2011.
A interferência artística da diretora Sam Taylor-Johnson é a primeira que nos chama a atenção em Back to Black. Experiente – a cineasta e fotógrafa inglesa tem no currículo o filme O Garoto de Liverpool, onde narra a infância e a juventude de John Lennon – ela tratou de contar essa história a partir da perspectiva da própria Amy Winehouse. Foi buscar no seu legado musical, construído com tamanha honestidade e autenticidade, todas as verdades emocionais que saltam aos olhos durante o filme. Sem vitimizações e sem martelar na culpa daqueles vilões que todos já conhecemos de antemão, a diretora faz um trabalho sensível e delicado.
A segunda interferência fica por conta do roteirista Matt Greenhalgh, antigo colaborador da diretora, com quem compartilhou a visão criativa do projeto desde o seu início. Ele mergulhou no oceano de informações disponíveis sobre Amy Winehouse e saiu de lá com um roteiro enxuto, estruturado a partir das canções compostas pela artista. Para ampliar o alcance emocional, acrescentou diversos standards do jazz – e de outros gêneros – que a influenciaram. Algumas linhas de diálogo foram retiradas diretamente de entrevistas e registros da mídia.
A terceira interferência artística coube a Marisa Abela, que encarnou a protagonista com absoluta propriedade. Na fisionomia, na expansividade e no carregado sotaque britânico, a atriz não se parece em nada com Amy Winehouse, mas agigantou-se diante das câmeras para convencer os espectadores. Ela pessoalmente interpretou todas as canções e alcançou uma performance surpreendente – fiquei arrepiado logo no começo, quando a ouvi entoar Fly Me to the Moon! Sem antecedentes musicais, a moça treinou duro por quatro meses e aprendeu rápido. Os realizadores, que tinham planos para trabalhar apenas com dublagens, ficaram empolgados. Com talento e sensibilidade artística, a atriz trouxe uma contribuição crucial.
É claro que a produção musical contou pontos valiosos. A diretora conseguiu reunir todos os integrantes das antigas bandas de Amy Winehouse, que participaram das gravações – foram interpretados por atores mais jovens durante as filmagens. A trilha sonora e a direção musical ficaram sob responsabilidade dos tarimbados Nick Cave e Warren Ellis, que já haviam assinado as trilhas sonoros de filmes como O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford e Blonde. O resultado é delicioso para os amantes da boa música.
Back to Black é um filme envolvente, mas não é um espetáculo musical. É um drama, cuja força está ancorada na verdade, na honestidade e na autenticidade que emana das canções de Amy Winehouse. Os realizadores conseguiram manter isso em primeiro plano. É um filme triste, especialmente para quem é pai – entreguei-me a um árduo exercício de empatia ao longo de todo o filme, com vontade de abraçar e reconfortar aquela menina tão talentosa.
Resenha crítica do filme Back to Black
Ano de produção: 2024Direção: Sam Taylor-Johnson
Roteiro: Matt Greenhalgh
Elenco: Marisa Abela, Jack O'Connell, Eddie Marsan, Juliet Cowan, Lesley Manville, Sam Buchanna, Harley Bird, Ansu Kabia, Ryan O'Doherty, Spike Fearn, Francesca Henry, Liv Longbourne, Bronson Webb, Therica Wilson-Read, Thelma Ruby, Matilda Thorpe e Pete Lee-Wilson
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