Uma crônica de Natal


AH, ENTÃO É ISSO QUE SIGNIFICA!

“Feliz Natal”. Já repeti essa frase incontáveis vezes, desde que aprendi a falar. De início, a pronunciava de modo mecânico. As duas palavras ainda não formavam significado nos murais da minha mente. Apenas as repetia, numa apropriação do que diziam minha mãe e meu pai. “Feliz” foi a primeira que compreendi: sorrisos, carinho, atenção, conforto, segurança... “Natal” também não foi tão complicada: doces, presentes, festa, brincadeiras... Os anos passaram e “Natal” virou aniversário do “papai do céu” – na verdade, um garotinho pobre que cresceria para ser morto de forma horrível, pregado numa cruz.
        Aos nove anos, já conhecia essa história em detalhes, depois de passar pelo catecismo e fazer a primeira comunhão. Daí em diante, minha religiosidade desceu ladeira abaixo. Voltei a pronunciar a frase “Feliz Natal” de forma mecânica, já que os murais da minha mente ficaram abarrotados de outros significados, que estavam agarrados a significantes bem mais sedutores.
        Com a idade, além de ganhar presentes, passei a dar presentes. “Natal” virou uma oportunidade para reencontrar os familiares e amigos, para viver momentos de festa e confraternizar. Para celebrar o final de um ano e preparar o espírito para os desafios daquele que começaria na sequência. Nada mais do que um ritual agnóstico.
        Num dado momento, virei ateu – uma longa história, que pretendo contar em outra ocasião. Mesmo assim, continuei a celebrar o Natal. Ah, a atmosfera de paz e harmonia, a alegria das crianças, os brindes, os pratos especiais, as roupas novas, a cantoria... Natal sempre foi a festa mais especial de todas. Como poderia viver sem ela?
        Acontece que assumi a publicidade por profissão e me envolvi com o Natal de forma pragmática. Virou fonte de receita. Os clientes demandavam toda a minha criatividade em campanhas de fim de ano, anúncios, filmes, cartões, peças promocionais, calendários, agendas... A cada Natal, as ideias publicitárias precisavam ser diferentes. Os concorrentes tentavam ser mais criativos e ousados, por isso, minhas mensagens tinham que ser mais memoráveis.
        Curiosamente, a maioria dos clientes não aprovavam as mensagens com viés religioso. Nada de Menino Jesus na manjedoura, nada de presépio, nem de Reis Magos. No máximo, anjos estilizados e estrelas guia no céu noturno. A comunicação precisava ser ecumênica! Por sorte, os símbolos natalinos que tinha ao meu dispor eram inúmeros: pinheiros enfeitados com neve, bolas cristalinas, pisca-piscas, Papai Noel, renas, presentes, biscoitos, bonecos de neve... Bastava escolher um deles e arrematar com um “Feliz Natal” – aquela frase que ainda repetia de modo mecânico e que há muito não formava significado nos murais da minha mente.
        Num dado momento, deixei de ser ateu – uma longa história, que ainda preciso entender nos seus detalhes, para poder contar de modo adequado – não caberá numa crônica! Voltei aos meus nove anos e agora estou disposto a seguir com minha religiosidade ladeira acima. A bagagem que trago nas costas é mais robusta – páginas, páginas e mais páginas! Curiosamente, a caminhada parece estar mais leve.
        Já não vejo o Natal com os olhos de criança pidona, que jura bom comportamento e aprimora sua lista de desejos. A data marca o nascimento do Filho de Deus, o Logos, a entidade inteligente criadora do universo, que fundamenta a razão e dá sentido ao existir... O Verbo, que se fez homem para deixar claro que nós, humanos, podemos alcançar a verdade. A verdade que jamais alcançaremos se habitarmos apenas o reino do material e do instinto.
        Natal é razão e emoção!
        Natal é júbilo, porque o caminho foi iluminado e agora sabemos por onde seguir.
        Cada um que dê seus passos por conta própria. E ao longo do caminhar, vamos esbarrar uns nos outros. Vamos nos abraçar. Apoiar e ajudar uns aos outros, como pudermos. Vamos estender a mão, ora num gesto de caridade, ora num gesto de súplica. Vamos respeitar a alteridade, cientes de que o caminhar é individual.
        E vamos nos saudar uns aos outros, a cada fim de ano, com aquela velha frase, cujo verdadeiro significado agora aparece um pouco mais nítido nos murais da minha mente:
        – Feliz Natal!

Comentários

  1. Obrigada e Feliz Natal meu amigo!!! Você realmente nos presenteou com uma crônica natalina de verdade. Obrigada e feliz Natal pra você e sua 👪

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  2. Boa reflexão, feliz natal

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    1. Ah, é uma época apropriada para reflexões! Feliz Natal!

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  3. É lindo ouvir a voz do coração, primo. E você sempre foi o mesmo apesar de tantas mudança. Ótima crônica. Feliz Ano Novo! Felicidades a todos os seus.

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    1. Feliz 2025, primo!!! Felicidade, saúde e prosperidade para os seus planos profissionais.

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