Armadilha: thriller psicológico bem arquitetado

Armadilha: direção de M. Night Shyamalan
HIPNOTIZADOS, SÓ QUEREMOS SABER COMO TERMINARÁ!
Gosto de assistir aos filmes de M. Night Shyamalan. Às vezes me decepciono. Na filmografia do diretor, há vários títulos que me desagradam e que não pretendo revisitar. Há outros que revi e pretendo rever de novo. Tal irregularidade não é um demérito. As ressalvas que tenho aqui e ali são todas por causa da temática ou da abordagem personalista. Não têm relação com o cinema que que ele pratica. Aliás, ele tem pleno domínio da linguagem cinematográfica e se tornou um criativo narrador audiovisual. Por isso, nunca deixo de assistir aos seus longas.Armadilha, seu filme de 2024, é um thriller de suspense, onde ele aborda o tema perturbador e violento dos assassinos em série. O bom é que dessa vez o diretor resistiu à tentação de enveredar por caminhos sobrenaturais. Evitou empregar elementos de mistério para alimentar pontos de virada que surpreendam o espectador. A exemplo do que fez em Fragmentado, pisou firme no terreno do suspense psicológico, para nos conduzir hipnotizados e aflitos até os letreiros finais.
Por se tratar de um filme de M. Night Shyamalan, o leitor há de compreender que não poderei entrar nos detalhes da trama – quanto menos souber sobre a história e seus personagens, melhor. O desconforto inicial e a súbita imersão no drama que acompanhará fazem parte do espetáculo e não podem ser consumidos separadamente. Portanto, a sinopse de Armadilha será sintética:
O filme conta a história de Cooper (Josh Hartnett) um bombeiro que leva sua filha adolescente, Riley (Ariel Donoghue) para assistir ao show de uma jovem estrela da música pop, chamada Lady Raven (Saleka Night Shyamalan). Ele é um pai amoroso e a filha tirou ótimas notas na escola, portanto merece passar uma tarde inesquecível. Quando já estão acomodados para o início do show, Cooper percebe a intensa movimentação policial. Descobre, ao conversar com um vendedor de camisetas, que se trata de uma operação do FBI para prender um famoso assassino em série conhecido como Açougueiro. O show todo, portanto, é uma armadilha com potencial para descambar em violência.
Você, caro leitor, certamente percebeu que a atriz que interpreta a cantora pop fictícia tem o mesmo sobrenome do diretor. Não é coincidência! Saleka é uma das filhas de Shyamalan e se envolveu desde o início na criação do filme. Atriz, cantora e compositora, ela é autora de todas as canções que são apresentadas ao longo do show fictício. O diretor teve a ideia de criar um filme musical, que funcionasse como um suspense. Envolveu a filha na concepção da narrativa e procurou entrelaçar os acontecimentos no palco com o drama vivido pelos personagens que inventou – também pai e filha.
Em Armadilha, o ambiente de celebração adolescente proporcionado pelo espetáculo musical contrasta brutalmente com os eventos sombrios que então se desencadeiam. A sonoridade pasteurizada das canções, a ingenuidade da plateia e a encenação teatral em tom midiático chegam a dar nos nervos, já que nas entrelinhas esperamos nos deparar com atos brutais, provocados por um psicopata – que outro nome poderia ser mais assustador do que Açougueiro? – acuado num ambiente público e movimentado.
M. Night Shyamalan, como sempre, leva a trama por corredores surpreendentes. O psicopata criado por ele é um personagem complexo, sombrio e perturbado. O sujeito é uma pedra de gelo, sempre empenhado em manter o equilíbrio e totalmente focado na autopreservação. Não se deixará ser pego em uma armadilha qualquer. O espectador talvez se preocupe com verossimilhanças, mas estará tão agoniado por conhecer o final da trama, que não se importará em fazer concessões.
Além da concepção musical cuidadosa, Armadilha tem um visual elaborado. A fotografia assinada por Sayombhu Mukdeeprom é excelente. Aproveita-se da iluminação do show fictício para construir diferentes facetas do protagonista e assim criar um incômodo contraste com o que é mostrado nas demais locações. Shyamalan mantém aqui o seu costumeiro capricho com a narrativa visual, nos planos, nos cenários e no design de produção.
O ator Josh Hartnett é outro trunfo importante. Ele entrega uma atuação marcante e arrebatadora. Consegue acrescentar toques de humor que desconcertam. Elevam a tensão enquanto o clima de suspense se arrasta para o seu limite. Do começo ao fim, é nas mãos dele que o diretor coloca a carga dramática do filme. Infelizmente, M. Night Shyamalan adora esticar a corda! Deixou que ela arrebentasse no final derradeiro, apenas para insinuar a possibilidade de uma sequência para este seu thriller. Bobagem! Assassinos em série existem aos montes no cinema. O seu Açougueiro, de tão aterrador, merecia ter um final definitivo e sem piedade!
Resenha crítica do filme Armadilha
Título original: TrapAno de produção: 2024
Direção: M. Night Shyamalan
Roteiro: M. Night Shyamalan
Elenco: Josh Hartnett, Ariel Donoghue, Saleka Night Shyamalan, Alison Pill, Hayley Mills, Jonathan Langdon, Mark Bacolcol, Marnie McPhail-Diamond, Scott Mescudi, Russell "Russ" Vitale, Marcia Bennett, Lochlan Miller e M. Night Shyamalan
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